MP 881, que pode se tornar
lei, propõe cortar direitos de quem trabalha em dias especiais, como horas
extras e auxílio alimentação e coloca em risco segurança e saúde no trabalho ao
flexibilizar fiscalização.
MP 881, que pode se tornar lei, propõe cortar direitos
de quem trabalha em dias especiais, como horas extras e auxílio alimentação e
coloca em risco segurança e saúde no trabalho ao flexibilizar fiscalização
Conhecida como minirreforma trabalhista, a Medida
Provisória (MP) nº 881 pode se tornar lei e trazer ainda mais retrocessos para
a legislação trabalhista brasileira.
Como o governo de Jair Bolsonaro (PSL) havia anunciado
em sua campanha, a intenção é afrouxar regras para favorecer a classe
empresarial brasileira.
A proposta original da MP, que tramita no Congresso
Nacional em caráter de Projeto de Conversão de Lei (45/2019), era para mudar
onze itens. Ao passar pela comissão mista da câmara, a MP foi alterada pelo
relator Jerônimo Georgen (PP-RS), que propôs mudar mais de 50 itens da lei.
Um dos principais ataques apontados por especialistas é
a liberação do trabalho aos domingos e feriados para mais categorias.
Atualmente, a legislação prevê que os trabalhadores que exercem atividade nos
fins de semana e feriados tenham remuneração diferenciada pelas horas
trabalhadas, além de escala especial de folgas. Com a alteração proposta por
Georgen, as empresas ficariam isentas de arcar com esses direitos.
O secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir
Ertle, explica que a MP passa a tratar os dias especiais como dias normais de
trabalho e, com isso, os direitos adquiridos serão perdidos.
“Algumas categorias têm regras específicas garantindo
valores para alimentação, horas extras, escalas de folgas diferenciadas, mas a medida
provisória pode acabar com tudo isso”, pontua o dirigente.
“Vai ficar a critério da empresa decidir quando o
trabalhador vai ter que trabalhar e quando terminar a vigência de acordos
coletivos que preveem regras especiais, os patrões, embasados na lei, não vão
querer negociar benefícios para os trabalhadores”.
O advogado trabalhista, José Eymard Loguércio, acredita
que em um curto prazo as consequências da MP 881 serão mais precarização,
menores remunerações e impacto negativo na economia brasileira.
“Nenhum país que adotou regras semelhantes apresentou
melhores índices de geração de emprego. Pelo contrário, as jornadas aumentaram
para quem já trabalhava”.
Eymard lembra que em um país com alto índice de
rotatividade como o Brasil a substituição da mão de obra é fácil para os
empresários. A reforma Trabalhista, um exemplo de flexibilização dos direitos,
não gerou postos de trabalho, afirma.
“O que está acontecendo é o aumento do desemprego e da
rotatividade. Um grande contingente de pessoas que estavam empregadas, com um
padrão de rendimento foram demitidas e contratadas por valores menores”, diz o
advogado.
Direito
Civil
Outro ponto crítico da Medida Provisória 881 é a
sobreposição das regras do Direito do Trabalho pelas regras do Direito Civil.
Na prática, significa que contratos firmados com
valores acima de 30 salários mínimos (R$ 29.940,00) não teriam a mesma proteção
das leis trabalhistas. “Seriam uma espécie de acordo comum firmado entre as
partes, sem base em regras trabalhistas”, explica a presidente da Associação
Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), juíza Noêmia Garcia Porto.
Ela afirma que nesse ponto a medida não tem nenhum
‘respaldo’ constitucional, porque segrega os trabalhadores, dividindo-os em
‘castas’. “A Constituição proíbe qualquer discriminação entre tipos de
trabalhadores”, diz Noêmia.
Para a juíza, fica claro que a lógica da MP é de que
trabalhadores nessa faixa salarial não devem ter proteção social, o que, ela
diz, não é verdade.
Impunidade
A MP 881 também dificulta o acesso da justiça a bens de
proprietários e sócios de empresas julgadas como devedoras em ações
trabalhistas. Atualmente, após a condenação há um recurso chamado
Desconsideração da Pessoa Jurídica (DPJ) que determina que os sócios respondam
com seu patrimônio, caso a empresa não tenha bens para quitar a dívida.
Para a presidente da Anamatra, isso poderá criar um
ambiente de impunidade, uma vez que o trabalhador ganhará a ação e não
conseguirá receber os valores.
Empresários
beneficiados
O secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir
Ertle, afirma que a vida do trabalhador, na prática, muda, tanto do ponto de
vista social como do ponto de vista econômico, já que ele vai ser submetido a
horários incomuns de trabalho e com menor remuneração.
Para o dirigente, a chamada ‘liberdade econômica’
pregada por Bolsonaro, na verdade, é mais uma ação deste governo de extrema
direita para retirar direitos dos trabalhadores.
“E no que diz respeito à economia”, prossegue o
dirigente, “não dá para saber onde eles querem chegar com medidas como essa, já
que a remuneração vai ser menor, os empregos serão precários e a reforma
Trabalhista já provou que isso não é solução para crise”.
Valeir cita ainda um exemplo clássico da história para
ilustrar o que tira um país da crise. “Henry Ford, em 1914, dobrou o salário
dos trabalhadores de sua linha de produção e reduziu a jornada para oito horas
diárias. Assim foi preciso criar um terceiro turno para manter a produção”.
O resultado dessa estratégia, comprovado pela história,
foi que os próprios trabalhadores, com poder de compra maior, passaram a
adquirir os automóveis que produziam, o que já dizia Henry Ford, era “bom para
a economia”.
A presidente da Anamatra, Noêmia Garcia Porto, concorda
e complementa “parece que essa ideia de afrouxamento está baseada no senso
comum, construído pela mídia, de que reduzindo proteção, se consegue
incrementar a atividade econômica, mas não há nenhum estudo e nenhuma
estatística que comprove isso”.
Ataques
da MP 881
Outros pontos da MP, considerados graves pelo movimento
sindical e juristas do trabalho são:
– Criação da Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS) digital e sem garantia de acesso efetivo para todos os trabalhadores
acerca de suas informações. O advogado José Eymard Loguércio observa que o
Brasil tem um grande contingente de excluídos digitais e que, portanto, não
teriam acesso a esse recurso.
– Criação de mecanismos que dificultam a fiscalização e
autuação fiscal e retira os sindicatos do sistema;
– Fim do e-Social;
– Fim da obrigatoriedade das CIPAs (Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes), tornando-as facultativas.
Tramitação
O relatório do deputado Jerônimo Georgen, que “inchou”
a medida provisória, foi votado na comissão especial da Câmara, na quinta-feira
(11) e após o recesso parlamentar, deverá ir a plenário. A MP será votada na
Câmara e no Senado. Se for aprovada, passa a valer como lei.
A CUT vai se reunir com as demais centrais sindicais
ainda no mês de julho e dialogar com todos os partidos para que a medida seja
alterada na Câmara. “Ou trabalhar para a medida caducar [perder a validade] em
setembro”, diz Valeir Ertle.
O dirigente criticou a forma como a medida entrou em
pauta. Segundo ele, havia um acordo entre os parlamentares de discutir o tema
somente após a votação da reforma da Previdência, No entanto, o relator colocou
a MP em votação.
A presidente da Anamatra vê na tramitação um problema
democrático já que a medida impacta a vida de milhões de brasileiros e não foi
debatida com a sociedade. Noêmia Porto ainda afirma que “foi a mesma coisa com
a reforma Trabalhista. Começou um texto modesto e no meio da tramitação o texto
foi inchado, dificultando o diálogo com a sociedade”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia considerado
inconstitucional esse método de ‘inchaço’ de medidas. Duas ações de
inconstitucionalidade da MP 881 aguardam julgamento na suprema Corte.
Fonte: CUT Brasil | Escrito por: Andre Accarini |
Imagem: Contraf-CUT