Lédio
Rosa de Andrade é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça e nome cotado
para disputar o governo do Estado (Foto: Priscila Loch/Notisul)
“Se eu decidir aceitar essa empreitada, vou entrar para
ganhar”
Por Priscila Loch – Jornal Notisul
Perfil
O nome do conceituado e recém-aposentado desembargador
do TJ, natural de Tubarão, surgiu como uma inesperada aposta para as eleições
de outubro. O convite do PT para se filiar e possivelmente ser candidato a
governador do Estado é avaliado com calma e com base em diversos critérios. A
decisão se aceita ou não o desafio deve ser anunciada nos próximos dias. Lédio
é graduado em Direito e Psicologia, tem mestrado em Direito, doutorado em
Filosofia Jurídica, Moral e Política, pós-doutorado em Direito e doutorado em
Psicologia Clínica e da Saúde, além de ser professor concursado da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Notisul - O seu nome ficou sob os principais holofotes
em Santa Catarina nessa véspera de definições políticas visando as eleições de
outubro. Agora aposentado do Tribunal de Justiça, o senhor pode mesmo ser
candidato ao governo do Estado?
Lédio - Posso ser candidato sim! É uma possibilidade
que eu tenho analisado com bastante profundidade. Foi talvez o convite mais
importante, sob o ponto de vista profissional, que tive na minha vida. Acho que
se trata de algo muito sério, algo muito importante. Tenho avaliado todos os
prós e contras e, se decidir aceitar essa empreitada, eu vou entrar a fundo,
vou entrar para ganhar. Nos próximos dias, devo tomar uma decisão.
Notisul - A sua trajetória de vida tem envolvimento com
lutas sociais e política estudantil. Já foi filiado a algum partido? Agora, é
grande a possibilidade de filiação ao PT, partido bastante criticado desde o
governo da ex-presidente Dilma Rousseff e envolvido em várias denúncias de
corrupção. O que o levou a esta escolha?
Lédio - A verdade é que já fui filiado, quando jovem,
no PDT. Eu era da esquerda socialista, vinculado ao Brizola. Inclusive, fui eu
que organizei o PDT em Laguna, pela primeira vez, e era candidato a prefeito.
Hoje, eu não optei pelo PT, eu fui convidado pelo PT para concorrer ao governo
do Estado pela sigla. Pela minha forma de pensar o mundo, pela minha forma de
trabalho, pela minha luta política de toda a vida, eu necessariamente tenho que
participar da vida política, caso assim escolha fazê-lo, por um partido de
centro-esquerda ou esquerda. A minha visão ideológica é incompatível com os
partidos de direita. E neste ponto, programaticamente, não há nenhum problema
no PT. Quanto a problemas de corrupção e outros tipos de questões éticas, a
grande verdade é que no Brasil hoje nenhum partido se salva. E no ranking dos
partidos mais envolvidos em criminalidade o PT não está em primeiro lugar.
Entre os grandes, há partidos com muito mais parlamentares envolvidos. A
escolha por um partido é por força de lei. O Brasil não permite legalmente que
uma pessoa concorra às eleições se não tiver um partido.
Notisul - Na sua avaliação, quais são as principais
carências de Santa Catarina e como o governo estadual pode agir para
resolvê-las?
Lédio - Creio que a maior carência no momento de Santa
Catarina e do Brasil é credibilidade política. Nós temos que resgatar para o
cidadão a política como uma arte de governar. Este resgate é fundamental, nós
temos que fazer com que o cidadão tenha orgulho de seus políticos, e não
vergonha, como está hoje. Temos que acabar com a ideia de que político é
sinônimo de ladrão. Esse resgate tem que ser feito. Fora isso, de forma geral, as
grandes carências de Santa Catarina são as carências de um país cujo sistema
federativo é muito frágil, em que a receita fica em grande parte na União e é
desviada. O dinheiro se perde em corrupção, se perde em desperdício e não chega
a obras públicas para o bem da população. Isso tem que ser revertido e o pouco
do dinheiro que sobra do orçamento - porque a grande maioria do orçamento do
estado já tem destino previamente estabelecido - tem que ser investido naquilo
que é do interesse coletivo. Para mim, o que há de maior interesse coletivo são
a educação e a saúde. Avançando nisto, se avança em tudo, inclusive na
segurança. Porque problemas de segurança pública não se resolvem apenas com
cadeia e mais polícia. Isso é um erro grave.
Notisul - A morte do reitor da Ufsc, Luiz Carlos
Cancellier, abalou-o muito. Em seus discursos após o ocorrido, sempre muito
emocionado, o senhor citou com frequência a palavra fascismo. Por quê?
Lédio - A morte do Cau (Luiz Carlos) foi uma das
questões mais tristes que já enfrentei na minha vida. E ele foi vítima de
fascismo, foi vítima de uma parte da polícia, de uma parte do Ministério
Público e de uma parte do poder Judiciário, que hoje atuam em absoluto
desrespeito às normas constitucionais e aos direitos individuais. Isso está
levando o Brasil a uma política institucional perigosa e nós, democratas, temos
que barrar o mais rapidamente possível este horizonte tenebroso que estão
criando em nosso país.
Notisul - Você disse que os abusos de poder da polícia,
do Ministério Público e do Judiciário precisam ser combatidos. O que considera
como abusivo e por onde começar para mudar essa realidade?
Lédio - Os abusos estão em atitudes de policiais,
membros do Ministério Público e juízes ao arrepio da lei em vigor, embasados
nos seus conhecimentos próprios e para promoção pessoal, não para promover as
grandes e nobres funções da polícia, do Ministério público e do poder
Judiciário, previsto na Constituição. E como reagir a isso? Primeiro é não
aceitar, indignar-se, ir à luta, exigir consequências para esses tipos de
ilegalidade.
Notisul - Falando especificamente do Judiciário, área
em que continua intimamente ligado, mesmo após ter se aposentado, você
demonstrou certas frustrações em algumas oportunidades. Inclusive, tem texto
publicado com o título “Por que nós juízes somos arrogantes?”. Na prática, esse
posicionamento lhe atrapalhou de alguma forma durante os anos dedicados à
magistratura?
Lédio - O poder Judiciário, como qualquer poder,
envolve ideologia, política, não partidária, obviamente, mas política como
relações sociais de poder. E algumas posturas não democráticas dentro deste
poder eu não vou dizer que atrapalham, porque isso faz parte da luta, faz parte
do trabalho de quem quer defender a democracia, e foi exatamente isso que eu
combati a minha vida toda, porque eu sempre entendi que cabe ao Judiciário,
acima de tudo, fazer justiça social, e não atender aos interesses das classes
ricas, das classes com dinheiro, como parte deste poder vem fazendo hoje.
Notisul - Foram 35 anos de dedicação à profissão.
Missão cumprida?
Lédio - Eu acho que tive como missão essa luta por
democracia, por justiça social. Considero-me com a missão cumprida, mas não
digo que fui vitorioso. O Judiciário tem que seguir a sua luta, tem que se
transformar, tem que efetivamente assumir a responsabilidade de fazer valer a
Constituição, os princípios constitucionais, os objetivos constitucionais e
construir uma sociedade digna, justa e desenvolvida. Eu fiz a minha parte e vou
continuar fazendo agora em outro lugar.
Notisul - Caso não dispute o pleito deste ano ou
concorra e não seja eleito, a política continua em seus planos?
Lédio - A política sempre esteve nos meus planos. Se
não partidária, no mínimo a política social. Eu gosto de política, apesar de
que tenho um projeto de abrir um escritório de advocacia e trabalhar com
sócios, amigos neste viés. Mas a política sempre está presente, não só em nível
estadual, como também pensando na minha cidade natal, Tubarão, que eu tanto amo
e onde vivi a maior parte da minha vida. Saí de Tubarão porque minha profissão
exigiu a vinda a Florianópolis. Mas nunca Tubarão saiu do meu coração, nunca
saiu do meu pensamento e eu, sem dúvida nenhuma, estarei sempre atento a todas
estas questões.
Notisul - Hoje, um dos maiores problemas apontados
pelos eleitores quando o assunto é política é a corrupção. Na sua avaliação, o
Brasil tem jeito ou é utopia?
Lédio - A corrupção é de fato um problema terrível do
Brasil e do mundo. Alguns países evoluíram culturalmente e o nível de corrupção
baixou, mas se você for analisar a história de todos os países desenvolvidos de
hoje, há pouquíssimo tempo não eram muito diferentes do Brasil. Eu acredito
firmemente que poderemos avançar culturalmente e isso levará a grandes e
profundas transformações em nossos sistemas social e político, e um deles é a
redução do nível de corrupção. Só que isso tem que ser feito com a cultura, com
leis, com a atuação firme da polícia, do Ministério Púbico, do Judiciário, mas,
acima de tudo, isso tem que ser feito respeitando a Constituição, os princípios
constitucionais e sem abuso de poder.
Notisul - Como avalia o futuro do Brasil?
Lédio - O Brasil é um país cujo futuro está aberto para
que seja, sem dúvida nenhuma, um dos maiores do mundo. Nós temos natureza,
temos unidade nacional, possibilidade de um grande desenvolvimento econômico,
de todos os níveis sociais. O que precisa é que avancemos politicamente, que o
povo assuma a sua participação política com toda a sua força. Por isso, penso
que um dos fatores fundamentais a esse belo futuro que o Brasil pode ter está
no investimento maciço na educação. Na educação básica, na inicial e
também na educação do ensino médio e na
universitária, com pesquisa, desenvolvimento de tecnologias, com potencialidade
dos nossos conhecimentos. Não é possível que os grandes gênios brasileiros
tenham que ir para outros países desenvolver a sua genialidade. Isso é
fundamental. Temos que avançar no ensino formal. Paralelo a isso, temos que
avançar também em conceitos culturais de respeito, de observação da
Constituição e, acima de tudo, de ter a democracia como nosso maior valor. Se
isso for feito, teremos, em breve, grandes transformações que direcionarão o
Brasil a um dos países mais desenvolvidos e o melhor para se viver. Mas isso
tem que ocorrer de forma profunda. Temos que tirar o Brasil desse grande
naufrágio.