Os Evangelhos são
claríssimos: Jesus morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e
exploração dos pobres. Cruz (detalhe), Igreja do Espírito Santo e de S.
Alessandro Mártir, Arquidiocese de Portoviejo, Equador / Arcabas (Jean-Marie
Pirot)
Alberto Maggi – Outras Palavras
Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a
resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de
Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz,
a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).
Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos,
mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto,
não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é
inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado,
ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que
perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se
sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados!
Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas
profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar
permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e
psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e
distúrbios.
No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as
coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta
sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e,
sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico,
mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia
muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas
pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado
foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos
líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o
tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos,
ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o
perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em
dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos
sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade;
são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um
procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no
país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os
pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está
blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente
(Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia,
mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos
pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o
tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando
detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria
oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa
gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua
oferta.
“Perdoai e sereis perdoados” (Lc
6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no
entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o
perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem
de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para
ser imediatamente perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os
fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus
pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico
do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não
apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o
Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de
propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele
continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48). Para convencer o Sinédrio da
urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos,
espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs
em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que
é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação
toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos
por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa,
capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o
Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua
herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor
em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a
cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
* Alberto Maggi,
biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontíficias
Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e
Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A
loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa Senhora dos heréticos
* Francisco Cornélio,
sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia
da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo
Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente,
para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino),
onde fez seu mestrado
Edição: Tradução: Francisco
Cornélio