Postado no Blog do Esmael
O procurador da República Diogo Castor de Mattos,
membro da força-tarefa Lava Jato, em artigo publicado neste sábado (8),
desmistifica o slogan “República de Curitiba: aqui a lei se cumpre”. Ele afirma
que “enquanto para alguns a Lava Jato curitibana promoveu uma faxina no país, a
cidade continuou com seu quintal imundo, pois os casos de corrupção local
sempre acabaram em pizza”.
Paraná,
paraíso da impunidade
Por *Diogo Castor de Mattos (Procurador da Lava Jato). Texto originalmente publicado no blog Gazeta do Povo.
O slogan “República de Curitiba: aqui a lei se cumpre”
vem sendo usado pelos curitibanos como uma manifestação de orgulho pelo
pertencimento a uma suposta ilha de seriedade num país tomado pela impunidade.
Paradoxalmente, enquanto para alguns a Lava Jato curitibana promoveu uma faxina
no país, a cidade continuou com seu quintal imundo, pois os casos de corrupção
local sempre acabaram em pizza.
Dias atrás, o secretário de Estado Ezequias Moreira foi
condenado pelo TJPR a pena de seis anos e oito meses de prisão por desvio de
dinheiro público no escândalo da “sogra fantasma”. Ezequias confessou ter
colocado a sogra na folha de pagamento do órgão legislativo por 11 anos,
desviando meio milhão de reais. Quando o processo estava pronto para ser
sentenciado, em junho de 2013, Moreira foi nomeado secretário de Estado (em uma
secretaria criada só pra ele) pelo atual governador, ganhando foro
privilegiado. Após dezenas de manobras processuais, o caso prescreveu, enquanto
o acusado continua a gozar do status de secretário, como se nada tivesse
acontecido.
O esquema “Gafanhoto”, que usou a mesma estratégia de
funcionários fantasmas para desviar dinheiro da Assembleia entre 2001 e 2004,
ficou com a investigação parada por dois anos por decisão do STF e atualmente
se arrasta rumo ao cancelamento sem nenhuma condenação efetiva. Como não foram
incomodados, os gafanhotos cresceram e se sofisticaram. Em 2010 veio o
escândalo dos Diários Secretos da Assembleia, em que as mesmas assombrações
desviaram mais de R$ 200 milhões em favor de políticos regionais. Passados sete
anos, nenhum cacique foi definitivamente punido.
Apontado pelas investigações como chefe do esquema, o
ex-diretor Abib Miguel, o “Bibinho”, chegou a ser preso e condenado a 39 anos
de prisão na primeira instância. Contudo, em 2015 o TJPR anulou as duas
condenações em virtude de o juiz não ter adequado a data de oitivas de
testemunha à disponibilidade de agenda do advogado de defesa. Na sequência, o
STJ mandou soltá-lo por entender que os recursos estavam demorando. Já o
deputado estadual Nelson Justus, considerado pelo MPPR como outro articulador
dos desvios, somente teve a denúncia recebida em dezembro de 2016, sendo que
após completar 70 anos, no fim de junho de 2017, ganhará de presente a redução
pela metade do prazo prescricional dos crimes da acusação, que certamente será
cancelada pela demora.
O caso Copel Olvepar também segue sem solução. O
governo Jaime Lerner, no ano de 2002, validou créditos de ICMS podres da quase
falida Olvepar no valor de R$ 67 milhões, que foram posteriormente adquiridos
pela Copel. O doleiro Alberto Youssef confessou que operacionalizou o pagamento
de R$ 19 milhões para agentes públicos paranaenses aceitarem a negociata.
Passados 15 anos e depois de a delação de Youssef sumir do cartório, o caso
ainda aguarda sentença da Justiça.
Nessa folia, não podemos esquecer das investigações do
MPPR sobre o ex-presidente da Câmara dos Vereadores João Derosso, que
levantaram provas de gastos de R$ 30 milhões de dinheiro público, entre 2006 e
2011, em serviços de publicidade com duas empresas, sendo uma da própria
esposa. Passados seis anos, pouca coisa aconteceu. Recentemente, a Justiça
decretou indisponibilidade de R$ 17 milhões do ex-vereador, esperando que um
milagre ocorra para encontrar um centavo na conta do político depois de tanto
tempo.
Outras investigações recentes, embora promissoras, não
conseguiram romper a barreira da impunidade. Em 2014, um ex-coordenador do
Tribunal de Contas foi preso em flagrante recebendo R$ 200 mil do dono de uma
empreiteira local. Ficou preso por poucos dias. Depois, o TJPR anulou as provas
da interceptação telefônica. Já as operações Voldemort, Quadro Negro e
Publicano, apesar de desvendarem fatos gravíssimos, não conseguiram avançar no
controle político dos esquemas criminosos, pois todos os personagens centrais
foram soltos por decisões de tribunais.
Todos esses fatos demonstram que a Lava Jato revelou
apenas um gigantesco tumor que está sendo extirpado. Contudo, enquanto não
tratarmos o sistema cancerígeno, outros tumores maiores e mais resistentes
surgirão e continuarão a estrangular os caminhos do dinheiro público.
*Diogo Castor de Mattos, procurador da República, é
integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal
no Paraná.