Folhas de alface são
plantadas e colhidas a mais de 400 quilômetros da Terra. Segundo os cientistas,
elas são seguras para o consumo humano e têm propriedades semelhantes às
produzidas de forma tradicional. (Os astronautas Scott Kelly e Kjell Lindgren
experimentam a alface romana vermelha: de 33 a 56 dias para a colheita).(foto:
Nasa/Divulgação).
Por Correio Brasiliense
No cardápio do espaço, não
tem alimentos frescos. Em missões tripuladas, os astronautas comem as chamadas
rações pré-embaladas. Nozes, chocolate, manteiga de amendoim, carne e frango
estão entre as opções processadas. Esses “pratos” são submetidos a
procedimentos — geralmente por aquecimento e irradiação — para durarem mais
tempo. Apesar da facilidade, a agência espacial americana, a Nasa, tem buscado
soluções para deixar as refeições mais naturais. Uma equipe do Centro Espacial
Kennedy descreve, na edição deste sábado (7/3) da revista Frontiers in Plant
Science, como tem avançado nesse sentido. Eles conseguiram cultivar alface a
bordo da Estação Espacial Internacional (ISS).
A mais de 400 quilômetros
da Terra, a plantação de alface romana vermelha não perde em propriedades para
a horta tradicional. Segundo os cientistas, as folhagens espaciais são livres
de micróbios causadores de doenças, seguras para comer e pelo menos tão
nutritivas quanto as terrestres. Isso mesmo tendo crescido sob menor gravidade
e radiação mais intensa. O cultivo se deu “sem
perturbações” por 33 a 56 dias, até que Scott Kelly, Kjell Lindgren e
outros membros da tripulação comeram parte das folhas maduras — eles congelaram
uma parte do cultivo para ser examinada na Terra.
Segundo Christina Khodadad, coautora do estudo, o
resultado promissor serve de estímulo para planos ainda mais ousados. A Nasa
planeja usar a prática nas próximas missões Artemis-III (programadas para
pousar seres humanos no polo sul lunar até 2024) e na primeira missão tripulada
a Marte (planejada para o fim da década de 2020).
“A capacidade de cultivar alimentos em um sistema
sustentável e seguro para o consumo da tripulação se tornará crítica à medida
que a Nasa avançar para missões mais longas. Os vegetais folhosos do tipo
salada podem ser cultivados e consumidos frescos com poucos recursos”, detalha
Khodadad.
Suplemento
natural
A semelhança nutritiva com as alfaces cultivadas na
Terra resolve outros problemas. As folhagens espaciais forneceram aos
astronautas potássio adicional, além de vitaminas K, B1 e C, nutrientes que são
menos abundantes nas rações pré-embaladas e tendem a se degradar durante o
armazenamento a longo prazo.
Como controle, os cientistas cultivaram alfaces na
Terra sob as mesmas condições do espaço. Isso foi possível porque os dados de
temperatura, dióxido de carbono (CO2) e umidade foram registrados na ISS e replicados
nos laboratórios do Centro Espacial Kennedy.
Em praticamente todos os ensaios, as alfaces de lá
foram semelhantes em composição às daqui, sendo que as espaciais tenderam a ser
mais ricas em potássio, sódio, fósforo, enxofre e zinco, assim como em
moléculas com atividade antiviral, anticâncer e anti-inflamatória. Ambas as
folhagens apresentaram níveis parecidos de antocianina e outros antioxidantes
que podem proteger as células de danos causados por radicais livres.
Micróbios
Ao examinar as comunidades microbianos presentes nos
dois tipos de plantações, a equipe teve outra surpresa: a diversidade e a
identidade de micro-organismos também eram muito parecidas. Dadas as condições
únicas da ISS: os cientistas esperavam que elas favorecessem o desenvolvimento
de comunidades microbianas distintas.
Segundo Christina Khodadad, nenhum dos gêneros de
bactérias detectados é conhecido por causar doenças em seres humanos. Testes
adicionais confirmaram que as alfaces não continham micro-organismos que
ocasionalmente contaminam as culturas, como Escherichia coli, Salmonella e
Staphylococcus aureus, enquanto o número de esporos de fungos e bolores também
estava na faixa normal para o consumo humano.
A lista extensa de resultados positivos encoraja a
equipe a pensar em experimentos com outras culturas nutritivas a bordo da ISS.
“A Estação Espacial Internacional está servindo como banco de ensaio para
futuras missões de longa duração, e esses tipos de testes de crescimento de
culturas estão ajudando a expandir o conjunto de candidatos que podem ser
efetivamente cultivados em microgravidade. Testes futuros vão estudar outros
tipos de culturas, como pimenta e tomate, para ajudar a fornecer produtos
frescos suplementares para a dieta dos astronautas”, adianta Gioia Massa,
cientista do projeto no Centro Espacial Kennedy e coautora do estudo.
Turismo
será retomado
A empresa americana SpaceX anunciou que, no ano que
vem, enviará três turistas à Estação Espacial Internacional (ISS), algo que não
acontece há 11 anos. A companhia de Elon Musk firmou parceria com a Axiom Space
para ceder vagas a bordo da cápsula Crew Dragon. A viagem deve ocorrer no
segundo semestre e “estabelecerá um marco na marcha rumo ao acesso de rotina e
universal ao espaço”, segundo o presidente executivo da Axiom Space, Michael
Suffredini. Oito turistas espaciais já viajaram à ISS, nos foguetes russos
Soyuz. O primeiro, em 2001, foi o empresário americano Dennis Tito, que pagou
US$ 20 milhões pela experiência. O valor da próxima viagem não foi divulgado.