Cientistas
querem instalar micro sensores em animais selvagens, sobretudo aves
migratórias, com o objetivo de as conhecer melhor e ao seu comportamento. Os
dados obtidos através desses chips servirão também para ajudar a prevenir
catástrofes naturais.
Do Brasil 247 - Por: Kai Kupierschmidt – Jornal
Suddeutsche Zeitung, Munique
Fonte: www.luispellegrini.com.br
Em 1822, o conde Von Bothmer caçou uma cegonha na sua
propriedade nos arredores de Lubeck, Alemanha. Não era a primeira pessoa a
tentar faze-lo: cravada no pescoço da pobre ave havia uma flecha africana com
40 cm de comprimento. A infeliz cegonha foi um achado para a ciência. Há
séculos circulavam mitos sobre o que faziam as cegonhas e outras aves
migratórias no inverno. Para onde iam? Onde se escondiam? Como conseguira
aquela cegonha voar da África para a Europa com uma flecha atravessada no
pescoço? Alguns acreditavam que, nos meses frios, as aves se enterravam na
lama, outros que se transformavam em ratos. Uma teoria defendia mesmo que iam
passar o inverno na Lua.
No século 19, os cientistas já eram praticamente unânimes
em considerar que passavam a estação fria na África. No entanto, a cegonha com
a flecha foi a primeira prova concreta disso.
Ao longo dos anos, os biólogos foram estudando estas e
outras migrações. Colocaram marcadores ou emissores elétricos nos animais e os
seguiram com câmaras ou pequenos aviões. Apesar disso, várias perguntas
continuavam sem resposta. Duas delas diziam respeito ao itinerário seguido e as
suas escalas.
O
ornitólogo Wikelski em seu avião Cessna, acompanha revoada de pássaros
migratórios.
Como explica Martin Wikelski, do Instituto de Ornitologia
Max Planck, com sede em Radolfzell (no Sul da Alemanha, às margens do lago
Constança: “Que sabemos sobre os locais onde as aves morrem? Todos os anos
perdemos centenas de milhares de pequenos voadores, mas onde? Ninguém sabe.”
Nem sequer sabemos onde algumas espécies hibernam, acrescenta Wikelski. “A bem
da verdade, no que diz respeito às aves e suas migrações, não há nada que
conheçamos realmente bem.”
Para retificar esta situação, o ornitólogo quer equipar
dezenas de milhares de animais com pequenos sensores para seguir todos os seus
movimentos. Uma antena especial destinada a receber os sinais deverá ser
instalada em junho na Estação Espacial Internacional por cosmonautas russos.
Batizado ICARUS (International Cooperation for Animal Research Using Space /
Cooperação Internacional para a Investigação Animal com Recurso ao Espaço), o
projeto recolherá uma grande quantidade de novas informações sobre os
deslocamentos migratórios e os comportamentos de muitas espécies.
Pássaro no qual foi colocado um chip eletrônico pelos técnicos do Instituto Max Planck, da Alemanha
Wikelski apresentou a sua visão num simpósio da
Academia Nacional de Ciências Leopoldina realizado em Berlim, no final de setembro,
realizado no Instituto de Investigação de Zoologia e Fauna Selvagem. Explicou
que os animais poderão tornar-se verdadeiras estações de medição, fornecendo
informações sobre vento, temperatura ou teores de ozônio e dióxido de carbono
presentes na atmosfera.
Estações meteorológicas voadoras
As aves assim equipadas poderão ajudar a melhorar os
modelos climáticos ou a prever com maior antecedência as catástrofes naturais.
Wikelski imagina uma rede de sensores vivos repartidos por todo o planeta: uma
espécie de internet animal.
O projeto ICARUS é a variante de alta tecnologia de um
domínio da biologia que remonta ao final do século 19. Foi nessa altura que os
investigadores começaram a marcar aves com anilhas. Os locais onde eram
encontradas permitiam tirar conclusões sobre o seu comportamento. “Os
conhecimentos que adquirimos graças a essas pequenas anilhas são incríveis”,
afirma Walter Jetz, investigador da Universidade de Yale, nos EUA. Agora é
tempo de fazer melhor. “O seguimento por GPS será o que a anilha foi no início
do século 20.”
Antigamente punham-se anilhas nas aves que se queria estudar. Agora recorre-se a sensores que emitem sinais GPS
Há anos, os investigadores começaram a equipar animais
com sensores GPS. No entanto, são pesados e a sua instalação é complicada e
cara. De uma maneira geral é preciso fazer o levantamento dos dados à mão,
explica Jetz. Um dos objetivos dos seus estudos é o guácharo, também chamado de
pássaro-das-cavernas, ave noturna da América do Sul (sobretudo do norte da
Amazônia, Colômbia, Venezuela e Guianas) que desempenha um papel preponderante
na disseminação das sementes. Um membro da sua equipe tem de ir de dois em dois
dias à gruta onde estas aves se abrigam durante o dia para recolher dados, o
que apenas é possível a uma centena de metros de distância. “O pesquisador fica
lá, pendurado por uma corda, durante meia hora ou mais, até conseguir
descarregar as coordenadas”, explica Jetz.
Sensores pesando cinco gramas
Para algumas espécies nem isso era possível fazer.
Mesmo que os sensores tenham passado de 250 para 20 gramas nos últimos anos,
continuavam demasiado pesados para animais muito pequenos. Os cientistas
envolvidos no projeto ICARUS desenvolveram um novo sensor do tamanho de uma
moeda de cinco centavos, pesando cinco gramas. “Vamos começar a poder, por
exemplo, seguir os melros, os estorninhos e os cucos.” Até 2020, os
investigadores esperam conseguir construir um sensor que pese apenas uma grama
e possa ser colocado em borboletas ou grilos.
O simples estudo dos deslocamentos é muito
interessante. Estes animais deslocam-se por várias razões: procurar comida ou
parceiro, fugir dos predadores, disputar território com outros animais. Os
pombos equipados com GPS permitiram aos investigadores constatar a existência
de uma hierarquia clara no seio dos bandos, em que apenas alguns indivíduos
decidem a direção a seguir para todo o bando.
O guácharo, pássaro noturno amazônico será estudado pela Icarus Initiative.
Os biólogos estudaram os conflitos territoriais dos
macacos graças a sensores GPS. A longo prazo, os investigadores esperam
descobrir como as espécies se adaptam às alterações climáticas e à destruição
dos seus habitats.
Os sensores podem também recolher outras informações,
além das relativas aos deslocamentos, como a temperatura corporal, o que
permitirá detectar infeções à distância, explica Wikelski. “Posso medir a
temperatura de um bando de cem patos na China e dizer em tempo real em qual
lago está acontecendo alguma coisa de importante. Isso também nos pode ajudar a
saber se se trata de um novo vírus da gripe suscetível de ser perigoso para o
homem.”
Os animais podem recolher uma quantidade enorme de
informações dificilmente acessíveis aos homens. Por exemplo, o que acontece no
inverno na região do Himalaia. Os biólogos querem também explorar a
inteligência das espécies. Sabe-se, por exemplo, que elefantes da Indonésia e
do Sri Lanka fugiram do tsunami de 2004 antes da chegada das ondas e que as
cabras mudam os seus itinerários horas antes de uma erupção vulcânica, explica
Wikelski.
Os novos sensores vão permitir estudar estes fenômenos e talvez sejam úteis em matéria de prevenção de catástrofes.
Contra os caçadores furtivos
Há vários anos a tecnologia do sequenciamento genético permite o recolhimento de enormes quantidades de informação. Os especialistas em biodiversidade esperam conseguir obter um fluxo de dados semelhante a partir das aves e mamíferos que estejam ligados ao sistema. Entre outras coisas, será possível detectar as grandes tendências, afirma Thomas Müller, do Centro de Investigação de Biodiversidade e Clima. Quanto mais animais estiverem equipados com sensores, mais fácil será identificar determinados padrões.
Apesar do desejo de saber mais, os cientistas têm de levar em conta o bem-estar e a segurança dos animais. Para começar, têm de proteger os dados relativos às espécies protegidas para não facilitar o trabalho dos caçadores furtivos. Além disso, capturar um espécime para colocar nele um sensor é sempre muito difícil. “Acreditamos que vai ser necessário capturar muito menos animais do que com os métodos anteriores, como o da colocação das anilhas”, afirma Wikelski, que completa: “Graças às informações recolhidas poderemos proteger muitos outros.”
Vídeo: ICARUS Iniciative, Instituto Max Planck, Alemanha