O jornal americano diz que o governo
Bolsonaro falhou em substituir os médicos cubanos do Programa Mais Médicos. (Crédito: Reprodução)
Por Gilberto Dimenstein
Essa é a pior reportagem já publicada num jornal
estrangeiro contra Jair Bolsonaro.
Dois motivos:
- saiu
no mais importante jornal do mundo: The New York Times;
- coloca
o presidente como um dos principais responsáveis por doenças de milhões de
brasileiros
Eu já tinha alertado várias vezes para a
irresponsabilidade de ter tratado o programa Mais Médicos como assunto
eleitoreiro.
Em síntese, o jornal mostra que, com a saída dos
cubanos, 28 milhões de brasileiros ficaram sem assistência médica.
A reportagem é de Shasta Darlington e Letícia
Casado no New York Times.
Todas as cadeiras de plástico estavam
vazias na clínica de saúde pública. Os pacientes que entraram cambaleantes
foram mandados embora, para voltar na quinta-feira – agora o único dia da
semana em que um médico está lá.
Embu-Guaçu, esta pequena cidade brasileira
que abriga 70.000 pessoas, recentemente ficou sem oito de seus 18 médicos do
setor público, uma perda devastadora para a rede de clínicas gratuitas da
cidade, forçando a escolhas difíceis sobre quem receberá tratamento, quando
isso é possível.
“É de partir o coração”, disse Fernanda
Kimura, médica que coordena a designação de médicos para as clínicas do
departamento de saúde local. “Como escolher qual criança atender?”
Os doentes e os feridos que foram
dispensados naquele dia, num bairro operário de Embu-Guaçu, representam apenas
uma pequena fração dos estimados 28 milhões de pessoas em todo o Brasil cujo
acesso à assistência médica foi drasticamente reduzido, se não interrompido,
segundo a Confederação Nacional de Municípios, após um embate entre o novo
presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e Cuba.
Em novembro, Cuba anunciou que estava
retirando os 8.517 médicos que havia enviado para regiões pobres e remotas do
Brasil.
A saída abrupta de milhares de médicos
mostrou a Bolsonaro um dos seus primeiros grandes desafios políticos – e testou
sua capacidade de cumprir a promessa de encontrar rapidamente substituições
caseiras.
Estamos nos formando em torno de 20 mil
médicos por ano e a tendência é aumentar esse número”, disse Bolsonaro em
novembro. “Podemos resolver esse problema com esses médicos.”
Mas seis meses depois do início do seu
mandato, o Brasil luta para substituir os médicos cubanos pelos médicos
brasileiros: 3.847 postos médicos do setor público em quase 3.000 municípios
continuam sem substitutos.
“Em vários estados, as clínicas de saúde e
seus pacientes não têm médicos”, disse Ligia Bahia, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. “É um passo atrás. Impede diagnósticos precoces,
monitoramento de crianças, gravidez e a continuação de tratamentos que já
estavam em andamento. ”
Durante sua campanha à presidência,
Bolsonaro, um populista de direita, se comprometeu a fazer grandes mudanças no
programa Mais Médicos, uma iniciativa inaugurada em 2013, quando o governo de
esquerda estava no poder. O programa enviou médicos para as pequenas cidades
brasileiras, aldeias indígenas e bairros urbanos violentos e de baixa renda.
Cerca de metade dos profissionais do Mais
Médicos eram de Cuba, e foram enviados para 34 aldeias indígenas remotas e para
os bairros mais pobres de mais de 4.000 vilas e cidades, lugares em que a
maioria dos médicos brasileiros estabelecidos prefere não trabalhar.
“A disposição dos médicos cubanos para
trabalhar em condições difíceis tornou-se uma pedra angular do sistema de saúde
pública”, disse a professora Bahia.
O Brasil pagou em dólares à Cuba pelos
médicos, tornando-os uma pauta de exportação vital para os cofres da ilha. Mas
a maior parte do dinheiro foi para o governo cubano, um acordo que Bolsonaro
advertiu que mudaria.
Os médicos cubanos há muito queixam-se de
receber apenas uma pequena parte do dinheiro pago pelo seu trabalho, e
Bolsonaro disse que eles teriam que manter todo o seu salário e levar suas
famílias para o Brasil. Eles também teriam que passar por exames de
equivalência para provar suas qualificações.
“Nossos irmãos cubanos serão libertados”,
disse Bolsonaro em uma proposta de campanha oficial apresentada na campanha
eleitoral. “As famílias deles poderão migrar para o Brasil. E, se passarem pela
revalidação, começarão a receber a quantia inteira que estava sendo roubada
pelos ditadores cubanos!
Duas semanas depois de Bolsonaro ter ganho
a presidência em outubro, Cuba chamou todos os seus médicos de volta.
O acesso à assistência médica gratuita é um
direito da legislação brasileira, e o Mais Médicos foi promulgado em 2013 pela
presidente Dilma Rousseff em uma tentativa de fornecer assistência médica às
comunidades que não estavam sendo atendidas pelo sistema público de saúde. Por
meio de uma rede de clínicas gratuitas, o programa forneceu a 60 milhões de
brasileiros acesso a um médico de família em sua comunidade pela primeira vez.
Nos primeiros quatro anos de Mais Médicos,
o percentual de brasileiros que recebem cuidados primários aumentou de 59,6%
para 70%, de acordo com um relatório da Organização Pan-Americana de Saúde, que
coordenou a participação de Cuba no programa.
A retirada dos médicos cubanos pode
reverter essa tendência, com as consequências especialmente severas para os
menores de 5 anos, potencialmente levando à morte de até 37.000 crianças até
2030, alertou o Dr. Gabriel Vivas, funcionário da Organização Pan-Americana de
Saúde.
Em fevereiro, parecia que Bolsonaro
cumpriria sua promessa de preencher as vagas dos cubanos: o Ministério da Saúde
Nacional anunciou que todas as vagas deixadas pela retirada de Cuba haviam sido
preenchidas por médicos brasileiros. Mas, em abril, milhares de novos recrutas
haviam desistido ou deixado de comparecer ao trabalho em primeiro lugar.
Mais de 2.000 médicos cubanos optaram por
permanecer no Brasil, desafiando o chamado para voltar para casa. Mas com o
acordo especial com Cuba terminado, eles agora são proibidos de praticar
medicina até passarem num exame – que o governo brasileiro não ofereceu desde
2017 e para o qual o Ministério da Saúde não marcou data.
Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde
do Brasil, disse que o novo governo está trabalhando em um projeto de lei para
garantir que as metas do Mais Médicos sejam alcançadas e os médicos
substituídos.
“Mesmo que o programa tenha vários
problemas, tem um lado positivo, que é, precisamente, diminuir a desigualdade
na negligência com a saúde”, disse ele.
Mas Mandetta inicialmente disse que o
projeto seria enviado ao Congresso entre abril e maio. Agora, o ministério diz
que será introduzido até o final de junho.
Karel Sánchez foi um dos quatro médicos
cubanos enviados para a remota região de Cachoeira do Arari, na Amazônia
brasileira. Ele esperou cinco meses depois que seu governo ordenou a retirada
de todos os médicos cubanos, com a expectativa de que o sr. Bolsonaro
respeitaria sua promessa de campanha de submetê-lo a um exame para que ele
pudesse continuar a trabalhar e receber seu salário integral.
“Fiquei feliz quando Bolsonaro disse que
não apoiaria uma ditadura ”, disse Sánchez.
Em abril, o Dr. Sánchez desistiu e mudou-se
para São Paulo, onde arruma dinheiro vendendo doces caseiros e trabalhando como
encarregado de bagagens num aeroporto.
“Agora ele não fala sobre nós, apenas o
silêncio”, disse Sánchez.
Em Embu-Guaçu, Dr. Santa Cobas, o
médico cubano que servia os residentes na clínica agora aberta apenas às
quintas-feiras, ainda estava por perto e ansioso por trabalhar.
Mas o Dr. Cobas está desempregado e as
4.000 pessoas que ele já cuidou não têm acesso a um médico local seis dias por
semana.
“Agora acabamos fazendo a triagem o dia
todo – decidindo quem precisa correr para outro hospital, que vai ver o médico
visitante na quinta-feira e quem terá que esperar”, disse Erica Toledo,
enfermeira-chefe da clínica Jardim Campestre, que foi inaugurada em 2015.
“O doutor estava aqui desde o primeiro dia,
e foi a primeira vez que as pessoas se sentiram cuidadas por seu “próprio”
médico “, disse Toledo. “Eles realmente o amam.”
A secretária de saúde de Embu-Guaçu,
doutora Maria Dalva, disse estar frustrada com 63% doseleitores da cidades, que
votaram em Bolsonaro, apesar de sua antipatia pelo Mais Médicos.
“A taxa de mortalidade infantil caiu de 17%
para 7% em cinco anos graças ao Mais Médicos”, disse o Dr. Dalva. “Eu disse às
pessoas para pensarem sobre isso antes de votarem.”