É preciso lembrar de Zumbi dos Palmares e também da importância das lutas das mulheres no espaço palmarino. Reportada à Dandara
dos Palmares. / Reprodução
É preciso lembrar de Zumbi dos Palmares e também da
importância das lutas das mulheres no espaço palmarino.
Danilo Santos da Silva* no Brasil de Fato
“
“[…]
Levante, resista: lute pelos seus direitos!
[..] Levante, resista: não desista da luta!
[…]” (Bob Marley, 1973).
“
Estamos no mês de novembro, ocasião
na qual os temas relacionados à população negra ganham mais repercussão,
sobretudo, no Brasil. Embora esse texto tenha sido produzido no referido
período, não tem a pretensão de expor uma perspectiva eventual, mas apresentar
uma reflexão sobre a “consciência negra” como fruto da memória coletiva de luta
da população negra na sociedade brasileira.
Ter como parâmetro esse horizonte, nos ajuda a pensar o 20 de novembro e nos
aproxima da ideia de memória coletiva de resistência da população negra, a
partir da experiência dos quilombos que se espalharam por todo território
brasileiro e tem como maior exemplo o Quilombo dos Palmares (c. 1605-1695), representando,
quase cem anos de resistência contra o sistema de colonização escravista
europeu.
Com base nessa experiência, no ano de 1971, no Rio Grande do Sul, o Grupo
Palmares, utilizou a data da morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro de
1695, como marco simbólico da luta coletiva da população negra no Brasil. Sete
anos mais tarde, com a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978,
aconteceu o processo de nacionalização da data, como Dia da Consciência Negra:
“[…] eu quero ver quando Zumbi chegar, o que vai acontecer. Zumbi é senhor das
guerras, é senhor das demandas. Quando Zumbi chega, é Zumbi quem manda […]”
(Jorge Ben Jor, 1974).
Embora o dia 20 de novembro esteja relacionado com a morte de Zumbi dos
Palmares, não podemos esquecer que o propósito do dia da “Consciência Negra”,
deve ser compreendido no plano da luta coletiva da população negra no passado e
no presente. Isso significa dizer, que ao mesmo tempo que precisamos lembrar da
memória de Zumbi dos Palmares, também, é fundamental, registrar a importância
das lutas das mulheres no espaço palmarino, que cada vez mais passam a ser
referência de luta nos dias atuais: “Brasil, o teu nome é Dandara […] não veio
do céu e nem das mãos de Isabel, a liberdade é um dragão no mar de Aracati […]”
(Enredo da Mangueira, 2019 – “História pra ninar gente grande”).
No enredo, Dandara é apresentada para questionar o pressuposto da liberdade
concedida pela Princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, mostrando ainda uma
resistência negra ancestral. Além disso, se reconhece a participação
feminina negra na formação da sociedade brasileira. Dentro da mesma
perspectiva, o poeta Silveira faz duras críticas a produção da história: “[…]
Senhor historiador oficial, deixe o sobrado, a casa-grande, recue na linha do
tempo, mergulhe no espaço geográfico, […] meta-se no bucho do Palmar, […]. Veja
num lado história, noutra escória. Depois comece a contar […]” (SILVEIRA,
1987).
Nesse sentido, a institucionalização do dia da consciência negra foi uma
vitória importante, representou o reconhecimento do direito à memória e
história da população negra, com a promulgação, em 2003, da Lei nº 10.639
(Educação das Relações Étnico-raciais, História da África e Cultura
Afro-brasileira), inserindo no calendário escolar o 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra”. Se no passado a população negra teve que
recorrer a essa memória coletiva para substanciar as reivindicações dos
seus/nossos direitos, atualmente (2019), tem se utilizado para manutenção (e
ampliação) dos direitos sociais conquistados nas últimas décadas.
Em uma conjuntura que a questão econômica e política – capitalismo neoliberal e
governo de extrema-direita – são supervalorizadas e sobrepõem as questões
sociais e para justificar as reformas neoliberais, que atingirão diretamente a
população negra, empurrando-a cada vez mais para uma situação de precariedade,
aumento de exclusão e vulnerabilidade social, pois há cresce a
informalidade do trabalho, o subemprego e desemprego, tornando quase impossível
que a maioria da população tenha o direito a uma aposentadoria na velhice. Ao
mesmo tempo, um governo de tendências neofascistas, que deliberadamente ataca o
direito à memória da população negra, os programas de ações afirmativas e os
direitos quilombolas, entre outros.
Esse contexto atual, apresenta novos desafios para os movimentos socioculturais
negros, mais do que nunca, a memória coletiva de resistência se apresenta como
instrumento importante para a auto-organização política da população negra. É
preciso, “por menos que conte a história […]. Se Palmares não vive mais,
faremos Palmares de novo […]” (LIMEIRA, 2011/2012).
Fazer Palmares de novo, tem a ver em dar continuidade a luta do passado,
como foi as lutas contra a escravidão e pela dignidade humana e , mais
recentemente, no século XX, buscamos a cidadania republicana e no tempo
presente, persistimos em defesa de uma plena cidadania, em torno da
manutenção dos direitos quilombolas, das ações afirmativas, da luta
antirracista e de políticas de Estado para população negra e povos excluídos
historicamente, como os povos originários/indígenas, entre outros.
Então no próximo dia 20 de novembro, dia da “Consciência Negra”, é momento de
comemorar, mas, acima de tudo, denunciar a configuração do racismo estrutural e
institucional na sociedade brasileira. É momento, como diria o cantor Mano
Brown, de fazer com que “a fúria negra ressuscite outra vez […]” (Racionais
MC's, 1997).
Que essa “fúria” negra continue sendo fonte para memória coletiva das próximas
gerações, ou seja, que Dandara, Aqualtune, Acotirene, Zumbi e outros símbolos
da resistência negra possam continuar inspirando a constituição de um país
multicultural e plurirracial, que não só respeite, como também, valorize as
diferenças como ponto para desenvolvimento da sociedade brasileira.
*Pesquisador colaborador do
NEABI-CCHLA/UFPB; Ativista do Movimento Negro e Assessor de Projetos do Fundo
Brasil de Direitos Humanos