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A capitulação do PT fortalece a direita orgânica que pode, de fato,
construir um projeto para 2018, fortalece o eixo PSDB-DEM e ressuscita Aécio.
Deu no Nassif
por Aldo Fornazieri
Boa parte das pessoas democráticas,
progressistas e de esquerda assistiu, na semana passada, não sem amargura e indignação,
um último e vergonhoso ato de capitulação do PT no processo de eleição do novo
presidente da Câmara dos Deputados. Pessoas, diga-se de passagem, que sempre se
engajaram nas campanhas do PT, que se mobilizaram em 2014 para impedir a
vitória de Aécio Neves e que adotaram uma postura ativa contra o golpe que
tirou Dilma do governo.
Justamente no momento em que o
afastamento da presidente se encaminha para seu capítulo final no Senado, o PT
decidiu dar seu aval a um líder do liberal-conservadorismo orgânico, que é
Rodrigo Maia. O mesmo Rodrigo Maia que vinha fazendo um discurso democrático e
pluralista até o dia das eleições e que, no momento da vitória chegou a fazer
um discurso de chefe renovador de um poder da República para, no dia seguinte,
ao encontrar-se com Michel Temer, se transformar imediatamente em líder do
governo, chamado para si a responsabilidade de unir a base governista. Quer
dizer: o figurino com o qual Maia se apresentou no momento da vitória não durou
12 horas. O encontro com Temer demostrou claramente qual será o seu papel:
serviçal do Palácio do Planalto. Se o PT acredita que estamos diante de um
governo golpista nada mais fez do que fortalecer esse governo.
O PT apoiou este mesmo Rodrigo Maia
que, no dia 12 de maio, fez um post na sua página do Facebook com a seguinte
chamada: “Impeachment aprovado! O Brasil está livre do PT!”. A capitulação do
PT, além de covarde e desastrada politicamente, além de fortalecer a direita
orgânica que pode, de fato, construir um projeto para 2018, além de fortalecer
o eixo PSDB-DEM, além de fortalecer o governo Temer, é uma capitulação
vergonhosa e inominável. Foi a demonstração cabal de que o PT não quer a volta
de Dilma Rousseff à presidência da República.
O PT é, hoje, um partido sem direção,
sem comando, sem estratégia e sem tática. Desde a vitória de Dilma em 2014, o
partido vem se esforçando para se autodestruir, destruir a esquerda e destruir
a possibilidade e o sonho de um Brasil melhor que milhões de brasileiros
acreditaram factível com os governos petistas.
A capitulação do PT é covarde,
vergonhosa e inominável porque quando o partido ascendeu o poder e durante os
governos Lula milhões de brasileiros acreditaram que tinha surgido um
formidável raio de sol para iluminar o Brasil e para iniciar um processo de
remissão de injustiças seculares, desigualdades seculares, discriminações
seculares e violências seculares contra os mais pobres, contra as mulheres,
contra os negros.
O que se viu, ao cabo desse processo,
é que a luz da remissão foi apagada por uma densa nuvem cinza que se
transformou no lodo da corrupção, da incompetência, da burocracia partidária se
locupletando nos cargos públicos abandonando e esquecendo os compromissos com o
povo. O que prevaleceu foram os interesses individuais e os interesses do
partido, os interesses particularistas, contra os interesses populares,
castrando o processo de universalização de direitos.
O que o PT fez com as emoções
sublimes e jubilosas que milhões de brasileiros experimentaram em 2002 com a
vitória de Lula? O que o PT fez com o entusiasmo que milhões de brasileiros,
que milhões de mulheres, que milhões de jovens, que milhões de negros, que
milhões de excluídos, que milhões de pobres, que milhões de sem-teto, que
milhões de sem-terra, que milhões de sem trabalho digno experimentaram ao ver
Lula na presidência acreditando que, finalmente, o presente havia se
reconciliado com o futuro e que o país havia encontrado o caminho da justiça e
da igualdade?
Pelo fim da autovitimização e da
autocomplacência
Se o PT tinha alguma chance de
aparecer como vítima de um processo golpista que lhe arrancou o poder legítimo
esta chance terminou de ser afogada na semana passada na lamacenta política brasiliense
das negociadas escusas. De agora em diante, a única pessoa, em que pese os seus
inúmeros erros, que pode ainda reivindicar a posição de vítima é Dilma, mas não
mais o PT. O PT e, neste caso, junto com Dilma, se entregaram pacífica e
covardemente a um processo de degola política urdido por Eduardo Cunha, Michel
Temer, Aécio Neves e uma horda de deputados e senadores que não se cansam em
saquear o botim da coisa pública. Botim que foi saqueado com a participação do
próprio PT.
Contra Cunha na disputa para a
presidência da Câmara, no início de 2015, o PT decidiu enfrenta-lo com
candidatura própria, isolando-se, quando o momento era o de buscar um tertius
justamente porque ali sim havia um mal maior a ser evitado. Contra Rosso e
Maia, quando não havia nada a perder, quando havia dois males equipotentes,
quando o PT deveria lançar ou apoiar um candidato que expressasse indicativos
de um novo programa para o Brasil, um programa de reformas para o futuro, o PT,
servilmente, abdicou de seu papel, desapareceu como protagonista político e, às
escondidas, apoiou Maia fortalecendo os seus principais inimigos.
Ao longo de 2015 o PT e o governo
flertaram com Cunha até o momento em que este deu por acabado o processo de
construção do golpe. Quando Cunha, num ato farsesco se autoconvocou para depor
na CPI da Petrobras, o representante do PT e relator da Comissão, deputado Luís
Sérgio, teve a ignominiosa conduta dos subservientes, encoimando sem pudor o
farsante. Mas a Deusa Fortuna, que é muito mais esperta do que o PT, quis ela
se vingar em nome do povo e transformou a farsa na forca para Cunha.
No dia 17 de abril, quando a grande
farsa, que causou espanto ao mundo, foi consumada na Câmara dos Deputados, quem
estava no Vale do Anhangabaú viu as pessoas se retirarem cabisbaixas,
silenciosas e envergonhadas. Era o retrato da derrota antecipada. Era um
exército com moral baixo, pois esse exército percebia que seus generais
estavam. Na política, assim como na guerra, uma das virtudes cardeais que se
requer dos líderes e a coragem. Algo bem diverso ocorreu na Turquia, no final
da semana passada, em face da tentativa de golpe. Convocadas pelo presidente
Erdogan, milhares de pessoas saíram às ruas, desarmadas e destemidas, parando
tanques, desarmando soldados, peitando golpistas. Aqui está a diferença entre
uma população com virtude para a luta e uma população desmoralizada e
desmobilizada pelos seus líderes, entre um exército com generais capazes de
comandar e um exército com generais desertando da luta, alguns porque são incompetentes,
outros porque querem salvar a própria pele.
Não resta dúvida de que existem
muitos militantes e ativistas combativos, honestos e responsáveis no PT. Mas é
preciso sair da letargia, expor publicamente a crise do partido e buscar
publicamente uma solução com os combates internos que precisam ser feitos. Não
é mais possível se esconder por detrás da autovitimização e da
autocomplacência. Assim como a corrupção torna os líderes lascivos e
indolentes, a autocomplacência é o lodo onde se afogam todos os princípios,
toda a coragem, todos os compromissos. A história é pródiga em demonstrar,
inclusive a história da esquerda, que a perda de liberdades e de direitos e a
ascensão de ditadores, tiranos e conservadores é culpa da existência de líderes
populares que se corrompem.
Não há como ser complacente e
autocondecendente. Essas atitudes significam um abandono da luta, uma deserção
de princípios, uma imolação da coragem. Se os petistas quiserem se resgatar,
dentro ou fora do PT, precisam reagir à situação desmoralizante em que se
encontra o partido e a esquerda em geral. Se resgatar significa expor os
fundamentos dessa crise, assumir responsabilidades, buscar novos pactos com a
sociedade, deixar de culpar apenas os outros, buscar novos caminhos. Afinal de
contas, como dizia Weber, se existe um crime político, este consiste em colocar
a culpa sempre nos outros. Nesta atitude não é possível nenhuma ética.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola
de Sociologia e Política de São Paulo.