Botão
de emergência no aplicativo emite um alerta com a localização da pessoa. Léo
Rodrigues/Agência Brasil
Por Agência Brasil
Com o objetivo de prevenir a violência sexual, diversas
mulheres estão encontrando no aplicativo Malalai um aliado para efetuar
deslocamentos com mais segurança. Criado pela arquiteta mineira Priscila Gama,
ele oferece informações que ajudam na escolha da melhor rota, além de
possibilitar que amigos ou parentes monitorem o trajeto e sejam acionados em
caso de emergência.
As usuárias do aplicativo têm acesso a um mapa onde é
possível consultar informações como iluminação da via, movimentação, existência
de ponto comercial aberto, presença de porteiros ou de segurança privada,
presença de posto policial e ocorrência anterior de assédio.
"São características muito específicas, que o
Google Maps, por exemplo, não informa", diz Priscila.
Ao mesmo tempo, é possível eleger uma companhia virtual
para seguir o trajeto, ou seja, uma pessoa que irá receber mensagens informando
detalhes do deslocamento até o destino final.
Há, na ferramenta, um botão de emergência, que permite
pedir socorro de forma ágil. Ao ser acionado, um alerta com a localização é
enviado para até três pessoas escolhidas. É possível ainda criar um atalho
deste botão na tela inicial do celular, para que se possa recorrer a ele mais
rapidamente.
Por enquanto, a tecnologia só está disponível para
Android. O aplicativo ainda está na fase de testes, mas já é bem avaliado. Na
Play Store, onde é possível fazer seu download, a média das notas concedidas
pelas usuárias é de 4,6, em uma escala que vai de 0 a 5.
De acordo com Priscila Gama, cerca de 300 mulheres em
todo o Brasil já fizeram o download, das quais metade se mantém
como usuárias ativas. Em fevereiro, o aplicativo deverá estar disponível para
iOS e será finalizada a segunda versão para Android.
Para custear todo este desenvolvimento da tecnologia,
será lançado no mês que vem uma campanha de financiamento coletivo. A arquiteta
espera arrecadar R$ 17 mil.
Outra novidade que deverá ser anunciada em breve é o
lançamento de um hardware, um colar com um pingente que esconderá
um botão de emergência. Inicialmente, 20 usuárias irão recebê-lo gratuitamente.
"Um dos nossos estudos mostrou que mulheres evitam
mexer no celular na rua porque acreditam que isso pode atrair violência. Daí a
ideia de ter, atrelado ao aplicativo, um dispositivo na forma de uma joia ou um
chaveiro. Outras peças poderão ser criadas no futuro", afirma Priscila.
Ela diz que se a meta de R$ 17 mil do financiamento coletivo for superada, a
cada R$ 500 extras será doado um colar a uma mulher em situação de
vulnerabilidade.
Origem
A ideia do aplicativo surgiu em 2015, quando a
organização não governamental Think Olga desenvolveu a campanha
#PrimeiroAssédio. O objetivo era estimular as mulheres a contar, nas redes
sociais, as agressões que já tivessem sofrido.
"Houve um relato que me chocou muito, que foi o de
uma mulher estuprada em um taxi. Ela desmaiou e acordou na rua sentindo dores.
Mas ela se lembra de que o taxista desviou da rota e lhe mostrou uma arma.
Fiquei pensando que, se alguém estivesse acompanhando o trajeto dela e visse
que o carro estava indo em outra direção, a história poderia ter sido
diferente", afirma Priscila.
A arquiteta já começou a formular a proposta de um
aplicativo que traga essa possibilidade e que ajude a enfrentar a realidade do
assédio sexual no Brasil.
Dados de um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), associação sem fins lucrativos, mostram que, em 2015,
houve um estupro no Brasil a cada 11 minutos e 33 segundos.
Priscila Gama acredita que a realidade é muito pior,
uma vez que muitos casos não são notificados. Para a arquiteta, o medo do
assédio provoca o cerceamento do direito à liberdade e também traz limitações
ao crescimento das mulheres.
"Deixar de fazer um curso que ocorre no período
noturno, por exemplo, pode gerar menos possibilidades de networking ou
de projeção profissional no seu local de trabalho".
A proposta do aplicativo foi apresentada na Startup
Weekend BH 2015, um evento realizado em Belo Horizonte, voltado para a promoção
de projetos tecnológicos inovadores.
"Como arquiteta, não tinha familiaridade com o
desenvolvimento de aplicativos. Mas qualquer um podia subir no palco e
apresentar suas ideias. Houve uma votação e 15 foram selecionadas para serem
desenvolvidas. A minha ficou em segundo lugar. E lá mesmo você faz contatos com
pessoas capacitadas que têm interesse em desenvolver o projeto com você",
relata a criadora do Malalai.
O projeto recebeu inicialmente o apoio do Lemonade, um
programa de pré-aceleração de startups. Atualmente, o Malalai conta
com o suporte do Labora, um laboratório de inovação criado pelo instituto Oi
Futuro e que incentiva projetos que tragam soluções para o desenvolvimento das
cidades.
Questionário
No processo de criação da ferramenta, foi aplicado um
questionário em mais de 2 mil mulheres, com o intuito de identificar costumes
comuns entre elas ao efetuar deslocamentos. A pesquisa evidenciou o hábito de
avisar conhecidos sobre o destino e a preferência por escolher caminhos com
ruas mais movimentadas.
Um segundo levantamento, com 300 mulheres, buscou identificar
quais dados seriam relevantes para a escolha do trajeto.
O Malalai busca reunir informações de forma
colaborativa. As usuárias podem consultar o mapa e adicionar dados. Um ícone,
por exemplo, é usado para destacar as ruas com pouca iluminação. Outros mostram
onde há lojas, porteiro, segurança ou policiamento. Clicando nos ícones, é
possível obter mais informações, como os horários em que há presença policial
ou funcionamento do comércio.
O nome do aplicativo é uma homenagem à paquistanesa
Malala, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2014. Ela é conhecida por sua luta
em defesa do acesso das mulheres à educação na região de sua terra natal, no
nordeste do Paquistão, controlada por talibãs que impedem meninas de frequentar
escolas. Quando tinha 11 anos, Malala começou a escrever para veículos ingleses
sobre seu cotidiano. Com o aumento de sua popularidade, ela foi alvo de uma
tentativa de homicídio, mas sobreviveu. Hoje, aos 20 anos e jurada de morte em
seu país, a paquistanesa mora na Inglaterra, onde lidera um movimento
internacional pelo direito à educação.