A
vulva clara e rosada, sem pêlos, com pequenos lábios, além de remeter à
infantilização e ter um caráter racista, é imposta como um padrão estético
“Porque
estamos escondendo essa parte do corpo? Qual é o medo em falar sobre ela?”,
questiona a psicóloga Letícia Bahia
Por Caroline Oliveira - Carta Capital
Buceta, pombinha, pepeca, xoxota, as partes, Países
Baixos, periquita, xana, perseguida, vulva. Independente do apelido usado,
falar e retratar a vulva é um tabu.
Ela se desloca sem parada final entre as conotações
sexuais e os estereótipos da depilação e pele clara, reforçados pela indústria
de filmes pornográficos. Ela faz parte de mais da metade da população brasileira e está nas
mesas de cirurgia para procedimentos cirúrgicos como a ninfoplastia.
No entanto, as bonecas vendidas são desprovidas de
vulva. Uma boneca comercializada sem um braço ou uma perna é uma boneca que
representa mulheres com alguma deficiência física. Mas bonecas sem vagina não
são deficientes, é o padrão.
Pouquíssimas são as mulheres que sozinhas se aventuram
na masturbação e descortinam seus prazeres sexuais. Também são recentes os
poucos estudos sobre a genitália feminina. Uma campanha recente de
conscientização de câncer genital, da The Eve Appeal, mostrou que, de mil
mulheres entre 26 e 35 anos, metade não soube localizar a vagina - a parte
interna da vulva, o canal vaginal.
No século XVIII, estava difundida a ideia, pelo médico Galeno de Pérgamo, que a vagina era um
pênis invertido. Somente em 2009, um estudo publicado pelo The Journal of
Sexual Medicine, mostrou que o clitóris é equivalente ao pênis, mas com 4 mil
terminações nervosas a mais.
Letícia Bahia, psicóloga e diretora institucional da
Revista AzMina, explica que a vagina ainda é pensada como um complemento ao
pênis. Nesse sentido, “existem pouquíssimos estudos sobre a relação entre duas
vulvas, por exemplo, uma relação afetiva sexual que acontece entre duas
mulheres, como se dá a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Isso
porque é a partir do pênis que se pensa a sexualidade”.
“Porque estamos escondendo essa parte do corpo? Qual é
o medo em falar sobre vagina?”, questiona Bahia.
Procedimentos cirúrgicos
Segundo
Halana Faria, ginecologista do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, existe
uma demanda relacionada à imagem de uma vulva
Segundo Halana Faria, ginecologista do Coletivo
Feminista Sexualidade e Saúde, existe uma demanda relacionada à imagem de uma
vulva
Apesar de não se falar abertamente sobre a vagina, os
estereótipos que a cercam estão espalhados, por exemplo, nos filmes da indústria
pornográfica, que movimenta anualmente mais de R$ 100 bilhões, segundo a
organização Treasures.
A vulva clara e rosada, sem pêlos, com pequenos lábios,
além de remeter à infantilização e ter um caráter racista, é imposta como um
padrão estético.
Em 2016, o Brasil liderou o ranking mundial de
procedimentos estéticos no corpo, segundo a International Society of Aesthetic
Plastic Surgery (Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética). No
total, foram mais de 500 mil cirurgias, cerca de 16% dos procedimentos do mundo
todo. Em segundo lugar está os Estados Unidos e em terceiro, o México.
Um dos benefícios colocados como procedente da
ninfoplastia ou labioplastia, a redução de pele dos lábios vaginais, é devolver
à mulher sua sexualidade.
Porém, Bahia explica que a sexualidade não é algo que
se possa devolver tanto à mulher quanto ao homem, pois é intrínseco ao
indivíduo.
“A sexualidade é a dimensão humana sobre a função
reprodutiva.Tudo o que se sobrepõe de cultura acima dela é a sexualidade”,
afirma. E contínua, “não é algo que se pode devolver ou retirar de alguém. A
pergunta é como cada um vive a sexualidade e como podemos buscar maneiras de
viver as sexualidades de uma forma mais saudável”.
A questão que Bahia traz é a necessidade de procurar
entender o porquê de tantas mulheres brasileiras procurarem procedimentos
cirúrgicos para modificar suas vulvas. “E aí estamos falando novamente da
necessidade de conversar sobre tudo isso”, conclui.
O tabu da vagina não é um atributo de um gênero específico.
“O tabu é nosso”, diz Bahia. Diferentes são os efeitos para cada um. No
entanto, na ponta desse sistema, está o homem que questiona do tamanho da vulva da
esposa.
“Acho um equívoco a gente transformar isso num questão
de homens que não conseguem lidar com a questão da vagina. Isso é nosso, de
todos nós. Todos nós estamos produzindo, lidando com isso”.
Quando a ninfoplastia é necessária?
Segundo Halana Faria, ginecologista do Coletivo
Feminista Sexualidade e Saúde, existe uma demanda relacionada à imagem de uma
vulva. “As mulheres muitas vezes não têm a percepção sobre a diversidade
possível de forma e tamanho das vulvas. Então, mesmo sem problemas relacionados
a lábios mais volumosos, começa a se questionar sobre a ‘normalidade da
sua vulva’.
Faria, no entanto, lembra que a reconstrução genital
nos casos de transgenitalização pode ser um caminho para as mulheres trans
construírem sua identidade de gênero. Nesse sentido, “é preciso entender a
diferença entre a medicalização excessiva do corpo das mulheres
cis e o acesso a construção de um corpo possível às mulheres trans”.
Ainda assim, a psicóloga Letícia Bahia afirma que a
sexualidade e as modificações genitais estão no campo da dimensão afetiva, o
que torna complicado colocar esse aspecto somente sob a responsabilidade de
“alguém que, em termos acadêmicos, não tem preparo para trabalhar nessa
esfera”.
“Um cirurgião plástico tem treinamento para resolver um
problema estético, mas não para resolver uma questão de cunho afetivo, que é
uma questão de autoestima”, conclui Bahia.