por *Orlando Silva no
GGN
A economia globalizada tem como necessidade básica o
processamento de dados pessoais nas mais diversas cadeias produtivas. Quando
não há legislação específica, essa realidade traz riscos à privacidade dos
cidadãos, direito fundamental nas principais Constituições democráticas do
mundo.
Os brasileiros estão cada vez mais expostos ao
vazamento de informações, que pode comprometer a dignidade da pessoa humana.
Faz-se necessário garantir o direito à privacidade das pessoas, a efetiva
proteção sobre suas informações pessoais, ao lado da observância de parâmetros
para uma segura e viável utilização econômica.
Regras claras e previsíveis sobre o uso econômico dos
dados dos cidadãos são essenciais para equilibrar dois pressupostos
constitucionais: o respeito à privacidade e à livre iniciativa. O Brasil
precisa aprovar um marco legal soberano, mas harmônico com normas
internacionais para dar segurança às pessoas e também estimular a atividade
econômica por meio da atração de data centers e das gigantes ponto.com.
Essa legislação torna-se ainda mais urgente a partir de
agora, depois do escândalo envolvendo a manipulação de dados de 87 milhões de
usuários do Facebook, sendo 443 mil brasileiros. Além disso, no dia 25 de maio,
entrou em vigência plena a normativa europeia (Regulamento Geral de Proteção de
Dados – GDPR). O objetivo é dar resposta aos rápidos avanços tecnológicos e à
globalização, que trouxeram níveis mais amplos de compartilhamento de
informações no mundo.
Como o arcabouço jurídico europeu veda a transferência
internacional de dados para países que não possuem legislação capaz de garantir
a mesma proteção dada na Europa, o Brasil pode perder uma série de
investimentos. Essa situação mostra o quanto os setores econômicos brasileiros
baseados em tecnologia estão engessados. Se não fosse essa limitação, eles
poderiam atrair grandes empresas tecnológicas de informação e comunicação
europeias e ter até mesmo papel fundamental na retomada do crescimento do país.
Atualmente, pelo menos 125 países têm legislação de
proteção de dados. Destes, 100 já criaram autoridades centrais para fiscalizar
a aplicação das normas, seguindo orientação da resolução da Organização das
Nações Unidas (ONU). Na América Latina, a Argentina já tem lei específica,
desde 2000, sendo o primeiro país latino-americano a ganhar certificação da
União Europeia como país adequado às exigências do bloco. Uruguai, Chile, Costa
Rica, Peru, Colômbia e México são outros exemplos.
Como relator da Lei Geral dos Dados Pessoais, construí
um texto após amplo debate durante dois anos com os mais diversos segmentos.
Proponho uma lei principiológica, com diretrizes e princípios estáveis.
Consolidamos conceitos de forma precisa, como o de dado pessoal, dado sensível,
dado anônimo, legítimo interesse, consentimento, segurança da informação e
responsabilidades para quem violar a privacidade. A lei proposta é flexível
para que se adapte às inovações tecnológicas. Incorporamos o que há de mais
avançado na legislação internacional.
Instituímos como direitos dos titulares dos dados o
conhecimento sobre o compartilhamento com entidades públicas e privadas,
informações claras sobre o consentimento ao uso e as consequências da negativa
deste, além da possibilidade de revogação do consentimento. No caso de dados
sensíveis, previmos o consentimento específico e para finalidades determinadas.
Consideramos ilegal a coleta de dados de crianças
abaixo de 12 anos sem expressa autorização dos responsáveis legais. Para
facilitar a pesquisa e novas descobertas na área de saúde pública, autorizamos
que órgãos de pesquisas utilizem as informações com a finalidade específica de
pesquisas.
A aprovação do texto por unanimidade na Câmara é um
feito extraordinário. É fundamental garantir que passe também no Senado e vá à
sanção presidencial neste momento em que o mundo atualiza suas normas. As
regras existentes, como o Marco Civil da Internet, o Código de Defesa do
Consumidor e a Lei de Acesso à Informação, são dispersas e insuficientes para
regular questão tão complexa.
A lei geral proposta está ancorada nos princípios
fundamentais de respeito e valorização dos direitos e da dignidade da pessoa
humana, que devem sempre estar salvaguardados. Ao mesmo tempo, procuramos
absorver preocupações de setores econômicos. O ambiente democrático e plural de
debate que permeou os trabalhos da Comissão Especial produziu uma legislação
versátil, moderna e capaz de adaptar o Brasil aos desafios da era digital.
*Orlando Silva - Líder do PCdoB na Câmara, deputado
federal por São Paulo e relator da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no
Brasil.