Caminho Francês a
Santiago de Compostela: Patrimônio da Humanidade
Primeiro foi o site Veja.com ao anunciar que “Floripa
ganha primeiro trecho do Caminho de Santiago na América”. Depois um jornal
local, a Hora de Santa Catarina, sentenciou: “Florianópolis entra na rota
oficial do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha”.
Apenas falta de informação? Má fé? Não importa, por
ora... O autor da estultice vendeu sua ideia e o clero de Santa Catarina, assim
como dirigentes da entidade de peregrinos do Estado e autoridades entraram de
gaiatos. Do outro lado do Atlântico, o Plan Xacobeo, responsável pela gestão do
formidável patrimônio do Caminho de Santiago na Galícia – um bem declarado
Patrimônio da Humanidade pela Unesco!!! – foi pego de surpresa.
Em recente visita a Santiago de Compostela, entrevistei
o diretor gerente da S.A. de Xéstion do Plan Xacobeo, Rafael Sánchez Bargiela,
que – assim como toda a Espanha – está indignado: “Não estamos de acordo com
isso. O Caminho de Santiago é um caminho histórico, portanto, um caminho que
busca recuperar as rotas que os peregrinos fizeram na Idade Média. E na Idade
Média não havia peregrinos jacobeos no Brasil”.
#pedrasdocaminho
O Caminho de Santiago não está no Brasil!
Por Luiz Carlos Ferraz
É óbvio que o Caminho de Santiago não está no Brasil.
Afinal, como se sabe, trata-se de uma rota de peregrinação cristã desenvolvida
a partir do século IX, após o achado do sepulcro do Apóstolo de Jesus, Tiago
Maior, na Galícia, Espanha. Hoje, alguns itinerários do Caminho na Europa estão
reconhecidos como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
O Brasil não faz parte desse universo. Tiago Maior
nunca esteve no Brasil e sua adoração não fomentou aqui, ao longo da história,
qualquer rota de peregrinação às suas relíquias.
Assim, foi com surpresa e indignação que autoridades da
Galícia reagiram a notícias divulgadas por veículos de comunicação daqui de que
o Caminho de Santiago está no Brasil, numa trilha em Santa Catarina.
“Não estamos de acordo com isso”, afirma Rafael Sánchez
Bargiela, diretor gerente da S.A. de Xéstion do Plan Xacobeo, a empresa
responsável pela gestão do Caminho de Santiago na Galícia: “O Caminho de
Santiago é um caminho histórico, portanto, um caminho que busca recuperar as
rotas que os peregrinos fizeram na Idade Média. E na Idade Média não havia
peregrinos jacobeos no Brasil”.
Ele recorda que esteve em Maceió, há alguns anos, num
encontro de associações de amigos de peregrinos no Brasil, quando foi informado
que no país há trilhas preparatórias para o Caminho de Santiago. “Tudo bem”,
concorda Bargiela: “Mas sobre esta iniciativa que se promove em Santa Catarina
estamos completamente em desacordo. Quem divulga isso não pode utilizar a
denominação de Caminho de Santiago, pois um dos elementos que identifica o Caminho
de Santiago é a identidade história”.
Não seria o caso de haver uma manifestação oficial do
Plan Xacobeo e da Catedral de Compostela para alertar os desavisados?
“Tenho pendente uma reunião com a Catedral para falar
deste tema”, sinalizou-me Bargiela, em junho: “Também tivemos uma consulta da
Embaixada da Espanha em Brasil e dissemos o mesmo: que isto não se pode chamar
de Caminho de Santiago e que não estamos de acordo com essa divulgação”.
A polêmica foi criada após o Cabildo da Catedral de
Santiago de Compostela (*) divulgar comunicado em 22 de dezembro de 2016
referente à emissão do certificado de peregrinação, denominado Compostela, aos
peregrinos do Caminho Inglês. Até então, a regra geral determinava que o
documento só é emitido ao peregrino que caminhar os últimos 100 quilômetros até
Santiago de Compostela. Ocorre que o Caminho Inglês tem dois pontos
emblemáticos de início: Ferrol, que dista 120 quilômetros de Compostela, e A
Coruña, a apenas 80 quilômetros. Com a nova regra, abriu-se a exceção para ser
concedido o documento a quem inicia a peregrinação em A Coruña. Para isso, os
20 quilômetros restantes deverão ser feitos no país ou região de origem do
peregrino – já que o morador de A Coruña está dispensado deste complemento.
D. Segundo Leonardo Pérez López, Deão presidente da
Catedral de Santiago de Compostela, frisa que a decisão é clara e só aplicável
ao Caminho Inglês desde A Coruña.
Este é o comunicado assinado por D. Segundo, no
original:
“Vista la petición de varias Asociaciones
Extranjeras, Cofradías, la Asociación Gallega de Amigos del Camino de Santiago,
así como el Concello de A Coruña y varias Instituciones jacobeas, para que se
conceda la Compostela a los peregrinos que parten de la ciudad herculina en
peregrinación al sepulcro del glorioso Apóstol Santiago, se acuerda, con el Vº
Bº del Sr. Arzobispo, que se pueda expedir dicho documento a los siguientes
peregrinos:
- Dada la tradición, históricamente
documentada, de la llegada de numerosos peregrinos a través del puerto coruñés,
se concede la posibilidad de obtener la Compostela a aquellos que, habiendo
hecho parte del Camino en sus países o regiones de origen, hagan a pie la
distancia que separa el puerto de A Coruña de la Catedral Compostelana.
- Asimismo, a los habitantes de la ciudad
de A Coruña y sus alrededores que, devotionis causa, visiten los espacios
jacobeos de su ciudad, y hagan el resto de la peregrinación a pie hasta el
sepulcro del Apóstol Santiago.
- En lo referente a los peregrinos o
caminantes que no reúnan estas condiciones, podrán recibir, sin embargo, el
documento acreditativo de haber visitado la Catedral y el sepulcro del Apóstol
Santiago”.
Embora não pareça justa a distinção entre o peregrino
habitante de A Coruña e o estrangeiro (ou morador de outra região da Espanha),
a questão é que os 20 quilômetros complementares exigidos do estrangeiro podem
ser realizados em qualquer lugar e mediante algum tipo de comprovação – que o
próprio comunicado não especifica –, o que está a exigir a mobilização das
associações de amigos do Caminho de Santiago existentes em diferentes países do
planeta. Daí a afirmar que se estará fazendo o Caminho de Santiago é descarado
oportunismo.
(*) O Cabildo da Catedral de Santiago é um
colegiado de sacerdotes que exercem, em comunhão com o Arcebispo e a Igreja, o
ministério sacerdotal na Catedral e que tem como função singular a guarda das
relíquias do apóstolo Santiago. Presidido pelo Deão D. Segundo Leonardo Pérez
López, o Cabildo é formado por Juan Filgueiras Fernández, José Fernández Lago,
Manuel Silva Vaamonde, Antonio Suárez Carneiro, Ramiro Calvo Otero, Víctor
Benedicto Maroño Pena, Salvador Domato Búa, Luis Otero Outes, Daniel Carlos Lorenzo
Santos e Elisardo Temperan Villaverde, e pelos eméritos Celestino Pérez de la
Prieta, José María Díaz Fernández, Alejandro Barral Iglesias, Manuel Gesto
García e Manuel Calvo Tojo.