Na
entrevista, Orlando afirmou que "O PT é parte do passado. E o PSOL é
uma espécie de PT retrô, dos anos 1980".
Pré-candidato do PC do B à Prefeitura de São Paulo,
Orlando Silva, 49, simboliza a ruptura na tradição do partido de se coligar com
o PT nas eleições da capital.
“O Lula foi um extraordinário presidente, mas nós temos
que olhar para a frente”, afirma à Folha o deputado federal. “A esquerda
precisa ser mais humilde”, segue, ecoando uma crítica ao PT feita pelo rapper
Mano Brown em 2018.
Baiano que mora há 28 anos na cidade e já foi vereador,
Orlando pretende enfatizar na campanha deste ano a bandeira do antirracismo e o
combate a problemas da periferia. Diz também querer desmistificar o comunismo.
“Quero levar a indignação de quem convive com o racismo
estrutural porque já sentiu na pele tudo o que o negro sente. São Paulo precisa
ser uma cidade menos desigual e que dê chance ao povo pobre.”
Confira os principais trechos da entrevista.
Folha de S.Paulo: Pretende fazer uma campanha
voltada a questões locais ou mais nacionalizada, com ênfase na oposição ao
presidente Jair Bolsonaro?
Orlando Silva: São Paulo é uma cidade-estado, o maior colégio
eleitoral do País, o que faz com que o interesse nacional repercuta sobre a
vida do município, e vice-versa. Isso dá dimensão nacional à disputa, mas há
que se fazer um enfrentamento levando em conta a realidade local.
Folha: E o que a realidade local apresenta?
Orlando: Decidi que meu partido deveria ter candidato no segundo
turno da eleição de 2018, quando vi Mano Brown falar que, se [um partido]
deixou de entender o povão, já era. Se não falar a língua do povo, vai perder de
novo. Ali passei a refletir: Temos que aprender com o povo. A esquerda precisa
ser mais humilde. Perceber que derrotas, quando nós as sofremos, deixam lições.
É preciso se reconectar com o povão.
Folha: Como se reconectar?
Orlando: Desde 2016 se fala que a sociedade está polarizada, mas a
impressão que tenho é que é mais militante de um lado e do outro, enquanto o
povão mesmo fica olhando o cenário. Daí a necessidade de estruturar um projeto
político popular renovador para a cidade de São Paulo.
Folha: O sr. vai dialogar com os eleitores de Bolsonaro e buscar os
votos deles?
Orlando: As pesquisas mostram que bolsonaristas são 15%, no máximo
20% do eleitorado. Mas tem gente que ainda observa Bolsonaro com simpatia
porque não vê alternativas e, ao mesmo tempo, não quer voltar ao passado. A
esquerda tem que pisar no barro, ouvir o povo, reelaborar programa e, com muita
humildade, trilhar um caminho novo. Temos que voltar a fazer trabalho de base,
preocupar menos com lacração na internet e mais com a organização do povo.
Comunidades religiosas pentecostais e neopentecostais, com grande penetração na
periferia, têm a ver com respostas a problemas. Em vez de atacá-las, deveríamos
aprender com elas e resgatar o que foram marcas dos movimentos progressistas,
como mutirões, iniciativas populares de saúde e de creche.
Folha: Essa será a proposta da sua campanha?
Orlando: Falo em tirar energia e criatividade da periferia porque é
de onde eu vim. Precisamos olhar para ela como o lugar da potência, não da
carência. Nasci num bairro periférico de Salvador, estudei em escola pública,
usei unidade básica de saúde. Quero levar para a campanha a indignação de quem
conhece os problemas do povo de viver, não de ouvir dizer.
Folha: Como essas pautas podem se converter também em apoio da
classe média, da elite?
Orlando: Em estratos médios e mesmo nos altos, quem tem capacidade
crítica se comove com o drama da realidade na periferia e se mobiliza para
apoiar um projeto que coloque foco em ajudar primeiro quem mais precisa.
Folha: É um discurso próximo do de Jilmar Tatto (PT) e Guilherme
Boulos (PSOL), ambos do campo da esquerda.
Orlando: O Tatto e o Boulos são amigos [meus]. Pode haver
identidades porque compomos o mesmo campo. Mas uma liderança política negra
enfrentar o racismo estrutural é diferente de uma que ouve dizer o que é o
racismo.
Folha: Como pretende se diferenciar dos dois?
Orlando: Vou, com a minha experiência de vida e pessoal, valorizar
a minha condição de negro e debater a representatividade na política. Não serão
os brancos que vão romper com o racismo estrutural.
Folha: Que medidas efetivas um prefeito pode adotar para combater o
racismo no âmbito municipal?
Orlando: Temos que fazer cumprir plenamente as leis que obrigam o
ensino nas escolas da história da África e da cultura afro-brasileira. A
prefeitura também pode liderar movimentos que coloquem mais peso em políticas
públicas, com o cumprimento da política de cotas na administração, e em
mobilização do setor privado, engajando empresas para gerar oportunidades para
a população negra.
Folha: Qual é a maior demanda do paulistano, principalmente
pós-pandemia?
Orlando: Emprego. Vou apresentar um programa emergencial para a
geração de vagas nos próximos dois anos. A cidade terá que renegociar os
grandes contratos para garantir um espaço fiscal e dar fôlego aos pequenos
comerciantes e às pequenas empresas.
Folha: Com isenção de impostos?
Orlando: A cidade pode suspender a cobrança de determinados
tributos durante um período. E aí vem a pergunta: mas como vamos pagar a conta?
Você negocia uma moratória nos grandes contratos e abre um espaço fiscal para
dar suporte aos micro e pequenos empresários. Um momento excepcional pede
medidas excepcionais.
Folha: Nesses grandes contratos, o sr. inclui os de transporte
público, que demandam subsídio da prefeitura?
Orlando: A meu ver, o subsídio é uma caixa-preta. É necessário
auditar. Não dá para manter no nível de hoje. O tema da mobilidade é um dos que
exigem aliança de São Paulo com outros entes da Federação, para ampliar o
transporte de alta capacidade, com expansão das malhas metroviária e
ferroviária. E inclusive envolver captações internacionais. Deveríamos abrir
diálogo com a China, um país que tem feito muitos investimentos em
infraestrutura.
Folha: Como avalia o governo de Bruno Covas (PSDB), pré-candidato
que hoje lidera as pesquisas?
Orlando: A gestão João Doria/Bruno Covas passará à história como
uma gestão nula para a cidade de São Paulo. Quantas políticas inovadoras foram
feitas? Nenhuma. Que iniciativa estruturante para o futuro foi feita? Nenhuma.A
gestão da Covid-19 foi marcada por vacilações, com repercussão na vida das
pessoas: o rodízio, que jogou grande parte dos trabalhadores no transporte
público, a falta de descentralização dos hospitais de campanha e os sinais
contraditórios no debate sobre a volta às aulas.
Folha: O sr. vai se licenciar para fazer a campanha?
Orlando: Não. O exercício do meu mandato também é parte da
estratégia de campanha, com medidas prioritárias como o auxílio emergencial, a
medida provisória para manter os empregos e a regulação do combate às fake
news. Durante a campanha, vou falar do que fiz na crise da Covid-19.
Folha: Como será fazer campanha por um partido que tem no nome o
comunismo, demonizado por Bolsonaro e a direita?
Orlando: Olha, pelo Bolsonaro, 80% do Brasil é formado por
comunista. A minha perspectiva sempre foi a de construir uma sociedade justa,
com igualdade de oportunidades e comunhão. Um governo comunista é como o do
Maranhão, que o Flávio Dino faz. Quero governar São Paulo inspirado em Flávio
Dino.
Folha: O sr. também cita a China, outro “bicho-papão”.
Orlando: A China, que é um país onde estive três vezes, é uma
experiência comunista, com muito desenvolvimento, e que pode ser um local de
muitas parcerias para a nossa gestão.
Folha: Existe chance de retirada da sua candidatura?
Orlando: Nenhuma.
Folha: A inédita ausência do PT em uma campanha do PCdoB na capital
enfraquece ou fortalece seu nome?
Orlando: Apresentar um projeto para a cidade é o nosso desafio.
Tenho muitos amigos no Partido dos Trabalhadores, o Lula foi um extraordinário
presidente, mas nós temos que olhar para a frente.
Folha: O que motivou a cisão?
Orlando: Nós, do PCdoB, entendemos que é necessário estruturar um
projeto político para a cidade de São Paulo que não será feito à sombra do PT e
que precisa de um líder. Foi-se o tempo em que São Paulo melhor seria governada
por um gerente. Aliás, tem gente que se agarrou a esse conceito de ser gerente
e teve um péssimo resultado, inclusive eleitoral [referindo-se a João Doria, do
PSDB].
Folha: O PCdoB terá baixo tempo de TV e poucos recursos do fundo
eleitoral. Como driblar isso?
Orlando: Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance. Vou apostar
muito nos debates na TV, na militância e na força das ideias para atrair o voto
progressista e ocupar um espaço. Quem sabe nós não chegamos ao segundo turno?
Com informações da Folha