Foto: Dida Sampio/Estadao Conteudo
*Por Glenn Greenwald
Um dos principais argumentos usados pelos contrários ao
impeachment da Presidente Dilma Rousseff era que ele daria poderes imediatos
aos políticos de Brasília verdadeiramente corruptos — a principal força por
trás do impeachment — que, então, usariam esse poder para interromper as
investigações de corrupção e se proteger das consequências de seus crimes.
Nesse sentido, o impeachment de Dilma não foi realizado
para punir corruptos, mas para protegê-los. Nas duas últimas semanas, vimos
dois novos escândalos de corrupção que confirmaram esse ponto de vista muito além
do que seus defensores imaginavam ser possível.
Em pouco tempo de mandato, Temer já perdeu cinco
ministros por escândalos, mas as mais novas controvérsias são as mais graves
até o momento. Um dos escândalos envolve esforços do Congresso — liderado pelos
mesmos partidos que articularam o impeachment de Dilma, e com o apoio de alguns
do partido de Dilma — em aprovar uma lei que lhes daria anistia completa para
seus crimes de financiamento de campanha.
No final de setembro, chegou ao Congresso um projeto de
lei, como se tivesse surgido do nada, que impediria a punição de qualquer
membro do Congresso pelo uso de verbas de caixa dois nas campanhas eleitorais,
em que políticos recebem contribuições de oligarcas e grandes corporações por
baixo dos panos.
Muitos dos políticos mais poderosos do país — incluindo
o Ministro das Relações Exteriores, a maioria dos membros da Câmara dos
Deputados e o próprio Presidente Temer – estão envolvidos nesse esquema e, por
isso, correm o risco de serem processados. A tática do caixa dois tem sido uma
ferramenta fundamental no pagamento de propinas a políticos. O problema se
tornou ainda mais urgente porque Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht,
está prestes a finalizar um acordo de delação premiada e deve citar inúmeras figuras
políticas de importância como recebedores de milhões de dólares em doações não
declaradas.
Já foi relatado que o Ministro das Relações Exteriores
de Temer, José Serra, recebeu R$ 23 milhões em verbas ilegais da Odebrecht, dos
quais grande parte foram depositados em uma conta de um banco suíço. (Tais
verbas são referentes à sua campanha presidencial de 2010, ano em que Dilma
saiu vitoriosa, demonstrando que aqueles que foram derrotados nas urnas
democraticamente e estão envolvidos em graves escândalos de corrupção são
justamente os mesmos que chegaram ao poder com o impeachment de Dilma.)
Quando a lei da anistia surgiu em setembro, tudo foi
realizado de forma que ninguém percebesse ou descobrisse quem era seu autor. À
época, o The Intercept Brasil a descreveu como uma manobra que “chocou até
mesmo os analistas políticos mais calejados e acostumados com os complôs de
Brasília. A articulação fracassou quando PSOL e Rede alertaram para o esquema e
combateram os esforços no Congresso que visavam aprovar a anistia (Para fins de
transparência: David Miranda, meu marido, foi eleito vereador da Cidade do Rio
de Janeiro pelo PSOL). Assim concluímos nosso artigo de setembro: “Convencidos
de seu próprio direito e capacidade de agir sem maiores consequências, não há
dúvida de que tentarão cobrir-se de anistias novamente, quando não estiverem
sendo observados.”
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É mais do que óbvio que esse era o verdadeiro objetivo
por trás do impeachment desde o início. Em maio, um dos aliados mais próximos
de Temer, Romero Jucá, foi forçado a se demitir do cargo de ministro após serem
reveladas gravações nas quais admitia, preto no branco, que o impeachment de Dilma
era necessário para interromper as investigações de corrupção, frisando que
apenas com Dilma fora de cena seria possível que a mídia, os tribunais, os
militares e a sociedade formassem um “pacto nacional” para deixar em paz os
políticos corruptos de Brasília.
Contudo, apesar da renúncia forçada de Jucá em maio,
ele acaba de ser nomeado líder do governo Temer no Senado porque, obviamente, o
seu esquema de corrupção é compartilhado por Temer e pela facção que governa o
país. Somente agora, os grandes veículos do país se veem obrigados a admitir o
que era evidente desde o início: ao pedirem o impeachment, compactuaram no
fortalecimento dos políticos mais corruptos do Brasil, garantindo assim que as
investigações de corrupção fossem travadas.
Mas um escândalo completamente novo ameaça diretamente
o próprio Temer. Na semana passada, o Ministro da Cultura de Temer, Marcelo
Calero, demitiu-se de forma extravagante, alegando pressão excessiva exercida
por um dos aliados mais próximos de Temer, o Ministro da Secretaria de Governo
Geddel Vieira Lima, no sentido de forçar Calero a facilitar a realização de um
projeto de construção de um prédio no qual Geddel tem interesse pessoal.
Especificamente, Geddel pressionou Calero a garantir a aprovação da construção
de um arranha-céus de luxo numa área histórica protegida de frente para o mar,
edifício onde Geddel comprara um apartamento.
Temer começou por defender Geddel, insistindo
veementemente que o mesmo não seria exonerado. O indicado de Temer na Comissão
de Ética do Congresso bloqueou uma votação para investigar se Geddel teria
violado regras de ética. Temer tentou por todos os meios menorizar a
controvérsia com o intuito de proteger seu mais próximo aliado.
Mas isso não é mais possível. Ontem, Calero, o ministro
que se tornou delator, prestou uma declaração sob juramento à Polícia Federal,
alegando que não somente foi pressionado por Geddel para assegurar a aprovação
do referido projeto de construção, como o próprio Temer também o abordou em
duas ocasiões com o mesmo propósito. Em consequência, a primeira página de
todos os principais jornais anunciava hoje de manhã em letras garrafais que o
próprio Temer está implicado nesse escândalo e que, por isso, os partidos da
oposição já instituíram procedimentos de impeachment contra o presidente.
(Geddel demitiu-se hoje pela manhã ,
enquanto este artigo estava sendo escrito: o sexto ministro de Temer perdido
por conta de escândalos.) Mas agora precisamos perguntar: o que Geddel fez que
Temer não tenha feito?
Tudo isso acontece no momento em que as principais figuras do partido de Temer,
o centrista PMDB, não somente se veem envolvidas em escândalos políticos, mas
estão sendo presos. Eduardo Cunha, o Presidente da Câmara dos Deputados que
presidiu e foi a força motriz do impeachment de Dilma, está agora na prisão,
aguardando julgamento por lavagem de dinheiro e suborno, após ter sido revelado
que escondia milhões em contas bancárias suíças, enquanto o Ex-governador do
Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi preso na semana passada sob
acusações de controlar um esquema de corrupção de grande escala.
Essa sempre foi uma das mais gritantes ironias do impeachment de Dilma: o
partido mais empoderado pelo impeachment, o PMDB de Temer (anteriormente em
aliança formada com o PT), não somente destruiu sozinho o Rio de Janeiro
mediante inaptidão e corrupção, como também reúne os líderes políticos mais
descaradamente criminosos do continente.
De certa forma, pouco importa à classe oligárquica do
Brasil, (como sempre) servida pela sua mídia, o que acontecerá com Temer. Assim
como Cunha anteriormente, Temer cumpriu sua função: supervisionou a aprovação
de uma medida de austeridade radical que, face ao crescimento negativo do Brasil,
literalmente altera a Constituição para permitir a proibição de aumentos nos
gastos públicos além da taxa de inflação nos próximos 20 anos. Desde sua
chegada ao poder, Temer liderou uma verdadeira orgia de privatização,
austeridade e congelamento de despesas que a oligarquia brasileira desejava
avidamente há muito tempo. E, sobretudo, foi o instrumento utilizado para
remover Dilma do cargo.
É importante lembrar que o próprio Temer, dirigindo-se
a investidores estrangeiros e às elites da política externa em Nova Iorque, em
setembro último, admitiu que o impeachment de Dilma se deveu, em grande parte,
à sua recusa em aceitar o programa de austeridade do partido de Temer, uma
confissão extraordinária que foi completamente ignorada pela grande mídia brasileira.
Pouco importa à mídia se o destino de Temer será o
impeachment em favor de novas eleições ou a conclusão de seu mandato aos
trancos e barrancos, enquanto figura nacional amplamente desprezada. A mídia
conseguiu o que queria.
Todavia, o verdadeiro objetivo por trás do impeachment
é tão evidente que até mesmo os principais articuladores do impeachment na
mídia se veem forçados a reconhecer aquilo que, até recentemente,
ridicularizavam de forma desonesta: que a finalidade real era a proteção e empoderamento
dos corruptos. Contudo, mesmo tendo suas convicções comprovadas, os opositores
ao impeachment não estão soltando fogos, uma vez que esses eventos mais
recentes apenas reiteram que os brasileiros continuarão sofrendo as
consequências de uma classe política e de uma elite que os desiludiu com
fraudes gritantes e uma corrupção galopante.
A maior fraude de todas foi o impeachment de Dilma,
vendido ao povo como o meio de livrar o país de uma administração danosa e da
corrupção, quando na realidade, desde o início, pretendia fazer exatamente o
oposto.
*Glenn Greenwald é um dos três fundadores do The
Intercept. É jornalista, advogado constitucionalista e autor de quatro livros
entre os mais vendidos do New York Times na seção de política e direito.