A Folha divulgou documento que atesta ação irregular
para beneficiar candidatos via mensageiro - A prática ilegal pode ter alterado
o resultado das eleições ainda no primeiro turno
Da Folha de S. Paulo
Documento confirma oferta ilegal de mensagens por WhatsApp na eleição
Trocas de emails e a proposta de um contrato obtidas
pela Folha confirmam a oferta
de disparos em massa por WhatsApp a
campanhas políticas, utilizando base de usuários de terceiros, em desacordo com
a lei eleitoral.
A Croc Services formalizou proposta de R$ 8,7 milhões à
campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência, usando nomes e
números de celulares obtidos pela própria agência, e não pelo candidato.
A oferta de contrato da empresa, com data de 30 de
julho e obtida pela Folha, cita opções diversas de disparos de
mensagens por WhatsApp,
com pagamento a ser feito até três dias antes da ação.
Marcelo Vitorino, coordenador da área digital da campanha
deAlckmin,
afirma que a campanha não comprou a opção de serviço usando base de terceiros,
mas apenas com a lista de telefones de militantes e membros do PSDB e de
apoiadores que forneceram dados nas redes do candidato —o que não é ilegal. Ele
desembolsou R$ 495 mil pelos disparos, a R$ 0,09 cada um.
Pedro Freitas, sócio-diretor da Croc, afirmou não saber
que a prática era ilegal. Ele disse que só prestou serviços para a campanha
de Romeu
Zema (Novo) ao governo de Minas, que gastou R$ 365 mil, e de Alckmin,
com a base fornecida pelos partidos —Zema também diz que só comprou serviços
com dados próprios.
Freitas disse ter uma base própria de usuários
acumulada ao longo dos anos. Ele presta serviços ao setor privado. “Se as
campanhas compraram a base de alguém eu não sei, mas o fato é que me mandaram a
lista de telefones.”
A Folha revelou na quinta-feira (18)
que empresas compraram pacotes de disparos em massa de mensagens
contra o PT no WhatsApp e preparavam uma grande operação na semana anterior ao
segundo turno da eleição.
Entre elas estaria a Havan, do empresário
Luciano Hang,
que nega ter pago a agências por esses disparos e afirmou que vai
processar a Folha.
A prática é considerada ilegal, pois se trata de doação
de campanha por empresas, vedada pela lei, e não declarada.
Além disso, a reportagem mostrou que agências ofereciam
às campanhas listas de telefones de WhatsApp segmentados por região
geográfica, e às vezes, por renda.
Após a reportagem, o TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) abriu ação para investigar a compra de
disparos em massa e a procuradora-geral
da República, Raquel Dodge,
pediu à Polícia Federal inquérito para apurar o caso —ele
foi aberto neste sábado (20), visando investigar mensagens em redes sociais
tanto da campanha de Jair Bolsonaro (PSL) como de Fernando
Haddad (PT).
Além disso, o WhatsApp baniu contas associadas às
quatro agências citadas na reportagem, Quickmobile, a Yacows, Croc Services e
SMS Market, e enviou
notificação extrajudicial para que elas parem de enviar textos em
massa e usar números obtidos a partir de base de terceiros.
O aplicativo também anunciou que baniu 100 mil usuários
no Brasil nesta semana para conter desinformação, spam e notícias falsas.
Flávio Bolsonaro, filho do presidenciável, teve
a conta suspensa —depois, recuperou o número.
Conforme revelou o jornal O Globo na sexta (19),
Marcelo Vitorino, da campanha de Alckmin, também já citou o nome de outra
empresa, DOT Group, que, segundo ele, ofereceu a entrega de disparo de
mensagens por WhatsApp para até 80 milhões de pessoas, usando cadastro de
terceiros.
A oferta, feita em encontro na sede do PSDB em Brasília
em 11 de julho, não foi aceita, segundo ele. A DOT Group nega ter oferecido o
serviço.
A compra de serviços de disparo de WhatsApp por
empresas para favorecer um candidato configura doação não declarada, além de
vir de pessoa jurídica, o que é vedado.
Com isso, pode-se também incorrer no crime de abuso de
poder econômico e, caso se considere que teve influência determinante, pode
levar à cassação da chapa, caso o candidato esteja ciente.
Bolsonaro afirmou na quinta não ter “controle se
tem gente fazendo isso”. Neste sábado, reafirmou não ter vínculo com as
ações promovidas em disparos de WhatsApp contra o PT: “Eu não tenho nada a ver
com isso”.
O presidente
do PSL, Gustavo Bebianno, disse que a reportagem da Folha é
“fake news”. Neste sábado, afirmou ter pedido à PGR que apure o teor “até o
último momento, de forma conclusiva, porque o PT tem a mania de acusar os outros
daquilo que ele faz”.
No caso da campanha do PSDB, as mensagens enviadas por
WhatsApp, com um vídeo, diziam: “Boa noite, tudo pronto? Daqui a pouco as urnas
abrem e Geraldo tem um recado importante para você! Assista e encaminhe para
seus contatos! Chegou a hora! É 45 na urna com amor e tolerância no coração”.
“Pelo volume de mensagens geradas em favor do
Bolsonaro, é possível que sua campanha tenha sido beneficiada, mesmo que ele
não tenha conhecimento pleno”, disse Vitorino, da campanha tucana.
“Existem muitas empresas que oferecem o serviço com
bases de terceiros e será muito difícil conseguir comprovar a quantidade de
mensagens enviada, bem como as fontes pagadoras, dado que muitas dessas
empresas são informais”, afirmou ele.
Segundo Vitorino, a julgar pelo engajamento em redes
sociais como Facebook e Twitter, é possível que outros candidatos tenham feito
uso de ferramentas ilegais.
“O envolvimento de empresários em defesa de candidatos
já foi comprovado pelo TSE, que, ao receber denúncia da campanha de Alckmin
sobre o impulsionamento irregular de conteúdo, multou um empresário. Como não
há nenhum tipo de monitoramento ativo, por parte das autoridades, é provável
que muitos outros empresários tenham também feito impulsionamentos de
políticos”, disse.
Ele se refere à denúncia que fez contra Luciano
Hang, da Havan, que foi multado em R$ 10 mil pelo TSE por ter impulsionado
publicações no Facebook que promoviam
a campanha de Jair Bolsonaro.