Ministros defendem punição
a ações que violem os direitos à vida e à saúde ou que não tenham embasamento
técnico e científico adequado.
Por Blog da cidadania
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) votou para restringir o alcance da medida provisória (MP) do presidente
Jair Bolsonaro que livra qualquer agente público de processos civis ou
administrativos motivados por ações tomadas no enfrentamento à pandemia do novo
coronavírus. Se ninguém mudar de ideia até o fim do julgamento, medidas que
possam levar à violação aos direitos à vida e à saúde, ou sem o embasamento
técnico e científico adequado poderão ser punidas.
A MP do governo estabelece que as autoridades só
poderão ser responsabilizadas se ficar comprovado o dolo (ação intencional) ou
“erro grosseiro”. No entanto, estipula que o chamado “erro grosseiro” só estará
configurado levando-se em conta cinco variáveis que, na prática, tornariam
muito restritivo o enquadramento de autoridade por essa conduta. O que a
maioria dos ministros está fazendo é incluir na categoria “erro grosseiro”
alguns tipos de medidas que as autoridades podem tomar.
Bolsonaro vem sendo acusado de ignorar cientistas e
técnicos ao minimizar a pandemia e defender medidas como a prescrição dos
remédios cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com sintomas leves da
covid-19. Na última quarta-feira, por exemplo, por pressão do presidente, saiu
o novo protocolo do Ministério da Saúde que ampliou a recomendação do uso dos
medicamentos.
O primeiro a votar, na sessão de quarta-feira, foi o
ministro Luís Roberto Barroso, relator das seis ações que questionam a MP. O
voto dele estabelece: “Configura erro grosseiro o ato administrativo que
ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado por
inobservância: i) de normas e critérios científicos e técnicos; ii) dos
princípios constitucionais da precaução e da prevenção.” Atos de improbidade
administrativa, que têm uma lei própria, também não são alcançados pela MP, ou
seja, podem passíveis de punição.
Barroso chegou a citar o uso de remédios “de eficácia
ou segurança ainda controvertidas na comunidade científica”, mencionando
especificamente a hidroxicloroquina. Nesta quinta, o ministro Luiz Fux, que
acompanhou o voto do relator, também fez menção a isso e criticou o
“negacionismo científico voluntarista”.
— Se pretende utilizar fármacos que ao invés de curar
doentes venha a matar. E estamos experimentando um momento desafiador para a
medicina. A medicina não conhece essa doença. Isso foi dito pelo ex-ministro da
Saúde aqui no Supremo. Como a medicina não conhece essa doença, nessa área,
como guardião da Constituição, garantidor do direito fundamental da saúde, da
preservação da vida, todo cuidado é pouco — disse Fux.
Nesta quinta-feira, além de Fux, já votaram os
ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia,
totalizando seis de um total de 11 ministros. Todos eles concordaram com a
restrição proposta por Barroso. Moraes sugeriu uma restrição maior ainda, mas,
até agora, apenas Cármen endossou sua proposta.
Moraes quis retirar um trecho da MP que isentava de
punição medidas de “combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da
pandemia da covid-19”. Segundo ele, mantido esse texto, ações tomadas daqui a
alguns anos poderão ser justificadas como relacionadas à pandemia e, com isso,
ficarão livres de responsabilização.
— Isso pode justificar medidas relacionadas a planos
econômicos, segurança pública, estaríamos aqui a permitir uma cláusula tão
aberta, que se perpetuaria ao longo dos anos, que, a meu ver, inverteria a
ordem, a lógica. Regra é a responsabilização, que nós transformaríamos em
exceção. A partir dos próximos anos, todas as medidas terão alguma ligação,
algum nexo com os efeitos gerados pela pandemia — disse Moraes.
Barroso argumentou:
— O que me preocupou, é por exemplo, o ministro da
Economia [Paulo Guedes] cogitou de emitir papel moeda para acudir a emergência.
Eu, que não sou economista, e isso não é da minha alçada, me arrepio com a
ideia de emitir papel, porque associo isso com a escalada da inflação. Porém,
há algumas decisões, puramente técnicas, em que você vai ter opiniões legítimas
de um lado e de outro. Nestes casos, eu acho que você precisa de um erro
grosseiro.
Em seu voto, Barroso também propôs: “a autoridade a
quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua
decisão tratem expressamente as normas e critérios científicos e técnicos
aplicáveis à matéria tais como estabelecidos por o e entidades médicas e
sanitárias nacional e internacionalmente e sanitárias reconhecidas, e da
observação dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção sob pena
de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.”
Com receio de serem punidos no futuro e para evitar
demora na adoção de medidas necessárias no curtíssimo prazo para debelar os
efeitos econômicos da pandemia, as equipes do ministro da Economia, Paulo
Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pediram para a
Presidência da República editar a medida. Mas a MP fala tanto das ações de
combate aos feitos econômicos, como também na área da saúde.