Não deixe de ler é longo, mas é bom
Após
andar 30 quilômetros debaixo de um sol escaldante – pois falta transporte
público -, o professor chega em sua escola, pronto para inspirar seus jovens
estudantes com seu conhecimento e vontade de ensinar. A sala de aula carece de
estrutura básica e seu salário mal dá para encher a barriga, mas ele não se
deixa desanimar: ele faz o que fazpor
amor, não por dinheiro.
Todo
ano, no dia 15 de outubro, chovem histórias mais ou menos como essa nos meios
de comunicação, na internet e nas redes sociais. De fato, a história da
educação no Brasil é marcada por exemplos de superação, carinho e esforço de educadores que amam seu ofício e escolhem a dura
batalha do ensino público como destino, apesar das agruras e dadesvalorização crônica da profissão.
Mas
será que não é possível pensar em um país que garanta condições necessárias
para que exemplos como esse sejam antes uma exceção do que uma regra?
Garantia
de direitos fundamentais para seus estudantes, formação continuada, condições
para inovar, participação da família e o direito à reivindicar tudo isso foram
alguns dos pontos abordados. Confira a opinião dos entrevistados:
1.
Valorização docente
É preciso consagrar a
Lei do Piso em território nacional, em um esforço de universalizá-la e promover
avanços em relação ao seu valor, de forma que a carreira do professor se torne
atrativa. Além disso, é preciso estabelecer uma Base Nacional de Carreira, com
critérios que determinem o avanço do docente em sua atividade. Isso é
fundamental para que o piso não vire teto, ou seja, as remunerações se regulem
por esse valor”.
2 - Formação inicial e continuada Na formação inicial, o
desafio é que as universidades coloquem a educação básica no centro da
formação. De modo geral, há pouco investimento no sentido de transformar a
educação básica em objeto de estudo, pesquisa e trabalho da educação superior.
O ponto principal é: não tem como formar bom professor sem transformar a
educação básica no cerne da formação inicial. A formação continuada, ainda que
apresente boas experiências, também dissemina cursinhos rápidos. A proposta legítima
da formação continuada coloca a sala de aula no centro da discussão e diz de ir
à escola, observá-la, entender seu entorno. Ou seja, não é um curso, é um
processo de reflexão permanente sobre a prática. Sem isso, não há avanços.
Maria Thereza Marcilio, gestora institucional
da Avante
3.
Rede de garantia de direitos fortalecida
Preciso partir da
premissa de que a escola precisa encarnar beleza, educação, ensino, compromisso
e autonomia. Assim, ela pode ser, no seu cotidiano, um projeto de cidade,
estado e nação. Nessa ação, aprende a construir integralidades e reconhece que
as novas gerações perfazem redes de direitos, representações diretas das
comunidades: professores, conselheiros tutelares, gestores, pessoas do apoio,
família, grupos de comunicação. A cada um e cada uma, seus direitos e valores.
Ao encarar a educação na história republicana do Brasil, não há como não
desejar e querer que exijamos saber fazer melhor. Professar é preciso.”
4.
Acesso à cultura
Em muitas formações de
professores das quais participei, como professora e como formadora, as
palestras e debates eram intercalados com apresentações artísticas e culturais
e isso era extremamente rico. Somos sujeitos culturais e por isso é fundamental
entendermos que educação é cultura: é por meio dela que construímos nossa
identidade. Então, é essencial que nosso país seja capaz de garantir na
formação de professores e em seu exercício profissional continuado,
oportunidades de acesso e usufruto de diferentes manifestações culturais,
populares e eruditas e de conhecer as culturas dos territórios e realidades das
quais faz parte.
Claro
que isso vale para toda a população, mas o professor é um agente formador e
multiplicador e se torna um segmento social prioritário em políticas que
garantam acesso à livros, meia-entrada ou entrada franca em museus, exposições
e apresentações artísticas. É importante também não esquecer que, além de
consumidor, o professor é sujeito fazedor de cultura, e isso pode e deve ser
valorizado na sua formação. Enfim, é preciso construir políticas que coloquem a
formação cultural no centro da formação docente.”
Madalena Godoy, professora de Física e
pesquisadora e formadora em Educação Integral no Centro de Referências em
Educação Integral
5.
Condições para criar e inovar na sala de aula
É fundamental olharmos
para o professor não como um reprodutor de práticas e de ferramentas
pré-estabelecidas, mas como um co-autor que, ao compreender as necessidades dos
seus alunos, propõe estratégias que fazem sentido. E, para que ele desenvolva
essa capacidade, algumas condições são essenciais: tempo – não apenas para
planejar, mas para executar. Se ele tiver muito conteúdo para despejar sobre os
alunos, isso não será possível.
A
segunda são referências, pois mesmo as pessoas mais geniais não criam do nada.
Ele precisa de subsídios formativos para ampliar seu repertório e dar um passo
além. Condições básicas de infraestrutura, como bons equipamentos, materiais de
qualidade, acesso à internet, ambiente flexível, são importantes também. Outro
ponto são colaboradores. Além de ser muito mais interessante, criar junto
permite que os desafios que ele vive na escola gerem processos de solução
envolvendo coordenadores, gestores, pais, ONGs… Este espaço aberto é favorável
à inovação. Por fim, o respaldo de políticas públicas para que a inovação seja
encorajada na rede de ensino. Isso dá outra nobreza a profissão. É preciso
pressupor que o professor é capaz de muito mais do que hoje ele é levado a
fazer.”
6. Tempo de planejamento e importância da coordenação pedagógica
Para falar de
coordenação pedagógica é preciso pensar antes que a escola é uma organização e,
portanto, um coletivo. E nada substitui isso. Nessa perspectiva, o coordenador
é articulador e formador. Ele colabora tanto com a integração como na análise e
reflexão da prática do professor. Entra aí, também, a questão de pensar o tempo
de planejamento. Se você pensar bem, ninguém se forma sozinho. Nem o aluno, nem
o professor. E quem colabora para a formação deste sujeito? Aquele que revisa e
revê com ele as suas práticas. Diz respeito a este ciclo eterno de formação e
aprendizagem, próprio da condição humana.”
7.
Gestão democrática: professor pode e deve participar da gestão da escola
Sou entusiasta da gestão democrática porque a participação da comunidade é
fundamental para o bom andamento das unidades escolares e fundamental para a
qualidade da educação. A participação fortalece e envolve toda os agentes da
escola no processo pedagógico e o professor tem um papel fundamental nisso.
Precisamos
fortalecer a gestão democrática, mas ela precisa vir com mecanismos de
acompanhamento, porque não aprendemos a andar agora e é preciso ajudar a
orientar os caminho da escolas”.
8.
Saúde do professor / mediação de conflitos
A questão dos conflitos,
violência e indisciplina em sala de aula é uma das causas de stress e
afastamento dos professores quanto à carreira. Não temos nenhum tipo de
politica pública dentro dessa área que forme o professor para lidar com esses
problemas de convivência. É preciso que o docente se sinta mais apto e seguro
para lidar com esse tipo de situação.
Iniciativas
nessa área são isoladas, e não institucionais e, por isso, têm pouca duração. A
tendência da educação não é discutir a violência em si, mas sim buscar o bem
estar da escola que, no Brasil, atua muito como “bombeiro”. Quando as soluções
passam a ser coletivas e preventivas, professores se sentem mais amparados e
seguros. Quanto melhor o clima escolar, mais o professor permanece, se sente
bem e se envolve com os alunos”.
9.
Condições para que o território seja usado pelo docente como insumo educativo
A atual geração não tem
bons resultados no modelo tradicional de aula. Cada vez mais exige-se que os
professores sejam capazes de garantir protagonismo e engajamento dos alunos. O território é uma possibilidade objetiva de
mediação desse processo, na medida em que o professor pode, com seus alunos,
discutir a história que vem dali, quem circula, o que acontece, que saberes têm
ali.
O
território é cada vez mais um objeto dessa estratégia de mediação do professor
para que ele construa o conhecimento junto ao estudante e, de quebra, consegue
envolver a família, a comunidade, os saberes locais, trazendo para dentro do
processo educativo todo o repertório daquelas crianças. O entorno imediato das escolas
é um espaço vivo que pode ser apropriado no planejamento das estratégias
cotidianas. Isso faz parte de um novo processo de aprendizagem, mais
colaborativo, participativo e horizontal”.
Maria Antonia Goulart, coordenadora do MAIS (Movimento de Ação e Inovação Social)
10.
Liberdade da cátedra dentro da sala de aula
A Constituição Federal
de 1988 (art. 206) definiu, sabiamente, como princípios do ensino brasileiro,
dentre outros: (…) “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber”, bem como “o pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas”. E por que esta definição é importante?
Porque
ela traduz o dever e a responsabilidade do professor ministrar suas aulas a
partir de suas convicções pedagógicas e da sua visão de mundo. E estas
convicções se expressam a todo o momento: a indicação da leitura de um livro ou
artigo, a apreciação de uma obra de arte, a discussão dos valores democráticos
desenvolvidos nas suas aulas, o respeito aos direitos humanos que o cotidiano
escolar expressa e exige”.
11.
Formação tecnológica
A maioria dos
professores brasileiros já é a favor do uso de tecnologia na educação, mas
aponta que é preciso ter formação para a sua aplicação em sala de aula. O uso
das tecnologias como ferramentas de ensino aproxima a escola da realidade
digital já vivida pelo aluno, despertando seu interesse e ampliando suas
possibilidades de expressão. Facilita também a organização de tempo do
professor em sala de aula, possibilitando sua atuação como orientador na
formação dos alunos e a entrega de conteúdos personalizados.
Para
que as crianças e jovens brasileiros tenham oportunidade de usufruir de todas
as possibilidades que o mundo de hoje oferece, a ?in?ternet é fundamental. Em
diferentes países já existem políticas para levar conexão de alta velocidade
para escolas, alunos e professores?,? e o acesso à rede já se tornou parte
integrante do direito à Educação”.
12.
Famílias: políticas que garantam que as famílias se corresponsabilizem e
participem
Em uma comparação com o
dia de outro profissional, como o jogador de futebol, que precisa fazer o gol,
o professor precisa de mais ações de aprendizagem, em todos os sentidos. Isso
inclui a participação das famílias, que vai desde o dar as mãos para a criança
até a escola, se interessar pelas tarefas, apoiar a organização do material,
até o resgate da sua própria aprendizagem neste ritual. É o aprender para a
vida. E de que forma a comunidade pode fortalecer isso? Criando espaços
públicos de participação, como a biblioteca, para contribuir com esse
acompanhamento da aprendizagem. Podemos falar sobre outros espaços, mas a
leitura chama todo mundo. Ler com as crianças, para as crianças, é algo que
volta para a escola. Aí o movimento se cumpre.”
13.
Avaliação docente
Vários planos de
carreira têm colocada a questão da progressão funcional do professor mediante
mérito. Algumas redes de ensino acabam avaliando o docente a partir de
resultados obtidos nas avaliações de larga escala, ou seja, estipulam
benefícios de acordo com o rendimento de seus alunos. Esse caminho, além de
equivocado, é perverso. Vários estudos e pesquisas comprovam que há outras
variantes que interferem no desempenho dos alunos e é muito difícil isolar uma
delas.
Precisamos
compreender que em relação à avaliação e também ao processo pedagógico como um
todo, o professor precisa de domínio e autonomia, mas não aquela autocentrada
em que a avaliação dele sobre o desempenho basta. Acredito numa avaliação
mediada pelo coletivo da escola, até porque ela não é peça descolada de um jogo
e deve vir articulada ao projeto pedagógico da instituição, em que se
questione: onde quero chegar com esses alunos? O que eu desejo para essa
comunidade? Acho que a democratização dos processos de aprendizagem passa por
aí também, de rever os processos de avaliação e, portanto, de acompanhamento
dos alunos, visando uma educação de qualidade”.
Solange Feitoza Reis, integrante do Núcleo de
Educação Integral doCenpec
14.
Priorização da agenda do professorado nas políticas públicas
É fundamental, quando se
fala numa Pátria Educadora, em democracia, em construção coletiva, que os
professores sejam protagonistas das políticas educacionais. São eles que estão
próximos do aluno, conhecendo suas demandas e particularidades. Os docentes são
seres políticos e devem ser considerados como tal. Para isso, temos que propor
uma escuta efetiva, afinal, ele conhece o chão da sala muito mais que um
político ou um intelectual e sabe o quanto é necessária a valorização de sua
posição e o aprimoramento da sua formação, para estar cada dia mais de acordo
com a realidade das escolas, dos estudantes e dos territórios”.
15.
Direito a reivindicar seus direitos
A repressão que vimos
contra os professores paranaenses no Centro Civíco, em 29 de abril deste ano,
mostra exatamente o lugar que a educação pública ocupa na mente dos nossos
governantes. A educação é um direito público fundamental, objeto de propaganda
estatal mas no primeiro sinal de crise, suas verbas são cortadas e ai de quem
ousar falar qualquer coisa contra. Os professores têm o dever de se manifestar
para evitar que as conquistas sejam perdidas e tentar avançar na valorização
docente e na qualidade dos professores, seja na esfera municipal, estadual ou
federal. E os governos têm o dever de nos respeitar”.