terça-feira, 10 de março de 2020

Horta espacial: cientistas conseguem produzir vegetal fora da Terra

Folhas de alface são plantadas e colhidas a mais de 400 quilômetros da Terra. Segundo os cientistas, elas são seguras para o consumo humano e têm propriedades semelhantes às produzidas de forma tradicional. (Os astronautas Scott Kelly e Kjell Lindgren experimentam a alface romana vermelha: de 33 a 56 dias para a colheita).(foto: Nasa/Divulgação).

Por Correio Brasiliense

No cardápio do espaço, não tem alimentos frescos. Em missões tripuladas, os astronautas comem as chamadas rações pré-embaladas. Nozes, chocolate, manteiga de amendoim, carne e frango estão entre as opções processadas. Esses “pratos” são submetidos a procedimentos — geralmente por aquecimento e irradiação — para durarem mais tempo. Apesar da facilidade, a agência espacial americana, a Nasa, tem buscado soluções para deixar as refeições mais naturais. Uma equipe do Centro Espacial Kennedy descreve, na edição deste sábado (7/3) da revista Frontiers in Plant Science, como tem avançado nesse sentido. Eles conseguiram cultivar alface a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS).

A mais de 400 quilômetros da Terra, a plantação de alface romana vermelha não perde em propriedades para a horta tradicional. Segundo os cientistas, as folhagens espaciais são livres de micróbios causadores de doenças, seguras para comer e pelo menos tão nutritivas quanto as terrestres. Isso mesmo tendo crescido sob menor gravidade e radiação mais intensa. O cultivo se deu “sem  perturbações” por 33 a 56 dias, até que Scott Kelly, Kjell Lindgren e outros membros da tripulação comeram parte das folhas maduras — eles congelaram uma parte do cultivo para ser examinada na Terra.

Segundo Christina Khodadad, coautora do estudo, o resultado promissor serve de estímulo para planos ainda mais ousados. A Nasa planeja usar a prática nas próximas missões Artemis-III (programadas para pousar seres humanos no polo sul lunar até 2024) e na primeira missão tripulada a Marte (planejada para o fim da década de 2020).

“A capacidade de cultivar alimentos em um sistema sustentável e seguro para o consumo da tripulação se tornará crítica à medida que a Nasa avançar para missões mais longas. Os vegetais folhosos do tipo salada podem ser cultivados e consumidos frescos com poucos recursos”, detalha Khodadad.

Suplemento natural

A semelhança nutritiva com as alfaces cultivadas na Terra resolve outros problemas. As folhagens espaciais forneceram aos astronautas potássio adicional, além de vitaminas K, B1 e C, nutrientes que são menos abundantes nas rações pré-embaladas e tendem a se degradar durante o armazenamento a longo prazo.

Como controle, os cientistas cultivaram alfaces na Terra sob as mesmas condições do espaço. Isso foi possível porque os dados de temperatura, dióxido de carbono (CO2) e umidade foram registrados na ISS e replicados nos laboratórios do Centro Espacial Kennedy.

Em praticamente todos os ensaios, as alfaces de lá foram semelhantes em composição às daqui, sendo que as espaciais tenderam a ser mais ricas em potássio, sódio, fósforo, enxofre e zinco, assim como em moléculas com atividade antiviral, anticâncer e anti-inflamatória. Ambas as folhagens apresentaram níveis parecidos de antocianina e outros antioxidantes que podem proteger as células de danos causados por radicais livres.

Micróbios

Ao examinar as comunidades microbianos presentes nos dois tipos de plantações, a equipe teve outra surpresa: a diversidade e a identidade de micro-organismos também eram muito parecidas. Dadas as condições únicas da ISS: os cientistas esperavam que elas favorecessem o desenvolvimento de comunidades microbianas distintas.

Segundo Christina Khodadad, nenhum dos gêneros de bactérias detectados é conhecido por causar doenças em seres humanos. Testes adicionais confirmaram que as alfaces não continham micro-organismos que ocasionalmente contaminam as culturas, como Escherichia coli, Salmonella e Staphylococcus aureus, enquanto o número de esporos de fungos e bolores também estava na faixa normal para o consumo humano.

A lista extensa de resultados positivos encoraja a equipe a pensar em experimentos com outras culturas nutritivas a bordo da ISS. “A Estação Espacial Internacional está servindo como banco de ensaio para futuras missões de longa duração, e esses tipos de testes de crescimento de culturas estão ajudando a expandir o conjunto de candidatos que podem ser efetivamente cultivados em microgravidade. Testes futuros vão estudar outros tipos de culturas, como pimenta e tomate, para ajudar a fornecer produtos frescos suplementares para a dieta dos astronautas”, adianta Gioia Massa, cientista do projeto no Centro Espacial Kennedy e coautora do estudo.

Turismo será retomado

A empresa americana SpaceX anunciou que, no ano que vem, enviará três turistas à Estação Espacial Internacional (ISS), algo que não acontece há 11 anos. A companhia de Elon Musk firmou parceria com a Axiom Space para ceder vagas a bordo da cápsula Crew Dragon. A viagem deve ocorrer no segundo semestre e “estabelecerá um marco na marcha rumo ao acesso de rotina e universal ao espaço”, segundo o presidente executivo da Axiom Space, Michael Suffredini. Oito turistas espaciais já viajaram à ISS, nos foguetes russos Soyuz. O primeiro, em 2001, foi o empresário americano Dennis Tito, que pagou US$ 20 milhões pela experiência. O valor da próxima viagem não foi divulgado.

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