Salário:
com nova MP, pagamento pode ser suspenso por 120 dias. para advogados, medida
deixa o trabalhador desprotegido (CSA Images/Getty Images).
Por Tamires Vitorio - Exame
Neste domingo (22), o governo do presidente Jair
Bolsonaro editou uma medida
provisória que permite que contratos de trabalho e salários sejam suspensos por
até quatro meses, o período que dura a declaração de calamidade pública.
A medida faz parte de um pacote para lidar com a
pandemia de coronavírus.
Segundo o governo, a MP é uma forma de “evitar as demissões em massa”.
Mas o que isso implica na vida do trabalhador?
“Na prática isso significa que o governo jogou todo o
ônus da crise econômica nas costas do trabalhador. As empresas estão ganhando
crédito para se manter nessa época. Para o empregado, sobrou a parte ruim”,
explica o advogado trabalhista Ronaldo Tolentino, sócio da Ferraz dos Passos
Advocacia.
Com a MP,
as empresas têm as seguintes opções para lidar com a crise: o empregador pode
dar férias coletivas, pode antecipar as férias individuais ou feriados e pode,
por fim, suspender os contratos e salários.
Durante o período de suspensão, o valor do Fundo de
Garantia (FGTS) não será recolhido. A empresa pode recolher o fundo ao fim dos
quatro meses, sem juros e sem multa.
A CLT prevê
que, quando o trabalhador tira férias, deve receber o salário mais um terço
antes de aproveitar o benefício. Com a MP, se o descanso for antecipado, o
valor pode ser pago somente depois dos quatro meses e o 1/3 até o final do ano,
junto ao 13º.
A MP não garante estabilidade e coloca o “acordo
individual” como principal forma de decisão. Para Tolentino, isso deixa o
trabalhador desprotegido. “Fica complicado: ou você aceita a suspensão do
contrato, ou é mandado embora. É um acordo individual onde as partes não estão
em pé de igualdade”, explica.
Caso as empresas optem por suspender o contrato dos
funcionários, elas devem fornecer um curso de capacitação não presencial. Esse
já era um ponto previsto na CLT.
“Mas como o funcionário vai se alimentar? Como ele vai
pagar a internet para ter acesso a isso? É muito complicado se a gente pensar
na situação brasileira. A maioria dessas pessoas não consegue fazer uma
reserva, recebe o salário e já está tudo ali empenhado com alimentação,
educação, saúde”, afirma o advogado trabalhista Mauricio Corrêa da Veiga, sócio
do Corrêa da Veiga Advogados.
A medida prevê uma ajuda de custo facultativa ao
colaborador no período da suspensão do contrato, sem valor mínimo especificado.
Para o contrato ser suspenso, o funcionário precisa
concordar. Uma vez que ele concordar, não existe outra opção: o contrato
será suspenso, o curso será oferecido e ele terá de esperar o período acabar.
A situação muda caso o funcionário não aceite e a
empresa o suspenda mesmo assim. “Dessa forma a suspensão não tem validade e ele
poderá reivindicar depois toda a verba que ele teria direito nesse período”,
garante Marcelo Mascaro, advogado sócio na Mascaro Nascimento Advogados.
Quando o período de suspensão acaba, na CLT, existe uma
garantia do emprego e o funcionário não pode ser dispensado por um certo tempo.
“A MP não traz nenhuma previsão sobre isso. Para se preservar os empregos,
efetivamente, seria interessante ter um ponto que aborde isso”, afirma Mascaro.
Toletino acredita que a medida pode causar um problema
social grave. “O trabalhador vai conseguir comprar comida, vai conseguir pagar
as suas contas? Em situações mais extremas, pode gerar saques nas ruas”, diz.
Mais cedo, Jair Bolsonaro publicou em seu perfil no
Twitter que “o governo entrará com ajuda nos próximos 4 meses, até a volta
normal das atividades do estabelecimento”. Na MP atual não está previsto nenhum
tipo de auxílio governamental.
Por se tratar de uma medida provisória, ela passa a ser
válida imediatamente, mas precisa ser votada pelo Senado e pela Câmara dos
Deputados em até 120 dias (ou seja, os quatro meses previstos para a
suspensão).
Outros países tomaram decisões econômicas diferentes
para proteger os trabalhadores.
O Reino Unido, por exemplo, afirmou que vai bancar 80%
do salário dos empregados em meio à crise do coronavírus.
Já os Estados Unidos permitirão que trabalhadores de
empresas com até 500 funcionários que estejam contaminados com o vírus tirem
duas semanas de licença remunerada do trabalho, com pagamento integral do
salário durante o período de afastamento.
Em Portugal, quem ficar em casa para cuidar de filhos
menores de 12 anos vai receber dois terços do salário — um terço pago pelo
governo. Os autônomos no país receberão uma ajuda de custo do governo por até
seis meses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário