Estudo inédito da UFPR mapeia relações de Moro e promotores com grupos mais conservadores do Paraná. Políticos
da ditadura, clãs
encastalados nos tribunais e escritórios de advocacia que negociam delações.
A reportagem é de Amanda Audi, publicada por Agência Pública, 13-03-2019.
Para o professor de sociologia Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os integrantes da Lava Jato (incluindo magistrados, procuradores e
advogados) operam em um circuito que chama de “fechado” e que funcionaria “em
rede”.
O professor comanda um grupo de pesquisa chamado “República do Nepotismo”, que utiliza a
técnica da prosopografia (biografia coletiva de determinado grupo social ou
político) para demonstrar que pessoas como Sérgio Moro, Deltan
Dallagnol e advogados ligados às delações são herdeiros de figuras
do Judiciário e da
política paranaenses. O estudo será apresentado na segunda quinzena deste mês.
“Eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque
os pais já se conheciam. Frequentaram as melhores escolas, universidades, têm
sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas
opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria
advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos”, afirma.
Eis a entrevista.
Quais as principais
conclusões do estudo que o sr. desenvolve na UFPR?
Em primeiro lugar, quando a gente pensa na magistratura brasileira e
do Paraná, sempre se deve
entendê-la como unidades de parentesco. São famílias ao mesmo tempo jurídicas e
políticas, uma unidade que sempre opera em rede. Não existe aquela figura, como
alguns imaginam, de pessoas que são “novas”, ou “emergentes”, ou “renovadoras”.
Os resultados mostram que são todos herdeiros de uma velha elite estatal.
Isso inclui os integrantes da
Lava Jato?
Sim, o juiz Sérgio Moro e todo mundo, temos todos os documentos. É
uma elite estatal hereditária porque eles apresentam parentescos no sistema
judicial bastante significativos. Não apenas parentesco, mas também relações
matrimoniais, de amizade e de sociabilidade. Há também a dimensão do
corporativismo. Se forma um grande circuito formativo ideológico, de
convivência, que tem determinados padrões e valores hereditários. O
próprio Sérgio Moro, uma figura central, filho de um professor
universitário, tem como primo um desembargador, o Hildebrando Moro. Ter um parente no Tribunal de Justiça, para os códigos internos, faz muita
diferença. Na nossa interpretação, é um sistema pré-moderno. Ele não funciona
através de regras impessoais ou de aspectos técnicos, mas com muito poder
pessoal. De modo que o ator, na magistratura, tem uma capacidade incrível de
determinar a agenda, a temporalidade dos processos, no sentido de escolher os
que quer acelerar e aqueles que serão adiados.”
Existe relação de proximidade
entre magistrados, procuradores e advogados da Lava Jato?
Sim, é o mesmo circuito. Tem o caso da esposa do Moro, a Rosângela Maria Wolff Quadros, que é advogada. Ela está situada
dentro do clã da família Macedo,
genealogia extremamente importante no Paraná, que atinge atores nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e no empresariado.
Como Rafael Greca de Macedo [prefeito
de Curitiba], o Beto Richa [governador do Paraná licenciado] e um conjunto de empresários e
desembargadores do Tribunal de Justiça.
Até se usa o termo “Macedônia”,
dada a importância da família
Macedo. E a família Wolff é
típica do poder local de São
Mateus do Sul [interior do Paraná], é uma estrutura que vem da República Velha, do coronelismo. Ela, como advogada, tem relações profissionais
com a Apae. E aí há uma
conexão direta com a família Arns. Flávio
Arns foi senador, vice-governador, ator de atividades
assistenciais. E com o advogado Marlus
Arns de Oliveira, que é sobrinho do Flávio Arns.
Qual a relação entre eles?
É uma relação profissional [da esposa de Moro] com a família Arns e com as Apaes. Eles trabalharam juntos com
as Apaes. O Marlus Arns é advogado de muitos
acusados da Lava Jato nas
delações premiadas. Chegou até a defender Eduardo Cunha. Em matérias da imprensa sobre advogados amigos
do Sérgio Moro, como
o Carlos Zucolotto, e as
questões sobre Rodrigo Tacla Duran,
mostra a partir do casal uma indústria jurídica da Lava Jato, em que muitos dos principais advogados da Lava Jato têm relações próximas
com os operadores.
Quais casos foram
identificados pelo grupo de pesquisa?
O do procurador Diogo Castor de Mattos, que era filho do falecido procurador Delívar Tadeu de Mattos. Ele foi
casado com Maria Cristina Jobim
Castor, que era irmã de Belmiro
Valverde Jobim Castor, que foi empresário, secretário de Estado,
do Bamerindus, um nome
muito importante na política. No escritório da família, o Delívar de Mattos & Castor,
trabalha um irmão do procurador, que se chama Rodrigo Castor de Mattos. Ele foi advogado do marqueteiro João Santana. É mais uma relação
direta de parentesco, que corrobora que é uma indústria advocatícia da Lava Jato muito próxima dos seus
protagonistas.
Há situações parecidas com
outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba?
O Carlos
Fernando dos Santos Lima é filho de Osvaldo Santos Lima, que foi procurador, deputado estadual
da Arena e presidente
da Assembleia Legislativa do
Paraná em 1973. Ele também tem dois irmãos no Ministério Público. A esposa dele teve
relação com o Banestado [banco
paranaense que deu origem a escândalo de corrupção nos anos 1990 e Carlos Fernando investigou].
O Deltan Dallagnol é filho do ex-procurador Agenor Dallagnol. Ele passou no
concurso sem ter os dois anos de formado, o pai foi o advogado [na apelação
da União, em que a Justiça deu vitória ao
procurador] . Todos os operadores da Lava Jato também são extremamente conservadores e têm perfil
à direita, semelhante aos
seus parentes que faziam parte do sistema na ditadura. Naquela época, seus pais eram gente do establishment.
E eles herdam a mesma visão de mundo. É uma elite social, política e econômica.
Os integrantes da Lava Jato
vivem em um meio comum?
Sim, eles se conhecem muitas vezes desde a infância,
porque os pais já se conheciam muitas vezes. Eles frequentaram as melhores
escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma
bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm
conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos que
atuam no sistema judicial.
Na pesquisa, o sr. ouviu
falar sobre advogados que conseguem acordos de delação com a Lava Jato fazerem
parte de um mesmo grupo?
É exatamente o que os resultados revelam, porque alguns
principais advogados da indústria da delação são nomes com conexão com as
famílias da Lava Jato.
O mesmo se aplica aos
tribunais superiores na Lava Jato?
O circuito é o mesmo quando você analisa o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [TRF-4]. Tem o João Pedro Gebran Neto, neto do
ex-diretor-geral da Assembleia
Legislativa do Paraná. Ele vem de uma das mais tradicionais famílias
da Lapa, de onde sai boa
parte das famílias que dominam a política paranaense nos anos 1970. Victor Luiz dos Santos Laus é
bisneto do fundador do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina. Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4, é neto do desembargador ministro Thompson Flores, que foi do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a ditadura militar, uma das principais
genealogias do Rio Grande do Sul.
O ministro Felix
Fischer, mesmo sendo alemão, é casado com uma procuradora de Justiça do Paraná aposentada. Ele
tem três filhos no Judiciário
paranaense. Depois, no STF,
temos o Edson Fachin, que
tem a mesma dinâmica familiar. É casado com uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná. A filha
dele é advogada do escritório Fachin
Advogados Associados e é casada com Marcos Alberto Rocha Gonçalves, filho de Marcos Gonçalves, executivo do
grupo J&F, da família dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Há um verdadeiro circuito que
começa no Moro e vai
até o Fachin. Todos com o mesmo perfil: família, ação política,
conexões empresariais, com escritórios advocatícios, ideologia propensa à
direita, de uma elite estatal muito antiga que opera em redes familiares.
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