Governo finaliza plano que
movimentará ao menos 40 bilhões de euros e é a grande aposta da coalizão no
poder para atender ao anseio dos alemães. Crise climática é tida como a maior
preocupação nacional. Foto: chanceler Angela
Merkel nesta quinta-feira. FABRIZIO BENSCH (REUTERS).
Por Ana Carbajosa Vicente – El País
Angela
Merkel joga seu legado como chanceler do clima nesta semana. O Governo
alemão apresenta nesta sexta-feira um ambicioso e multimilionário pacote de
medidas ambientais, com o qual Berlim pretende assinalar um marco global na
luta contra a crise ambiental. Trata-se, além disso, de que a Alemanha, país
que como poucos levantou a bandeira do ambientalismo e da luta
multilateral contra a mudança climática, mude o rumo e possa cumprir os compromissos
internacionais de redução dos gases de efeito estufa. Transporte, agricultura e
habitação são apenas alguns dos setores que serão afetados na primeira economia
europeia por uma série de medidas que deverão somar ao menos 40 bilhões de
euros, segundo vários meios de comunicação.
Esta é provavelmente a grande iniciativa política da
atual legislatura, a última da chanceler Merkel. Os planos de refundar a Europa
e o resto dos desafios globais são pouco menos do que letra morta, em
uma Alemanha à beira da recessão e da falta de tração política. Isso, da
porta para fora. Em casa, a grande coalizão que os conservadores do bloco de
Merkel (CDU/CSU) compartilham com os socialdemocratas (SPD) balança e ameaça se
romper, devido em parte à profunda crise pela qual o parceiro minoritário está
passando. Além disso, no final do ano, os parceiros da grande coalizão devem
fazer um balanço e decidir se vale a pena continuar juntos. Portanto, esse
pacote climático é decisivo. “Hoje é o dia do ano para a política alemã”, diz a
edição digital da Der Spiegel desta quinta-feira. “A coalizão
luta esta semana não apenas pelo clima, mas principalmente por sua própria
sobrevivência”, acrescenta a publicação.
O documento, que começou a ser negociado nesta
quinta-feira até o último minuto, e se estendeu até esta sexta é vital para um
Governo que precisa demonstrar que funciona e que é capaz de produzir
resultados tangíveis em um país em que a crise climática se tornou a primeira
preocupação dos cidadãos, segundo as pesquisas. Nasce em boa parte como
resposta à vertiginosa ascensão do Partido Verde alemão e coincidindo com a
megamobilização ecologista que deve levar centenas de milhares de pessoas às
ruas nesta sexta-feira em todo o país, com atos em centenas de países. E também
acontece três dias antes da realização da cúpula do clima pelas
Nações Unidas, em Nova York, onde, se o pacote for finalmente aprovado, Merkel
poderia voltar a exercer uma liderança ambientalista, depois de ter feito a
lição de casa, ou ao menos lançado as bases para fazê-la.
A verdade é que, por enquanto, a aura ambientalista
daquela que foi batizada de “chanceler do clima” empalidece. Merkel decretou o
fechamento das centrais nucleares, lançou uma mastodôntica transição de energia
e enfrentou o negacionismo
climático de Donald Trump. Mas a verdade é que a chanceler não esteve à
altura de sua reputação e de suas palavras. Se Berlim não fizer nada para
reverter a situação atual, a Alemanha,
o sexto país do mundo que mais lança CO2 na atmosfera, reconhece que não
cumprirá seus objetivos de reduzir 40% de seus gases de efeito estufa até 2020
em relação com os níveis de 1990 e que está a caminho de descumprir seu
compromisso europeu de reduzir 55% até 2030.
Para evitar o descumprimento e ao mesmo tempo dar um
impulso à indústria alemã, lançam agora essa grande iniciativa que faz parte do
contrato que os partidos assinaram para forjar a coalizão de Governo e que são,
há meses, objeto de intenso debate no seio do chamado Gabinete do clima. Dele
participam os ministros com responsabilidades em setores-chave para a luta
contra a mudança climática. A preocupação dos partidos é conseguir que as novas
políticas não prejudiquem a indústria e que tampouco penalizem
desproporcionalmente a classe trabalhadora.
Merkel disse há alguns dias que “proteger o clima é um
desafio para a humanidade”, enquanto o vice-chanceler, o socialdemocrata Olaf
Scholz, disse que trabalham em “um pacote climático muito ambicioso”.
Conservadores (CDU) e socialdemocratas (SPD) compartilham o objetivo, mas
diferem em como alcançá-lo.
Colocar um preço nas emissões de CO2 nos setores do
transporte e da construção e estabelecer um mecanismo de comércio das emissões
é uma das principais medidas e também um ponto de desacordo entre os membros do
Governo. O partido Socialdemocrata prefere estabelecer uma taxa para o dióxido
de carbono, à qual os conservadores se opuseram: a CDU escolhe colocar preço e
comercializar as emissões poluentes.
Encarecer
os voos domésticos e baratear as passagens de trem e de transporte
público em geral é uma das medidas que devem estar no pacote. Os políticos
alemães também estão considerando aumentar os pedágios para os carros mais
poluentes, incentivar os elétricos, proibir a calefação a diesel a partir de
2030 e a adaptação da agricultura a práticas de baixas emissões são algumas das
medidas colocadas na mesa de negociações.
Apesar de sua envergadura, os planos não impressionaram
as organizações ecologistas. Tobias Austrup, especialista em energia do
Greenpeace na Alemanha, acredita que o pacote “só tem pontos fracos. O Governo
quer conseguir muito apenas com subvenções e não com medidas vinculantes. Esses
planos atingirão apenas metade das reduções comprometidas até 2030”, diz o especialista
por telefone. Acelerar a eliminação do carvão —2030 em vez do 2038 previsto—,
que dentro de seis anos todos os carros à venda sejam elétricos ou uma profunda
revisão da política agrícola que passe pela redução da produção de carne são as
prioridades do Greenpeace.
Benefícios colaterais
Além de atingir os objetivos ambientais, a ideia é que
o pacote alemão produza benefícios colaterais, como a modernização das
infraestruturas e do tecido industrial, além de proporcionar investimentos
públicos em uma economia que precisa de incentivo e está à beira da recessão.
Na segunda-feira, Scholz alertou que Berlim tem recursos suficientes para
financiar o pacote climático sem romper o sacrossanto equilíbrio orçamentário.
A resistência alemã ao endividamento, apesar da forte pressão externa para
aplicar estímulos, ficou mais uma vez em evidência, principalmente quando se
trata de uma questão, a ambiental, que conta com o apoio importantíssimo da
população. Mas o temor é que, ao mesmo tempo as restrições ambientais imponham
custos à indústria em um momento delicado para a economia. A principal
preocupação do SPD é que a proteção ambiental não acabe penalizando os que têm
menos.
“Por um lado, queremos que as medidas de proteção
climática sejam efetivas para cumprir nossos compromissos, [...] mas, por
outro, queremos ser economicamente sensatos e que as medidas sejam socialmente
aceitáveis, para que todo mundo possa pagar pela proteção ambiental”, explicou
Merkel.
Mas, para além das evidências científicas e dos
possíveis efeitos econômicos, a verdade é que o pacote é resultado da pressão
política e cidadã, que empurra os partidos do Executivo alemão. Em primeiro
lugar, os Verdes. A formação ecologista experimenta uma ascensão contínua há
meses, que a colocou em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, muito
à frente dos socialdemocratas e não muito longe do bloco conservador de Merkel.
À contenda partidária se acrescenta a efervescência ecologista de uma cidadania
para a qual o meio ambiente se tornou uma de suas principais preocupações e que
nesta sexta-feira deve sair em massa às ruas para apoiar uma convocação
do Fridays
for Future, o movimento estudantil iniciado por Greta Thunberg.
Veja
também: Estudantes lideram protesto global contra a mudança
climática às vésperas da cúpula da ONU
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