Ainda há um contingente profissional na PF. Os abusos
denunciados, agora, pela Folha, foram levantados há dois anos pelo repórter
Marcelo Auler, e passaram intocados pela mídia corporativista na fase de
cumplicidade.
Por Luis
Nassif
Acompanhei
os primeiros passos da modernização da Polícia Federal. Planejamento
estratégico, programas de qualidade, inovação tecnológica, eram os pontos da
nova agenda modernizante. Um dos responsáveis externos pelo trabalho me dizia
que os policiais colocavam no peito broches saudando a nova PF, e orgulhavam-se
da missão proposta, de ser um FBI dos trópicos.
Nos
contatos com delegados, ouvia relatos sobre o uso das novas tecnologias e as
parcerias com o FBI, que permitiram localizar o comendador Arcanjo, o grande
bicheiro de Mato Grosso, cujos recursos ajudaram a expandir o agronegócio
local.
A
reportagem de hoje, da Folha, sobre o engavetamento de um inquérito interno sobre grampos,
apesar de proposto por procuradores, mostra que a Lava Jato contaminou todo o
sistema de justiça do Paraná, do judiciário à PF. De empresa modelo, parte da
PF se transformou em uma praticante de atos ilícitos. Não apenas nos grampos
ilegais, mas na perseguição a delegados que tentaram preservá-la das
ilegalidades a que era induzida por Sérgio Moro. E contaram com a plena
cumplicidade de juízes paranaenses, aliados dos delegados em ações cíveis
destinadas a calar as críticas.
Esse
desmonte da PF começou com a Operação Satiagraha e o afastamento do delegado
Paulo Lacerda por Lula, curvando-se a pressões do Supremo Tribunal Federal. Na
época, o ex-Ministro Márcio Thomaz Bastos procurou a então chefe da Casa Civil
Dilma Roussef e praticamente implorou para que convencesse Lula a não efetivar
a demissão. A demissão implicaria em romper a paz interna da PF, submetendo-a
aos embates internos de grupos partidarizados.
Sou
testemunha desse processo. Fui intimado como testemunha de um inquérito interno
destinado a apurar suposta venda de dossiês por setores da inteligência da PF
contrários à Lava Jato. A denúncia havia partido da revista Veja,
seguindo o jogo habitual de procuradores e delegados: plante uma denúncia e,
com base nela, abra um inquérito.
Apenas na
hora do depoimento me apresentaram o dossiê, indagando se eu conhecia o
conteúdo. E aí me dei conta de que a única evidência de “vazamento” era o que
havia saído no GGN. Só que era um artigo meu que foi copiado, sem o devido
crédito, para dar a aparência de dossiê secreto.
O artigo
era sobre a influencia de Rosangela Moro nas APAEs (Associação dos Pais e
Amigos dos Excepcionais) do Paraná, e sua parceria com Marlus Arns, sobrinho de
Flávio Arns que, como Secretário de Educação do Paraná, havia destinado R$ 450
milhões às APAEs. O tal dossiê era álibi para atacar grupos críticos da Lava
Jato.
Havia
publicado o artigo muito antes da Lava Jato. E inclui Rosangela quando Marlus
se tornou advogado de delação e um evento na ONU revelou que ela era diretora
jurídica da APAE Paraná, que encaminhava a Marlus todas as ações da entidade.
Ainda há um
contingente profissional na PF. Os abusos denunciados, agora, pela Folha, foram
levantados há dois anos pelo repórter Marcelo Auler, e passaram intocados pela
mídia corporativista na fase de cumplicidade.
Agora, a
denúncia mostrou o fim da parceria que garantia os abusos da Lava Jato. É
possível que, agora, o lado profissional da PF se dê conta dos prejuízos
causados pelos delegados que se deixaram contaminar pelo clima da Lava Jato – e
que hoje ascenderam à cúpula da PF levados por Sérgio Moro. Eles são a maior
ameaça à perpetuidade de uma PF profissional, que volte a ser orgulho do país.
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