Médici, Geisel e
Figueiredo tinham suas opiniões, mas sabiam que na Presidência deviam ouvir os
profissionais. (Foto: Revista Grandes Figuras)
Por O Globo
A declaração de Jair Bolsonaro de que a derrota de Mauricio Macri na prévia eleitoral argentina pode significar uma vitória da “esquerdalha” de Dilma Rousseff, Hugo Chávez e Fidel Castro foi coisa inédita, assombrosa. Ele pode achar o que quiser, mas não tem mandato para meter o Brasil numa disputa eleitoral argentina. Falando de questões internas, pode se intitular “Capitão Motosserra” ou expor sua teoria da relação do meio ambiente com o cocô. Bolsonaro é assim e, sem dúvida, prefere ver os brasileiros discutindo cocô, em vez do cheiro de uma recessão na economia.
Bolsonaro não gosta dos governos civis que o
antecederam. Tudo bem. Ficando-se com os exemplos que lhe deixaram os
militares, salta aos olhos uma lição: falta-lhe um chanceler ou, pelo menos, um
ministro das Relações Exteriores com as qualidades profissionais de Mario
Gibson Barboza (governo Médici), Azeredo da Silveira (Geisel) e Saraiva
Guerreiro (Figueiredo). Os três descascaram abacaxis nas relações com a
Argentina sem criar atritos. Graças aos dois primeiros, conseguiu-se negociar
em relativa harmonia a construção da Hidrelétrica de Itaipu.
Médici aguentou um desaforo do general-presidente
Agustín Lanusse. Numa visita a Brasília, ele enfiou um caco no discurso que fez
no Itamaraty, e sua comitiva chegou à grosseria de cortar do comunicado
conjunto uma referência à “inquebrantável amizade” dos dois países. Na costura
da calma estava Mario Gibson.
Lanusse foi substituído pelo demagogo larápio Juan
Perón. Tinha tudo para acabar em encrenca. Ele vivia exilado na Espanha. Em
1964, tentou descer na Argentina mas foi barrado pelo governo brasileiro no
aeroporto de Galeão e teve que voar de volta. Ainda por cima, era amigo do
presidente deposto João Goulart e assumiu criando dificuldades para a construção
de Itaipu. O general Ernesto Geisel detestava-o e disse ao embaixador
brasileiro em Buenos Aires, Azeredo da Silveira, que não negociaria “com quem
está de má-fé, sem honestidade de propósitos”.
O diplomata não havia sido convidado para o ministério
e sabia que estava numa sabatina, mas disse ao general: “Mesmo assim, é preciso
negociar”. Geisel negociou.
Perón morreu sem que a ditadura brasileira encrencasse
com seu governo ou com o de sua substituta, a vice Isabelita, uma ex-dançarina
de cabaré panamenho.
Coube a Saraiva Guerreiro, o chanceler de João
Figueiredo, o melhor lance da diplomacia dos generais com a Argentina. Em 1982,
ela era presidida pelo general Leopoldo Galtieri, um cavalariano chegado ao
copo, que mantinha boas relações com Figueiredo. Em 1982, com a popularidade em
baixa, Galtieri resolveu invadir a possessão britânica das Ilhas Malvinas. Se
dependesse de Figueiredo e dos militares que o cercavam, o Brasil ficaria do
lado da Argentina. Coube a Guerreiro tomar distância. Não podia ficar perto da
maluquice de Galtieri, mas também não podia se aproximar da inevitável vitória
dos ingleses. Algo como tirar a meia sem descalçar o sapato, e Guerreiro
conseguiu.
(Meses depois, a diplomacia brasileira conduziu uma
gestão para que os ingleses devolvessem o capitão Alfredo Astiz, que se rendeu
nas Malvinas. Tremenda sorte a de Astiz, pois recebeu o tratamento que merecem
os soldados. Ele havia sido um dos maiores assassinos da ditadura militar
argentina que sucedeu a Isabelita Perón. Era apelidado de Anjo Ruivo da Morte.
Está na cadeia.)
Médici, Geisel e Figueiredo tinham suas opiniões, mas
sabiam que na Presidência deviam ouvir os profissionais. Por sorte, tiveram
Gibson, Silveira e Guerreiro.
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