Veja abaixo se sua praia está na lista e conheça 65 pedidos de municipalização, dos quais
37 foram aprovados. Especialistas apontam falta de participação social e risco
de abusos
Por Natalia Viana – Agência Pública
Antes controladas
pela União, praias urbanas passam a ser geridas por municípios;
Foram feitos 65
pedidos para municipalização até agora;
Planos de exploração
comercial incluem ações de marketing, casamentos e barco viking;
Desde julho do ano passado, a gestão das praias pode
ser feita pelas prefeituras municipais. A mudança, autorizada por uma portaria
do presidente Michel Temer, deve trazer mudanças significativas nos próximos
anos. As praias brasileiras pertencem à União, e até então quem geria comércios
e o uso privado do território da orla em todo o Brasil era a Secretaria do
Patrimônio da União (SPU). Quando havia eventos, o município tinha que ter
autorização e pagar uma taxa de uso do espaço ao governo federal.
A partir de agora, municípios poderão gerir suas praias
urbanas por um período de 20 anos, prorrogáveis indefinidamente. Eles precisam
encaminhar um pedido para ser aprovado pela SPU.
Até março deste ano, segundo a SPU, foram feitos 65
pedidos de municipalização, dos quais 37 foram aprovados – incluindo cidades
como Santos (SP), Ubatuba (SP), Balneário Camboriú (SC), Fortaleza (CE),
Niterói (RJ), Maceió (AL), Angra dos Reis (RJ), Ilhéus (BA), Recife (PE) e Guarujá
(SP). (Veja aqui todos os nomes).
Houve três pedidos negados porque nos municípios de
Apicum-Açu (MA), Caravelas (BA) e Icapuí (CE) não existem praias urbanas, de
acordo com a SPU. Os demais seguem em análise.
A grande vantagem para os municípios é que eles vão
poder ganhar dinheiro com o aluguel de praias para eventos, sem nenhuma
restrição sobre como ele será gasto, já que a receita não é vinculada a nenhuma
área específica.
Por outro lado, serão agora as prefeituras que vão
fiscalizar o uso inadequado da orla, como construções sobre a faixa de areia,
fechamento do acesso ou a privatização das praias.
A Pública procurou todos os 37 municípios que receberam
a concessão para saber quais os planos das prefeituras. Recebeu 15 respostas.
A maioria das prefeituras afirma que a gestão será mais
fácil e ágil, sem ter que passar pela aprovação da SPU para lidar com questões
como concessões para quiosques e eventos. E muitas responderam que esperam
arrecadar mais.
Na pequena Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, a
prefeitura diz já ter aumentado sua arrecadação no verão 2017-2018. “Com a
medida, a gestão de bares e restaurantes, bem como da orla, ficará a cargo do
município, o que gera uma economia de R$ 500 mil a R$ 800 mil por ano”, disse a
assessoria de imprensa. A prefeitura prevê a possibilidade de “realizar ações
na faixa de areia, como a divulgação de eventos”.
Thaís Margarida, secretária de turismo do Guarujá,
município que conta com 27 praias e é o segundo mais frequentado do litoral
paulista, diz que a nova lei trará uma liberdade maior, e destaca a verba
obtida com casamentos na praia, que poderá ir para o fundo municipal de
turismo. Ela faz as contas: “Um casamento com seis bancos e um pergolado,
cobramos uma taxa de R$ 1.500. A cada sábado, podemos ter dois, três casamentos
por praia”.
A cidade de Fortaleza, no Ceará, está bastante
adiantada com os planos de exploração econômica da orla. A prefeitura diz que
já tinha a necessidade de gerir a sua praia, “já que em toda a sua extensão
possui diversos serviços e atividades de comércio e realiza shows e eventos”.
Há cinco anos, o município iniciou a construção de um polêmico aquário à
beira-mar que foi alvo de protestos populares. Até hoje não foi concluído,
apesar de ter consumido mais de 130 milhões de reais, e deve ser entregue à
iniciativa privada.
Agora, a prefeitura da capital cearense quer ainda mais
empreendimentos turísticos: “Os espigões da praia de Iracema e da avenida
Beira-Mar receberão intervenções, como a roda-gigante de 60 metros de altura e
heliporto em diferentes pontos. A roda-gigante é uma das iniciativas do
programa de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). A empreitada já
possui investidores de empresas locais e do estado de São Paulo interessadas no
projeto. O espigão do Náutico ainda terá um barco viking, carrossel e um café,
incluídos na concessão”, explicou o governo municipal, por e-mail.
Para a prefeitura de Maceió, capital do Alagoas, a
fiscalização será mais fácil, sendo possível até mesmo demolir ocupações
irregulares. “Além de evitar a degradação ambiental, proveniente da edificação
de obras em desacordo com a legislação pertinente, e redução dos problemas
ocasionados pelo excesso de barracas, quiosques e outras construções que possam
restringir o acesso à praia, ou causar poluição visual”, disse a assessoria de
imprensa.
Maria Heloísa Beatriz Cardozo Furtado, da Secretaria do
Meio Ambiente do Balneário Camboriú, em Santa Catarina, concorda: “A expectativa é de uma melhor
ordenação e fiscalização dos espaços e usos da faixa de praia respeitando as
características de cada uma delas”.
Questionada sobre possíveis usos econômicos, ela é
taxativa: “Já existe exploração econômica nas praias. A transferência para o
município da gestão já está permitindo maior controle e fiscalização desses
espaços comercializados”.
Confusão e falta de fiscalização
Alguns dos especialistas e secretários ouvidos pela
Pública demonstraram que a nova regra ainda traz muitas dúvidas.
“Essa coisa de praia urbana tem de ser por
interpretação, há praias que têm estrutura de água e eletricidade, mas não
entra carro, só barcos. A gente pode fazer uma interpretação e outro órgão ter
outra interpretação”, diz Mário Reis, secretário de Meio Ambiente de Angra do
Reis, município do Rio de Janeiro que possui mais de 2 mil praias, entre as
quais “cerca de 20” se encaixam na nova legislação, nas suas palavras.
As incertezas não param por aí. “Há muitas dúvidas
processuais ainda, como se existirá algum controle da SPU sobre esta
implementação, sua eficiência”, diz o oceanógrafo Leopoldo Gerhardinger, que
participa da rede Ouvidoria do Mar.
Gerhardinger explica que membros da sociedade tiveram
apenas uma pequena participação das discussões sobre a portaria no Grupo de
Integração do Gerenciamento Costeiro (GI-Geco), subordinado à Comissão
Interministerial para Recursos do Mar. “O que nós conseguimos – que é o mínimo
– foi que para poder ter essa concessão o município tem que ter o Projeto Orla.
Queriam que passasse mesmo sem adesão ao Projeto Orla”.
O projeto Orla prevê um plano de ordenamento urbano das
praias e estabelece a gestão com participação da sociedade civil e atuação de
órgãos municipais e estaduais através de um Comitê Gestor da Orla. Seu papel é
monitorar o uso que está sendo dado para as praias – ampliando a fiscalização e
a participação da população.
As prefeituras têm até três anos para se adequar.
O prazo é longo demais na visão do arquiteto Luciano
Roda, que é ex-coordenador de Gestão Patrimonial e ex-diretor de Destinação
Patrimonial na SPU. Para ele, a “folga” pode permitir que abusos se tornem
permanentes. “A regulamentação deu um enorme espaço de tempo para a elaboração
dos planos de gestão, permitindo que absurdos se consolidem e perdendo a
oportunidade ímpar para a implantação do Projeto Orla”.
É a mesma preocupação da procuradora da República
Gisele Porto, que atuou na discussão da portaria. “Pelo visto alguns municípios
estão assinando e ponto final. Não estão se preocupando em dar início ao
cumprimento das exigências que levam tempo e têm prazo”, diz. Ela adverte ainda
que “no momento existe uma grande pressão para que a SPU mude o termo e retire
a exigência da implementação do Projeto Orla, que tem início no município”.
“Mas isso seria um escândalo”, completa.
A procuradora do MPF alerta que atividades permanentes
que privatizem a praia continuam proibidas por lei.
Porém, não existe ainda nenhuma definição sobre como a
SPU vai monitorar se as prefeituras estão cumprindo o seu papel e gerindo bem
as praias, mantendo o uso público e o livre acesso como prioridade.
Procurada pela Pública, a SPU afirmou que irá “elaborar
indicadores e metas básicas para acompanhar a situação das praias cuja gestão
foi transferida aos municípios”, mas não indicou quando. A secretaria estuda
ainda criar um grupo de trabalho para acompanhar a implementação da nova regra,
mas não explicou como ele vai funcionar. “Suas atribuições e composição serão
definidas na portaria que o instituir”, diz a nota.
Interesses privados
Outra das preocupações da sociedade civil é que a nova
portaria incite um boom de privatização nas praias.
Para o secretário de Mário Reis, de Angra, isso não
será um problema, já que grande parte dos condomínios que impedem o acesso às
praias não está em áreas urbanas. “Nós, em Angra, combatemos a privatização de
praias há anos, inclusive porque somos cobrados pelo Ministério Público. Vários
condomínios antigos aqui tiveram que se adequar e, por uma ação do MP tiveram
que fazer um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] e permitir o acesso público
à praia.”
No entanto, ele admite que condomínios e hotéis que
usam a praia como se fosse uma área privada vão, sim, entrar na nova lei. “Na
Praia Grande, o acesso à praia é depois das propriedades, que são pousadas,
restaurantes, o próprio hotel que limita e faz uma frente para si. Nesse caso,
a nossa gestão vai ser com relação ao uso da praia, se o hotel vai poder botar
espreguiçadeira, se vão poder botar mesas e cadeiras, se vai poder ter
atividades esportivas, eventos.”
Na visão do arquiteto Luciano Roda, o principal risco é
a falta de transparência. “A gestão sem o controle social pode gerar
empreendimentos prejudiciais que gerem impactos e contrariem os interesses da
maioria da população. Sem a pressão, a participação da sociedade e a
transparência da gestão, com espaços definidos para a participação, a pressão
do poder econômico corre fácil, possibilitando os abusos.”.
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