Remover obstáculos ainda
existentes para uma educação mais inclusiva, mais respeitosa, que combata
preconceito por gênero ou identidade de gênero, é, portanto, algo de interesse
de todo mundo
Cabe, então, falar porque tratar desse tema nas escolas e fora dela seria
muito positivo para a democracia e os direitos individuais.
Porque
é consistente com a igualdade de direitos entre gêneros.
Se quisermos uma sociedade onde homens e mulheres
tenham mesmo direitos iguais e participações em seu pleno potencial na
política, no trabalho, nas artes e nas ciências, devemos o quanto antes
discutir sobre o machismo nas nossas escolas.
Porque
reduzirá a violência doméstica e/ou contra a mulher.
Entidades de defesa da mulher estimam que dos 50 mil
homicídios/ano do Brasil, algo entre 2 mil e 4 mil referem-se a mulheres mortas
por seus companheiros ou parceiros. Como quase não acontece o contrário (em
raros crimes passionais), só podemos atribuir essa tragédia, um pouco minorada
desde a Lei Maria da Penha, a um consciente coletivo que ainda e sempre
reproduz um imaginário machista. Começar a falar dessa questão o quanto antes
ajudará nossos meninos e meninas a não se transformarem nos agressores e
vítimas da próxima geração.
Porque
reduzirá o problema do aborto.
No Brasil acontecem estimados 700 mil a 1 MM de
abortos/ano e, na ausência de despenalização do mesmo, o recurso a clínicas
clandestinas é a regra. Perigosa, pois resulta em 200 a 300 mortes/ano de
mulheres jovens. Um maior conhecimento sobre métodos contraceptivos e educação
sexual seguramente reduzirá essa calamidade.
Porque
reduzirá a delinquência juvenil.
Ainda como consequência da não-discussão de questões de
gênero e sexuais em escolas o que temos? Uma taxa elevada de gravidezes
precoces entre adolescentes, não raro levando os pais a deixarem a escola. E o
que acontece quando jovens vêem truncada sua vivência escolar? Menores
oportunidades para empregos bem remunerados. As novas mães nessas condições
terão piores condições para criar seus filhos e seus parceiros, se é que numa
sociedade machista reconhecerão a paternidade, premidos pelos encargos, serão
alvo relativamente mais fácil de recrutadores para atividades criminosas.
Porque
reduzirá a homofobia e a transfobia.
O Brasil expõe uma face muito feia ao Mundo hoje em
dia: segundo mais de uma fonte/ONG em nosso país ocorrem de 40 a 50% dos crimes
de ódio por esses motivos, quando o país é responsável, com apenas 3% da
população mundial, por 10% dos assassinatos em geral. E pessoas trans são
especialmente vitimadas, algo como metade desses crimes. Pois bem, falar de
gênero e sexualidade é também falar sem preconceitos da inclusão de pessoas
LGBT. Temos a oportunidade de criar novas gerações respeitosas e inclusivas. E
será fortemente minorado o cruel drama de pessoas trans serem rejeitadas por
suas próprias famílias, verem truncada sua escolaridade e depois verem
praticamente impedida sua inserção no mercado formal de trabalho. Como parte da
superação de vergonhas nacionais, experimentaremos uma forte redução das
motivações para adolescentes tentarem o suicídio.
Porque
aumentará a inclusão de minorias religiosas. No Brasil há uma
grande maioria religiosa, a dos católicos não-dogmáticos, que não vê problemas
na manutenção incondicional do ensino estritamente laico. E por todos os
motivos acima expostos têm interesse na evolução da sociedade.
Afora isso há inúmeras minorias religiosas e também
não-religiosas que aceitam esses mesmos pressupostos. Pois bem, falar de gênero
nas escolas é também não permitir que crenças religiosas pautem o ensino, que
fica assim subordinado apenas à racionalidade da ciência. E isso é de total
interesse para minorias, por óbvio. Dificilmente veremos ateus, espíritas,
judeus, protestantes não-pentecostais, pessoas de religiões orientais ou de
matriz africana sendo contrárias ao Estado Laico. Se desejam influenciar suas
famílias de algum modo, a escola pública nunca lhes foi o lugar para isso.
Mas devemos olhar também pela perspectiva das minorias
cuja formação religiosa leva a objetar o ensino de questões de gênero em
escolas públicas (vulgo “ideologia de gênero”) Estas são basicamente os
católicos tradicionalistas e evangélicos pentecostais. E seus líderes trabalham
por sua visão, buscando impedir que visões diferentes de mundo sejam ensinadas
nas escolas e venham a conflitar com o discutido em ambiente religioso. Mas
esta é a melhor abordagem? Provavelmente não, porque leva a uma situação
paradoxal: quanto mais esses líderes (padres, pastores e representantes
políticos) lutam para transformar o ensino laico em ensino religioso, mais
alimentam o preconceito existente na sociedade em relação a pessoas religiosas.
Quem já não ouviu falar coisas como “não vote em evangélico”, “carolas são
atrasados” ou “fundamentalistas só promovem o ódio”?
Isso precisa ser superado. No Brasil já existe pleno
respeito à liberdade religiosa e inclusive proteção contra a intolerância, na
forma da Lei 7716/89. Não há porque pensar, então, que o ensino de questões de
gênero vá impedir qualquer tipo de formação que as famílias desejem dar a seus
filhos. Mas deixará seus filhos melhor preparados para a vida adulta, numa
sociedade mais informada e menos preconceituosa, e nisso, inclusive,
enfrentando menor rejeição da maioria secularista.
Porque
é bom para políticos.
A questão do tratar ou não de questão de gêneros nas
escolas permeia o debate político faz anos e sempre com a mesma dificuldade: se
apoiam a modernização e evolução da educação, serão criticados por religiosos;
se não, serão tachados de dificultadores do progresso. Não raro vemos políticos
laicos de direita e de esquerda simultaneamente vítimas de um verdadeiro Dilema
do Prisioneiro. Apenas há um modo de sair bem disso: aliança em torno de uma
pauta comum, o melhor aprendizado.
Não é de hoje que políticos de esquerda soam
contraditórios junto ao seu público tradicional (classe média progressista) por
cederem a fundamentalismo religioso. Recentemente vimos vários episódios, que
passam uma mensagem negativa para a sociedade, com o processo de votação e
sanção dos Planos Municipais de Educação. Caem nessa contradição porque sabem
que precisam de votos junto às camadas menos favorecidas economicamente, que
resultam ser onde há maior percentual de pessoas conservadoras. Mais e melhor
educação reduziria esse problema, mas como, se é o conservadorismo que impede
melhor educação? A situação atual ainda é claramente classista, pois escolas
privadas não se submetem a essas limitações. Ser firme na defesa do Estado
Laico e do progresso nas questões de gênero, ajudaria, sem dúvida, na maior
credibilidade do discurso progressista.
Por outro lado, políticos de direita também têm um
problema. Seu interesse na política não é atrasar a sociedade, mas antes
defender uma modernização na economia com vistas a um maior crescimento. Suas propostas,
de cunho mais social-liberal ou mesmo liberal, não raro atraem o apoio de
personalidades conservadoras morais (isto quando elas já não estão acomodadas
com as concessões da “esquerda beata”.)
É um apoio numérico, claro, mas que traz um potencial incômodo: de seus
antagonistas quererem associar o todo
(interessados em modernização da economia) com a parte (conservadores morais),
criando o espantalho da “onda conservadora”.
Remover obstáculos ainda existentes para uma educação
mais inclusiva, mais respeitosa, que combata preconceito por gênero ou
identidade de gênero, é, portanto, algo de interesse de todo mundo.
Com informações Blog da Boitempo e Gunter Zibell
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