quinta-feira, 26 de abril de 2018

O que está por trás do boicote religioso ou não à “ideologia de gênero”

Remover obstáculos ainda existentes para uma educação mais inclusiva, mais respeitosa, que combata preconceito por gênero ou identidade de gênero, é, portanto, algo de interesse de todo mundo

Cabe, então, falar porque tratar desse tema nas escolas e fora dela seria muito positivo para a democracia e os direitos individuais.

Porque é consistente com a igualdade de direitos entre gêneros.
Se quisermos uma sociedade onde homens e mulheres tenham mesmo direitos iguais e participações em seu pleno potencial na política, no trabalho, nas artes e nas ciências, devemos o quanto antes discutir sobre o machismo nas nossas escolas.

Porque reduzirá a violência doméstica e/ou contra a mulher.
Entidades de defesa da mulher estimam que dos 50 mil homicídios/ano do Brasil, algo entre 2 mil e 4 mil referem-se a mulheres mortas por seus companheiros ou parceiros. Como quase não acontece o contrário (em raros crimes passionais), só podemos atribuir essa tragédia, um pouco minorada desde a Lei Maria da Penha, a um consciente coletivo que ainda e sempre reproduz um imaginário machista. Começar a falar dessa questão o quanto antes ajudará nossos meninos e meninas a não se transformarem nos agressores e vítimas da próxima geração.

Porque reduzirá o problema do aborto.
No Brasil acontecem estimados 700 mil a 1 MM de abortos/ano e, na ausência de despenalização do mesmo, o recurso a clínicas clandestinas é a regra. Perigosa, pois resulta em 200 a 300 mortes/ano de mulheres jovens. Um maior conhecimento sobre métodos contraceptivos e educação sexual seguramente reduzirá essa calamidade.

Porque reduzirá a delinquência juvenil.
Ainda como consequência da não-discussão de questões de gênero e sexuais em escolas o que temos? Uma taxa elevada de gravidezes precoces entre adolescentes, não raro levando os pais a deixarem a escola. E o que acontece quando jovens vêem truncada sua vivência escolar? Menores oportunidades para empregos bem remunerados. As novas mães nessas condições terão piores condições para criar seus filhos e seus parceiros, se é que numa sociedade machista reconhecerão a paternidade, premidos pelos encargos, serão alvo relativamente mais fácil de recrutadores para atividades criminosas.

Porque reduzirá a homofobia e a transfobia.
O Brasil expõe uma face muito feia ao Mundo hoje em dia: segundo mais de uma fonte/ONG em nosso país ocorrem de 40 a 50% dos crimes de ódio por esses motivos, quando o país é responsável, com apenas 3% da população mundial, por 10% dos assassinatos em geral. E pessoas trans são especialmente vitimadas, algo como metade desses crimes. Pois bem, falar de gênero e sexualidade é também falar sem preconceitos da inclusão de pessoas LGBT. Temos a oportunidade de criar novas gerações respeitosas e inclusivas. E será fortemente minorado o cruel drama de pessoas trans serem rejeitadas por suas próprias famílias, verem truncada sua escolaridade e depois verem praticamente impedida sua inserção no mercado formal de trabalho. Como parte da superação de vergonhas nacionais, experimentaremos uma forte redução das motivações para adolescentes tentarem o suicídio.

Porque aumentará a inclusão de minorias religiosas. No Brasil há uma grande maioria religiosa, a dos católicos não-dogmáticos, que não vê problemas na manutenção incondicional do ensino estritamente laico. E por todos os motivos acima expostos têm interesse na evolução da sociedade.
Afora isso há inúmeras minorias religiosas e também não-religiosas que aceitam esses mesmos pressupostos. Pois bem, falar de gênero nas escolas é também não permitir que crenças religiosas pautem o ensino, que fica assim subordinado apenas à racionalidade da ciência. E isso é de total interesse para minorias, por óbvio. Dificilmente veremos ateus, espíritas, judeus, protestantes não-pentecostais, pessoas de religiões orientais ou de matriz africana sendo contrárias ao Estado Laico. Se desejam influenciar suas famílias de algum modo, a escola pública nunca lhes foi o lugar para isso.
Mas devemos olhar também pela perspectiva das minorias cuja formação religiosa leva a objetar o ensino de questões de gênero em escolas públicas (vulgo “ideologia de gênero”) Estas são basicamente os católicos tradicionalistas e evangélicos pentecostais. E seus líderes trabalham por sua visão, buscando impedir que visões diferentes de mundo sejam ensinadas nas escolas e venham a conflitar com o discutido em ambiente religioso. Mas esta é a melhor abordagem? Provavelmente não, porque leva a uma situação paradoxal: quanto mais esses líderes (padres, pastores e representantes políticos) lutam para transformar o ensino laico em ensino religioso, mais alimentam o preconceito existente na sociedade em relação a pessoas religiosas. Quem já não ouviu falar coisas como “não vote em evangélico”, “carolas são atrasados” ou “fundamentalistas só promovem o ódio”?
Isso precisa ser superado. No Brasil já existe pleno respeito à liberdade religiosa e inclusive proteção contra a intolerância, na forma da Lei 7716/89. Não há porque pensar, então, que o ensino de questões de gênero vá impedir qualquer tipo de formação que as famílias desejem dar a seus filhos. Mas deixará seus filhos melhor preparados para a vida adulta, numa sociedade mais informada e menos preconceituosa, e nisso, inclusive, enfrentando menor rejeição da maioria secularista.

Porque é bom para políticos.
A questão do tratar ou não de questão de gêneros nas escolas permeia o debate político faz anos e sempre com a mesma dificuldade: se apoiam a modernização e evolução da educação, serão criticados por religiosos; se não, serão tachados de dificultadores do progresso. Não raro vemos políticos laicos de direita e de esquerda simultaneamente vítimas de um verdadeiro Dilema do Prisioneiro. Apenas há um modo de sair bem disso: aliança em torno de uma pauta comum, o melhor aprendizado.
Não é de hoje que políticos de esquerda soam contraditórios junto ao seu público tradicional (classe média progressista) por cederem a fundamentalismo religioso. Recentemente vimos vários episódios, que passam uma mensagem negativa para a sociedade, com o processo de votação e sanção dos Planos Municipais de Educação. Caem nessa contradição porque sabem que precisam de votos junto às camadas menos favorecidas economicamente, que resultam ser onde há maior percentual de pessoas conservadoras. Mais e melhor educação reduziria esse problema, mas como, se é o conservadorismo que impede melhor educação? A situação atual ainda é claramente classista, pois escolas privadas não se submetem a essas limitações. Ser firme na defesa do Estado Laico e do progresso nas questões de gênero, ajudaria, sem dúvida, na maior credibilidade do discurso progressista.
Por outro lado, políticos de direita também têm um problema. Seu interesse na política não é atrasar a sociedade, mas antes defender uma modernização na economia com vistas a um maior crescimento. Suas propostas, de cunho mais social-liberal ou mesmo liberal, não raro atraem o apoio de personalidades conservadoras morais (isto quando elas já não estão acomodadas com as concessões da  “esquerda beata”.) É um apoio numérico, claro, mas que traz um potencial incômodo: de seus antagonistas quererem  associar o todo (interessados em modernização da economia) com a parte (conservadores morais), criando o espantalho da “onda conservadora”.
Remover obstáculos ainda existentes para uma educação mais inclusiva, mais respeitosa, que combata preconceito por gênero ou identidade de gênero, é, portanto, algo de interesse de todo mundo.

Com informações Blog da Boitempo e Gunter Zibell

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