Neste sábado, dia 31 de março, o Brasil rememora e
lamenta os 54 anos do Golpe Militar, que derrubou o governo constitucional de
João Goulart e instaurou a Ditadura Militar, página manchada por sangue e vidas
ceifadas da nossa história. O ato trouxe inúmeras consequências, como a
suspensão da liberdade, da democracia e uma afronta à Constituição e aos
direitos políticos, sociais e humanos.
A Professora Michelle Viviane Godinho,
Mestre
em Educação (UFMG, 2012),Especialista em História e Culturas Políticas (UFMG,
2008, Graduada em História (PUC-MG, 2007) explica os acontecomentos da época.
Veja na íntegra:
Golpe Militar de 1964
Por *Michelle Viviane Godinho Corrêa
O Golpe Militar de 1964 redesenhou o
panorama político, social, econômico e cultural brasileiros pelas duas décadas
seguintes. Executado no dia 31 de março daquele ano, o golpe levou à deposição
de João
Goulart e fez se instalar no país uma ditadura
militar que durou até o ano de 1985.
Apesar de ter ocorrido no ano de 1964, o golpe passou a
ser desenhado desde as primeiras medidas de João Goulart, conhecido como Jango.
O cenário de sua posse em 07 de setembro de 1961 já era conturbado:
desestabilidade política, inflação, esgotamento do ciclo de investimentos
do governo
Juscelino Kubitschek, grande desigualdade
social e intensas movimentações em torno da questão agrária. Diante
desse cenário e de acordo com suas tendências políticas, declaradamente
de esquerda,
Jango apostou nas Reformas
de Base para enfrentar os desafios lançados a seu governo.
As Reformas de Base propunham diversas reformas:
urbana, bancária, eleitoral, universitária e do estatuto do capital
estrangeiro. Dentre elas, três incomodavam de forma especial à direita. A
reforma eleitoral colocaria novamente no jogo político o Partido Comunista e
permitiria que analfabetos votassem, o que correspondia a 60% da população
brasileira. Essas medidas poderiam provocar grandes mudanças no equilíbrio dos
partidos políticos dominantes naquele contexto. A reforma do estatuto do
capital estrangeiro também provocou polêmica ao propor nova regulamentação para
a remessa de lucros para fora do Brasil e propunha a estatização da indústria
estratégica. Mas nenhuma delas foi alvo de tantas especulações e mitos quanto a
proposta de implementação da reforma
agrária. Essa reforma mexeria com a histórica estrutura latifundiária brasileira
que, em muitos casos, remontavam aos séculos de colonização.
Para os grupos economicamente hegemônicos, tais
propostas eram alarmantes não apenas por serem defendidas pelo Presidente da
República, mas porque naquele momento a esquerda encontrava-se unida e
organizada, movimentando-se em todo o território nacional e mostrando sua cara
e seus objetivos em passeatas, publicações e através de forte presença no meio
político. Longe do imaginário do século XIX, a esquerda daquele momento era
formada por uma grande diversidade de grupos, tais como comunistas, católicos,
militares de diferentes ordens, estudantes, sindicalistas entre outros. Todos eles
voltados para a aprovação das Reformas de Base e estendendo suas influências
por diversos campos da vida pública.
Diante desse abismo entre os grupos de direita e de
esquerda durante o Governo de Jango, o golpe começou a ser elaborado pelos
grupos conservadores e pelas Forças Armadas em diálogo com os EUA (Estados
Unidos da América) através da CIA (Central Intelligence Agency) pensando
nas eleições de 1962 para o Congresso Nacional e para o governo dos estados da
União. A composição que assumiria no ano seguinte seria de vital importância
para os avanços das propostas da esquerda e, por isso, interessados na queda de
Jango financiaram de forma ilegal campanhas de candidatos de oposição ao
governo. Esse financiamento foi realizado pelo empresariado nacional e
estrangeiro através do IBAD (Instituto Brasileiro da Ação Democrática). Os EUA
também investiram nessa campanha através de fontes governamentais, como provam
documentos e áudios da Casa Branca. Nesse contexto o diplomata Lincoln Gordon
participou ativamente da conspiração, trabalhando juntamente ao IBAD e ao IPES
(Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), responsáveis por diversas
propagandas anticomunistas que contribuíram para a desestabilização de um
governo que já enfrentava diversos desafios.
Em 1963, a votação favorável ao retorno do presidencialismo deu
novos ânimos ao governo de Jango que, apesar das ações contrárias, ainda se
mostrava com grande popularidade. Mesmo assim, o ano de 1963 foi marcado por
intensa atuação da direita e da esquerda e esse embate começou a ser favorável
a direita a partir da derrota da emenda constitucional que buscava viabilizar a
reforma agrária. Outro fato que abalou Brasília em 1963 foi a Rebelião dos
Sargentos na qual sargentos da Aeronáutica e da Marinha invadiram o Supremo
Tribunal Federal em protesto contra a declaração de inelegibilidade dos
sargentos eleitos em 1962.
O cenário ficou ainda mais conturbado após a entrevista
concedida por Carlos Lacerda a
um jornal norte-americano, no qual declarou que o cenário político brasileiro
sob o governo de Jango era de incertezas, ato que foi visto com maus olhos pelo
presidente e o levou a solicitar ao Congresso a instalação do estado de sítio.
Sua atitude foi vista de forma negativa pelos governadores dos estados que lhe
recusaram apoio. Uma nova coligação entre PTB, UDN e
PSD mostrou ter a mesma posição, o estado de sítio não seria aprovado pelo
Congresso. Desse embate, Jango saiu com seu poder abalado.
Com inflação anual na
casa de 79,9%, um crescimento econômico tímido (1,5%) o Brasil passou a sofrer
restrições dos credores internacionais. Nesse contexto, os EUA passaram a
financiar o golpe através dos governos dos estados de São Paulo, Guanabara
(atual Rio de Janeiro) e Minas Gerais. Frente às pressões sofridas nos meses
que se seguiram, Jango articulou o Comício da Central do Brasil.
Ocorrido em uma sexta-feira, 13 de março de 1964, o
evento esteve cercado de simbologias que o ligavam a figura de Getúlio Vargas e
mobilizou entre 150 e 200 mil pessoas por mais de 4 horas de duração. Como
havia se comprometido em seu discurso, Jango encaminhou ao Congresso o pedido
de convocação de um plebiscito para
a aprovação das reformas sugeridas e a delegação de prerrogativas do Legislativo para
o Executivo,
o que foi visto como uma tentativa de centralização do poder nas mãos do
presidente.
Em reação às ações de Jango, o Congresso passou a
suspeitar de suas intenções e essa posição repercutiu nos meios de comunicação
em um tom que indicava que o presidente poderia a qualquer momento dissolver o
Congresso para colocar em prática as reformas na base da força. A partir desse
clima de desconfianças e alardes, foi organizada a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade, preparada pelo IPES sob a figura da
União Cívica Feminina com o apoio de setores de direita. A Marcha reuniu cerca
de 500 mil pessoas na Praça da República, na capital paulista, em protesto
contra o governo de Jango e suas pretensões, classificadas como comunistas.
Sendo um movimento prioritariamente de classe média, a Marcha foi menosprezada
pela esquerda, mas demonstrou seu poder em converter a opinião pública a
respeito de João Goulart em diversas capitais, alastrando-se pelos estados com
a contribuição dos meios de comunicação.
Ainda faltava a unificação das forças militares em
favor do golpe, o que foi provocado pelas atitudes tomadas por Jango em relação
aos marinheiros que participaram da Revolta dos Marinheiros, realizada em 25 de
março. Ao anistiar os revoltosos e passar por cima das autoridades militares
responsáveis, Jango deu o último elemento necessário à realização do golpe de
1964: o apoio das Forças Armadas. Os EUA já estavam a postos para colocar em
prática a Operação
Brother Sam e, em 31 de março de 1964, o pontapé foi dado pelos
mineiros, sob a liderança do general Olympio Mourão Filho, que marchou com suas
tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro e iniciou o processo de deposição
do presidente João Goulart com o apoio dos EUA e das Forças Armadas. O Golpe
foi concluído na madrugada de 02 de abril de 1964, quando o Congresso, em
sessão secreta realizada de madrugada, declarou a Presidência da República
vaga.
Bibliografia:
GOMIDE, Rafael. Com arquivos e áudios da Casa Branca,
filme revela apoio dos EUA ao golpe de 64. Último Segundo, 2013. Disponível em:
< http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-03-15/com-arquivos-e-audios-da-casa-branca-filme-revela-apoio-dos-eua-ao-golpe-de-64.html>
. Acesso em: 05/10/2017.
REIS, Marco Aurélio. A revolta dos marinheiros. O Dia,
2014. Disponível em:<http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-03-25/a-revolta-dos-marinheiros.html>.
Acesso em: 05 out.2017.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. No fio da
navalha: ditadura, oposição e resistência. In: Brasil: uma biografia. São
Paulo: Cia das Letras, 2015, p. 437-466.
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