Atlas
da Contaminação 2017, de Larissa Bombardi, da USP, descortina toda a violência
silenciosa no campo brasileiro, que intoxica bebês e crianças, causa câncer e
outras doenças, malformações e morte. (Pulverização aérea de agrotóxicos, entre
as modalidades que mais provocam danos colaterais ao entorno das monoculturas)
por Cida de Oliveira, da RBA
Os 33,2 milhões de hectares de lavouras de soja que se
espalham pela região Centro-Oeste, Sul e parte do Sudeste do Brasil poderiam
preencher quase que toda uma Alemanha (35,7 milhões de hectares). Ou ocupar 11
vezes a da área da Bélgica, país que abriga a sede da Comunidade Europeia. A
comparação ajuda a dar uma ideia da dimensão territorial dessa monocultura que
consome sozinha 52% de todo o agrotóxico vendido no país que é campeão no uso
desses produtos.
A cana de açúcar, por sua vez, embora responda por 10%
dos venenos utilizados e ocupe menos de um terço da área da soja, açúcar tende
a aumentar suas lavouras, que avançam por diversas regiões. Em todo o
território de Portugal (9,2 milhões de hectares) já não caberiam os 10,5
milhões de hectares de cana hoje espalhados pelo Brasil.
E com novas plantas geneticamente modificadas em fase
de avaliação para liberação, a tendência é que nos próximos anos os
agroquímicos sejam ainda mais usados, multiplicando a incidência de casos de
câncer, malformações, intoxicações e mortes.
Os dados alarmantes constam do atlas Geografia
do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia (clique
aqui para acessar), lançado nesta segunda-feira (27) pela
professora Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da
Universidade de São Paulo (USP).
No lançamento, uma mesa de debate com o defensor
público Marcelo Carneiro Novaes, da 1ª Defensoria Pública de Santo André –
Regional do Grande ABC, coordenador adjunto do Fórum Paulista contra os
Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, a médica Telma Nery, que coordena
grupo de trabalho no mesmo fórum, a professora Marta Inês Marques, do
Departamento de Geografia da USP, e o assessor de Meio Ambiente da CUT São
Paulo Marco Antonio Dalama.
O Brasil
permite a presença de 5 mil vezes mais glifosato na água do que os países da
União Europeia
Em 290 páginas, Larissa escancara a miséria
socioambiental que toma conta do Brasil. No atlas propriamente dito há mapas
por regiões, estados e municípios relacionados a intoxicações conforme diversas
variáveis, como sexo, circunstância da contaminação, faixa etária, grupos
étnico-raciais e locais de exposição.
O estudo demonstra com a realidade de comunidades
indígenas contaminadas pelo agronegócio que avança sobre seus territórios, de
mulheres que adoecem por trabalhar na colheita de frutas às margens irrigadas
do São Francisco, na Região Nordeste. Ou mesmo de bebês intoxicados bem antes
de completar 1 ano de vida.
Por meio de infográficos, é possível, por exemplo, ter
uma noção do tamanho do problema ao comparar áreas ocupadas por culturas
banhadas em agroquímicos, muitos banidos e proibidos no exterior, com as
dimensões de países da União Europeia, onde a população cada vez mais
rejeita esses produtos – e governos, como o da França, pretendem adotar medidas
cada vez mais restritivas e reduzir a quantidade de venenos permitidos.
Enquanto os países da União Europeia permitem até 0,1
micrograma de glifosato por litro de água, o Brasil permite 500 microgramas – 5
mil vezes mais.
"O alimento perdeu o sentido de alimento e a terra
está sendo violentada para a produção de commodities para exportação, até ser
exaurida, perdendo sua fertilidade", disse Larissa, durante apresentação
do atlas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da
USP.
De acordo com a professora, que já havia lançado
uma versão preliminar dos mapas, em 2016, a obra
tem como pano de fundo a questão agrária, intocada mesmo nos governos de Lula e
Dilma Rousseff.
"Dos trabalhadores em situação de trabalho análogo
ao de escravo, 70% estão na agricultura, o mesmo setor que consome 70% da água,
envenena o meio ambiente e que deixa 1 milhão de pessoas intoxicadas, matando
uma a cada dois dias. Trata-se de uma forma silenciosa de violência no
campo."
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