HERÓI FABRICADO No
quadro de Henrique Bernardelli, Deodoro aparececomo a figura central da
proclamação. (Crédito: Henrique Bernadelli/Acervo do Museu da República). Longe
de ser um fato pontual, a instauração do novo modo de governo foi consequência
de uma série de fatores.
Nas clássicas representações do golpe militar que
marcou o fim da Monarquia no Brasil e o início da República, a imagem do
marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), erguendo seu quepe cheio de glórias, é
a que prevalece. No quadro de Henrique Bernardelli (1857-1936, mostrado acima),
o militar é propositadamente recuperado como a figura central, o representante
maior dos ideais de liberdade associados ao novo período. Esses e outros
retratos da época ajudaram a disseminar uma visão parcial do episódio, apagando
outros personagens que desempenharam papel relevante na mudança. Iluminar esses
grupos esquecidos é o ponto de partida para apresentar uma visão crítica da
proclamação da República...
O ponto fundamental é esclarecer que, longe de ser um fato pontual, a instauração do novo modo de governo decorre de uma série de fatores que contribuíram para criar um cenário propício à República (veja o quadro abaixo). Expor essa realidade ..., privilegiando a visão de processo histórico, permite um entendimento mais profundo da realidade política, econômica e social da época. Com base nessa revisão histórica, o próprio papel dos militares no episódio passa a ser relativizado, uma vez que outros agentes com importante função no gradativo enfraquecimento do antigo governo são trazidos à luz.
O ponto fundamental é esclarecer que, longe de ser um fato pontual, a instauração do novo modo de governo decorre de uma série de fatores que contribuíram para criar um cenário propício à República (veja o quadro abaixo). Expor essa realidade ..., privilegiando a visão de processo histórico, permite um entendimento mais profundo da realidade política, econômica e social da época. Com base nessa revisão histórica, o próprio papel dos militares no episódio passa a ser relativizado, uma vez que outros agentes com importante função no gradativo enfraquecimento do antigo governo são trazidos à luz.
É possível, por exemplo, reavaliar o que de fato
ocorreu no dia da proclamação. Em 14 de novembro de 1889, os republicanos
fizeram circular o boato de que o governo imperial havia mandado prender
Deodoro e o tenente-coronel Benjamin Constant, líder dos oficiais republicanos.
O objetivo era instigar o marechal, um militar de prestígio, a comandar um
golpe contra a monarquia. Deu certo: no dia 15, ele reuniu algumas tropas, que
em seguida rumaram para o centro do Rio de Janeiro e depuseram os ministros de
dom Pedro II.
O imperador, que estava em Petrópolis, a 72 quilômetros do Rio de Janeiro, retornou para a capital na tentativa de formar um novo ministério. Mas, ao receber um comunicado dos golpistas informando sobre a proclamação da República e pedindo que deixasse o país, não ofereceu resistência e partiu para a Europa. Tamanho era o temor de que o Império pudesse ser restaurado que o banimento da família real durou décadas: apenas em 1921 os herdeiros diretos do imperador deposto foram finalmente autorizados a pisar em solo brasileiro.
Vale discutir o peso da participação de Deodoro da Fonseca explicando alguns detalhes dos bastidores do acontecimento. Fosse ou não ele a figura central do fato, que não enfrentou praticamente nenhuma resistência - daí as representações não o mostrarem de espada em punho -, muito provavelmente a história teria o mesmo desfecho. Conte que o "herói da proclamação" fez parte do Estado monárquico e era funcionário de confiança de dom Pedro II. Relutou em instaurar o novo sistema e aderiu à causa dias antes.
No dia fatídico, ele saiu de casa praticamente carregado por seus companheiros - Deodoro estava doente, com problemas respiratórios. Cavalgou quase a contragosto, ameaçado pela ideia de que o governo imperial, ao saber dos boatos sobre a proclamação, pretendesse reorganizar a Guarda Nacional e fortalecer a polícia do Rio de Janeiro para se contrapor ao Exército. Foi o republicano José do Patrocínio que, horas mais tarde, dirigiu-se à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, presidindo o ato solene de proclamação da República. Deodoro, a essa altura, estaria em casa, possivelmente assinando a carta que chegaria a seu amigo pessoal, o imperador Pedro II, informando, com grande pesar, o banimento da família real.
O imperador, que estava em Petrópolis, a 72 quilômetros do Rio de Janeiro, retornou para a capital na tentativa de formar um novo ministério. Mas, ao receber um comunicado dos golpistas informando sobre a proclamação da República e pedindo que deixasse o país, não ofereceu resistência e partiu para a Europa. Tamanho era o temor de que o Império pudesse ser restaurado que o banimento da família real durou décadas: apenas em 1921 os herdeiros diretos do imperador deposto foram finalmente autorizados a pisar em solo brasileiro.
Vale discutir o peso da participação de Deodoro da Fonseca explicando alguns detalhes dos bastidores do acontecimento. Fosse ou não ele a figura central do fato, que não enfrentou praticamente nenhuma resistência - daí as representações não o mostrarem de espada em punho -, muito provavelmente a história teria o mesmo desfecho. Conte que o "herói da proclamação" fez parte do Estado monárquico e era funcionário de confiança de dom Pedro II. Relutou em instaurar o novo sistema e aderiu à causa dias antes.
No dia fatídico, ele saiu de casa praticamente carregado por seus companheiros - Deodoro estava doente, com problemas respiratórios. Cavalgou quase a contragosto, ameaçado pela ideia de que o governo imperial, ao saber dos boatos sobre a proclamação, pretendesse reorganizar a Guarda Nacional e fortalecer a polícia do Rio de Janeiro para se contrapor ao Exército. Foi o republicano José do Patrocínio que, horas mais tarde, dirigiu-se à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, presidindo o ato solene de proclamação da República. Deodoro, a essa altura, estaria em casa, possivelmente assinando a carta que chegaria a seu amigo pessoal, o imperador Pedro II, informando, com grande pesar, o banimento da família real.
Quatro razões para a queda da Monarquia
Abolição da escravatura
Decretado em 1888, o fim da escravidão desestabilizou a agricultura de exportação, baseada no trabalho compulsório. O Império mostrou-se incapaz de responder com a agilidade necessária às novas demandas dos fazendeiros e não conseguiu garantir a estabilidade econômica.
Influências externas
O Brasil era o único país independente na América do Sul a manter uma monarquia - países vizinhos colonizados pela Espanha optaram pela república logo após a autonomia. O contato dos militares com a realidadedas nações vizinhas disseminou a ideia de um novo sistema de governo.
Centralização política
Concentrador de poderes por definição, o sistema monarquista já não era compatível com as necessidades nascidas da modernização da economia. Elites provinciais de São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, já reivindicavam, desde o início do século, certo nível de autonomia.
Perda de apoio popular
Dom Pedro II, na maior parte do tempo recolhido em Petrópolis, já não era mais uma figura querida entre as massas. Além dele, a princesa Isabel e seu marido, conde d?Eu, eram frequentemente alvo de ataques e chacotas da imprensa nacional e internacional.
Decretado em 1888, o fim da escravidão desestabilizou a agricultura de exportação, baseada no trabalho compulsório. O Império mostrou-se incapaz de responder com a agilidade necessária às novas demandas dos fazendeiros e não conseguiu garantir a estabilidade econômica.
Influências externas
O Brasil era o único país independente na América do Sul a manter uma monarquia - países vizinhos colonizados pela Espanha optaram pela república logo após a autonomia. O contato dos militares com a realidadedas nações vizinhas disseminou a ideia de um novo sistema de governo.
Centralização política
Concentrador de poderes por definição, o sistema monarquista já não era compatível com as necessidades nascidas da modernização da economia. Elites provinciais de São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, já reivindicavam, desde o início do século, certo nível de autonomia.
Perda de apoio popular
Dom Pedro II, na maior parte do tempo recolhido em Petrópolis, já não era mais uma figura querida entre as massas. Além dele, a princesa Isabel e seu marido, conde d?Eu, eram frequentemente alvo de ataques e chacotas da imprensa nacional e internacional.
Debata a criação de símbolos para sustentar
a nova ordem
Basear-se na desmistificação dessas figuras centrais no
episódio da proclamação pode ser um caminho para estudar de que forma os
protagonistas de determinadas passagens da história trabalham para passar uma
imagem gloriosa de seus feitos. Discuta com a turma que esses relatos incluem
ideologias e interesses e não podem ser encarados como fiéis ao fato. Em vez
disso, é melhor vê-los como um recorte do acontecido, que precisa ser
confrontado com outras fontes para que se possa compor um panorama mais próximo
da realidade.
Ainda recorrendo ao exemplo da República, mostre o
esforço dos grupos vitoriosos para criar e popularizar símbolos e personagens
históricos que representem um novo regime. Festas cívicas, monumentos,
estátuas, telas e gravuras consolidadoras das tradições nacionais são as
expressões mais marcantes desse esforço - uma atitude costumeira, repetida
mundo afora em inúmeras outras reformas e revoluções.
No caso da proclamação, os governantes alteraram o nome de diversas ruas, substituindo os que tinham ligação com o Império por outros associados à República. Vias denominadas "Imperatriz" se transformaram em ruas 15 de Novembro, assim como muitos Largos da Matriz passaram a chamar-se Praça da República. Além das estátuas do marechal, figuras como a de Tiradentes, apontado como o precursor da República, foram recuperadas. É o momento de apresentar à moçada telas e gravuras clássicas e debater o que elas representam.
No caso da proclamação, os governantes alteraram o nome de diversas ruas, substituindo os que tinham ligação com o Império por outros associados à República. Vias denominadas "Imperatriz" se transformaram em ruas 15 de Novembro, assim como muitos Largos da Matriz passaram a chamar-se Praça da República. Além das estátuas do marechal, figuras como a de Tiradentes, apontado como o precursor da República, foram recuperadas. É o momento de apresentar à moçada telas e gravuras clássicas e debater o que elas representam.
Uma reflexão importante surge da comparação entre os
ideais da propaganda oficial e a realidade concreta (leia
esta sequência didática ).Em relação à República, é possível
explorar a contradição entre um sistema que prometia trazer o povo para o
centro da atividade política, mas que consolidou-se quase sem envolvimento
popular nem na deposição da Monarquia nem na formação do novo governo - o que
ocorreu foi uma junção de forças entre as oligarquias que davam sustentação ao
Império com uma parte da nova burguesia comercial e industrial.
A investigação sobre a relação do povo com o poder na proclamação da República pode terminar com uma comparação com os dias de hoje. De lá para cá, o que mudou? Hora de mostrar que, apesar de nosso modelo de democracia garantir a representatividade do povo por meio do voto direto e de existirem formas de o cidadão exercer algum controle sobre as esferas de poder, continuam válidas as palavras do historiador José Murilo de Carvalho: "Ainda hoje, a atitude popular perante o poder ainda oscila entre a indiferença, o pragmatismo fisiológico e a reação violenta".
A investigação sobre a relação do povo com o poder na proclamação da República pode terminar com uma comparação com os dias de hoje. De lá para cá, o que mudou? Hora de mostrar que, apesar de nosso modelo de democracia garantir a representatividade do povo por meio do voto direto e de existirem formas de o cidadão exercer algum controle sobre as esferas de poder, continuam válidas as palavras do historiador José Murilo de Carvalho: "Ainda hoje, a atitude popular perante o poder ainda oscila entre a indiferença, o pragmatismo fisiológico e a reação violenta".
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
A Formação das Almas - O Imaginário da República no Brasil, José Murilo de Carvalho, 168 págs., Ed. Companhia das Letras, 42,50 reais
O Despertar da República, Ana Luiza Martins, 112 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 23 reais
Os Bestializados - O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi, José Murilo de Carvalho, 216 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 42 reais
A Formação das Almas - O Imaginário da República no Brasil, José Murilo de Carvalho, 168 págs., Ed. Companhia das Letras, 42,50 reais
O Despertar da República, Ana Luiza Martins, 112 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 23 reais
Os Bestializados - O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi, José Murilo de Carvalho, 216 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 42 reais
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