domingo, 13 de novembro de 2016

Oração, de Fernando Pessoa, por Maria Bethânia

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. - 61.

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!

O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!

Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.

Onde nada está tu habitas e onde tudo estás — (o teu templo) — eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar.

Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu.

Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.

Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

[...]

Minha vida seja digna da tua presença.

Meu corpo seja digno da terra, tua cama.

Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me.

Dá-me que eu me sinta teu.

Senhor, livra-me de mim.

1912?

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