por Sebastião Geraldo Nunes, blog de
Cultura no GGN
Repare, ilustre leitor, que esta ilustração de Fausto
Prats é de 2014, quando FHC e Aecim imaginavam ganhar o segundo turno da
eleição presidencial. Foi usada então e é usada de novo, sem tirar nem pôr, já
que em pouco muda este imenso Bananão.
Pois bem. De
volta à praia do Leblon com seus tucanos de estimação, os andarilhos aplaudiam
o tremendo sucesso do chanceler Cerra em Washington.
– Estou mais
do que orgulhoso – disse Aecim. – Sem nunca duvidar das virtudes morais,
intelectuais e cívicas de nosso companheiro, não esperava tanto.
– Nem eu –
referendou FHC. – Sucesso igual, e eu até diria maior, só lembro o meu nos bons
tempos de Paris e adjacências. Estrondoso, sem dúvida alguma.
– Fizeste
bem, ó Mestre, em sugerir o nome dele para ministro das relações
extraterrestres, quero dizer, extravagantes, isto é, exteriores.
– Sei o que
faço, meu filho – respondeu FHC que, pela frase seguinte, dá nítidas mostras de
destempero intelectual: – Jamais cometi um único erro em toda a minha longa e
profícua vida pública.
E como o céu
não lhes caiu na cabeça nem um raio estorricou seus esqueletos, o papo seguiu,
nobre e virtuoso como seria de se esperar de tais sumidades.
MAS, PORÉM, CONTUDO, TODAVIA
– Só
estranhei a opinião dele antes da eleição nos Istates – disse Aecim. – Acho que
deveria ter esperando o resultado para falar em “pesadelo”, caso Trump fosse
eleito.
– É, foi uma
mancada braba, mas depois ele consertou – disse FHC. – Declarou, com todas as letras
e na maior cara de pau, que “a gente só tem pesadelo dormindo”.
– Isso está
me cheirando a remendo, Mestre – argumentou Aecim. – Como é mesmo aquela
expressão? Pior o soneto do que a ementa?
– Não é
ementa, meu filho – consertou FHC que, esquecido do pouco que um dia soubera de
português, direito, política, filosofia e outras ciências mais ou menos exatas,
mesmo assim dava um jeito de ensinar algo do que mal não sabia ao dileto
discípulo. – A expressão certa é emenda. E a frase correta é “pior a emenda que
o soneto”.
– E qual é o
significado de tão deliciosa figura de linguagem, Mestre? – indagou o iletrado
Aecim. – Será que entendi direito?
– Quer
dizer, meu filho, que é melhor esquecer, que não vale a pena levantar a lebre,
que é melhor não mexer em bosta pra não feder mais.
– Ih, ih,
ih, Mestre – riu-se Aecim. – Quer dizer que o Cerra andou mexendo com bosta e
ficou fedendo?
FHC suspirou
fundo, pensando com seus botões: “Infeliz do país – e do partido – que tem uma
besta desse calibre liderando alguma coisa”.
CONTINUANDO A DOUTRINAÇÃO
Sem outra saída, pois “tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas”,
FHC suspirou fundo e resolveu que era melhor manter a calma. Podia mandar Aecim
à merda, podia dizer tchau e bença, podia desaparecer na primeira esquina,
podia... É, podia fazer muita coisa, mas não valia a pena. Como é aquele outro
ditado? Pau que nasce torto... Pois é. O Aecim nasceu tão torto que até eu
passo por gênio perto dele. Cruzes! Mon Dieu! Caraca!
– Não, meu
filho – continuou paciente FHC. – Eu quis dizer que o Cerra deveria ter
permanecido calado. Tem aquele outro ditado, não sei se já ouviu, em boca
fechada não entra mosca. Também serve para o caso.
– Esse eu
não conhecia, Mestre – disse Aecim. – Conheço é aquele outro, que não dá pra
usar aqui: Quem tem boca vai a Roma. Ainda se fosse Washington...
MAS QUE DIABO É ISSO?
Sonolentos,
os bípedes emplumados seguiam, presos em suas coleiras, os bípedes implumes. De
repente, ouvindo tanta leseira, um deles disse para o outro:
– Vixi
Maria, compadre. Veja só onde fomos amarrar o burro. Será que não havia gente
mais esperta pra nossos acompanhantes?
–
Infelizmente não, compadre – disse o segundo tucano. – Algum marqueteiro idiota
achou de usar nossa imagem como símbolo do partido deles, e deu no que deu.
– Mas que
puta azar, compadre – desanimou o primeiro tucano. – Por que não escolheram a
anta, por exemplo? Combinava melhor, não combinava?
– Combinava,
compadre – disse o segundo tucano. – Mas agora Inês é morta.
– Inês, qual
Inês? – espantou-se o primeiro tucano. – Que Inês é essa, e como e por que ela
foi morta? Assalto? Sequestro? Tarado estuprador?
O segundo
tucano abriu o enorme bico num imenso bocejo e pensou: “É, acho que o símbolo
do PSDB tinha de ser tucano mesmo. O que tenho eu de inteligente tem meu
compadre de burro”.
Calados,
contrafeitos, contristados, contrariados, continuaram o passeio.
SERRANDO DE NOVO O CERRA
– Mas não
podemos reclamar, não é mesmo, mestre? – interrogou Aecim, voltando ao
diplomata de proveta. – Ter um ministério importante no governo golpista está
de bom tamanho, me parece. Melhor que nada.
– Pois te
parece mal, meu filho – remediou FHC. – Esse tal de ministério das relações
exteriores é só um cala-boca dos mais manjados. Até eu mesmo... Epa! Cala-te
boca, melhor deixar pra lá, desconsertou ele, só murmurando o final.
Como foi mesmo
esse negócio?
Enfim, vamos
deixar pra lá nós também. O que passou, passou.
Continuou o
bando de desocupados seu agradável passeio: FHC, Aecim, o primeiro tucano e o
segundo tucano. O sol se punha no horizonte. E a República do Bananão, deitada
eternamente, seguia firme e célere na direção do abismo.
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