Momento 1: sem negros no futebol e
pioneirismo (alguns defendem que foi consequência da massificação)
Mesmo que de forma diferente, mais velada, a discriminação racial
persiste no esporte. Em contrapartida, grupos que defendem a igualdade
racial estão sempre atentos para denunciar. De acordo com a pesquisadora Ana
Paula da Silva (que fez uma tese de doutorado sobre o assunto) e Marcelo
Carvalho (do Observatório da Discriminação Racial do Esporte), é possível
identificar uma evolução no tratamento da questão racial no futebol em paralelo
com a história do esporte no Brasil. Clique aqui para ler a íntegra
do estudo.
Quando o futebol chegou ao Brasil, no início do Século 20, era
considerado um esporte nobre. Logo, as grandes competições do “esporte bretão”
(nome dado pela origem britânica do futebol), praticado pelas elites do Rio e
São Paulo, não permitiam negros. De acordo com o Observatório Racial do Futebol,
o registro de “pessoas de cor” foi proibido no futebol carioca em 1907, depois
de Francisco Carregal, negro, ter jogado pelo Bangu em 1905.
A situação
ocasionou tentativas de disfarçar a cor. Arthur Friedenreich, primeiro “craque”
do futebol brasileiro e filho de um alemão com uma negra, esticava o cabelo
para “parecer mais branco”. Carlos Alberto, do Fluminense, usava pó-de-arroz
para disfarçar a cor. A prática fez com que a equipe, pejorativamente no
início, fosse apelidada de pó-de-arroz. A proibição de negros não resistiu à
massificação do esporte. Logo, a primeira vitória foi poder “jogar sem estar disfarçado”.
Momento 2: a profissionalização e
craques negros
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Commons - CC BY 3.0 - Brasil x Polônia em 1938. Foto: Wikimedia Commons
A “primeira vitória dos negros” se deu mais por uma questão técnica do
que de luta por direitos iguais. Em 1922, o Vasco se tornou imbatível no
Campeonato Carioca. O time era, predominantemente, negro e mestiço. Ana Paula
aponta, em seu estudo, que os
outros times aceitaram negros por uma questão de competitividade. Enquanto os
jogadores amadores defendiam o esporte praticado por brancos, o
profissionalismo pregava que “quem era melhor, jogava, independentemente de cor
ou classe social”.
A “abertura” e o
desempenho de negros fizeram com que alguns jogadores conquistassem uma
ascensão social. Isso não fez com que o racismo acabasse. Leônidas da Silva,
craque a Copa de 1938 e chamado de “Diamante Negro”, sempre enfrentou
desconfiança na “alta sociedade”. As acusações de “mercenário”, “rebelde” e até
acusações por roubo eram consequências de seu sucesso.
Para Marcelo,
Leônidas da Silva foi uma figura muito importante para o negro no futebol
justamente por conseguir colocar a figura de um negro “estar no topo”. “Ele foi
o primeiro atleta assinar um contrato de publicidade. Quebrou um paradigma na
sociedade, com certeza”, diz.
Momento 3: Pelé, o estereótipo de
craque e a falta do discurso racial
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Commons - CC BY 3.0 - Pelé x zagueiros da Suíça em 1958. Foto: Wikimedia
Commons
O desempenho de
Leônidas e o próprio preconceito fez um estereótipo aparecer no meio
futebolístico: o do “negro, pobre e craque”. O discurso, que hoje parece
limitador na posição do negro na sociedade, era visto positivamente. E neste
sentido, Pelé foi uma figura ímpar. Mesmo ganhando apelidos durante toda a carreira
por causa da cor, o desempenho dele fazia o negro ser sinônimo de bom jogador:
“As atitudes do
Pelé nem sempre foram questionadas. Nos anos 50 e 60, quando consolidou sua
carreira, ele era visto como um exemplo até mesmo para alguns setores dos
movimentos negros. Pesquisei publicações de alguns desses movimentos e, também,
jornais de esportes da época e Pelé era entendido como um modelo a ser
seguido”, aponta Ana Paula.
As controvérsias
em relação ao comportamento de Pelé nas questões raciais começaram com o
fortalecimento dos movimentos negros e a Ditadura. Figura de referência, ele
passou a ser cobrado a uma postura mais firme em relação ao racismo. Alheio à
questão, ele passou a ser personagem de sátiras em jornais como o Pasquim.
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Commons - CC BY 3.0 - O Pasquim sobre Pelé. Imagem: Reprodução
“Em meados dos
anos 70 as discussões em torno das questões raciais mudaram e Pelé não se
atualizou em relação a elas e continuou com o pensamento dos anos 50. Por essa
razão, passou a ser criticado e até se constituir como um antimodelo das lutas
dos movimentos negros”, conta Ana Paula.
Marcelo reitera
que ele foi importante, mas poderia ter feito mais: “Pelé foi importante por
ser um atleta negro com representatividade. Foi um exemplo para muito meninos
terem ascensão social com o esporte. Mostrou que é possível chegar. Por outro
lado, também ajudou a deixar a impressão de que o jogador é alienado. Como
maior atleta do século, nunca teve posicionamento. Nunca foi favorável a lutas
raciais e sociais”.
Momento 4: Pós-Panteras Negras e sinais
de movimentos raciais no esporte
Com Pelé como
“antimodelo” da luta racial (sendo acusado até de negar a cor), outras figuras
emergiram em defesa aos movimentos sociais nos anos 1970. No Brasil, uma das
mais proeminentes era de Paulo Cezar Caju. Após a Copa de 1970, ele começou a
excursionar pelo mundo com o Botafogo. Em uma das viagens conheceu o movimento
Panteras Negras.
Após isso, ele
começou a se identificar com figuras que lutavam pela igualdade racial, assumiu
o black power e pintou o cabelo de Caju “em homenagem à raça”. A partir daí,,
ele ganhou o apelido e virou um modelo de luta nos anos 1970. Por outro lado,
ele passou a ser visto como “contestador” e “bad boy”. Em termos de imagem, ele
acabou em situação semelhantes a que Leônidas da Silva tinha 30 anos antes. E,
apesar da questão racial começar a ser discutida, ainda não existiam punições
Momento 5: O racismo passível de
punição e muito a evoluir
Apenas nos anos 2000, as entidades começaram a enxergar o racismo como
uma prática passível de punição. De acordo com o Observatório do Futebol,
a primeira punição a um clube no Brasil aconteceu apenas em 2005. À época, o
Juventude (RS) perdeu dois mandos de campo e foi multado em R$ 200 mil por atos
racistas contra o jogador Tinga (do Internacional).
Tinga, inclusive, sofreu quase dez anos depois, outro ato de racismo. Em
um jogo no Peru, ele ouviu torcedores imitando sons de macacos quando ele tocava
na bola (mesma atitude da torcida do Juventude). Ao final do jogo, ele disse
que trocaria “todas as glórias por título contra o preconceito”. Hoje, ele é um
dos símbolos contra o racismo.
Para além das
punições (como a eliminação do Grêmio da Copa do Brasil de 2014 por causa de
insultos a Aranha), ainda há o que evoluir. “A questão do racismo no futebol é
muito latente e ainda pouco debatida pelos clubes, jogadores e federações. O
que há hoje são mais denúncias. Não foram os casos que aumentaram e sim as
denúncias”, diz.
Marcelo também
alerta para o “racismo institucional no esporte”, um ponto que precisa ainda
ser superado. “Não existe nenhum clube brasileiro que tenha menos de três
atletas negros. Mas o racismo institucional existe. Não vemos técnicos negros,
dirigentes negros e presidentes de clubes negros. Nisso ainda precisa evoluir.
O mesmo racismo institucional que a gente vê fora do futebol, a gente vê no
futebol”.
Para Ana Paula,
as coisas vão melhorar quando a sociedade melhorar contra o racismo. “O estádio
de futebol não é um lugar a parte da vida social. Ela por si só não dá conta
das complexas e profundas consequências de um dos países mais desiguais do
mundo e que foi o último a abolir a escravatura. São feridas profundas que
ainda demorarão a ser curadas”, aponta.
Por Edgard Matsuki e Patrícia Serrão Edição:Luiz
Cláudio Ferreira Fonte:Portal EBC
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