Dia 9/11: cereja do bolo ou gota d’água?
por Jorge Luiz Souto Maior*
Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d’água
(Gota d’água – Chico Buarque)
No próximo dia 09 de novembro, o STF, que tem se
mostrado extremamente ágil para julgar questões trabalhistas no ano 2016, vai
colocar em pauta a questão da ampliação ilimitada da terceirização.
A classe trabalhadora, os profissionais ligados ao
Direito do Trabalho precisam participar ativamente desse momento, pois até dias
atrás a questão estava nas ruas e é essencial que o julgamento reflita,
minimamente, a perspectiva de todos os segmentos sociais, com prioridade,
claro, para os interesses dos trabalhadores, visto que se estará cuidando, em
última análise, da eficácia do art. 7º da CF, cujo objetivo indisfarçável é o
da melhoria da condição social dos trabalhadores, conforme consta da norma, expressamente.
A situação para a classe trabalhadora, de todo modo, é
bastante preocupante, pois desde 2009, mas de forma intensificada no ano de
2016, o STF tem realizado uma autêntica “reforma trabalhista” prejudicial aos
trabalhadores.
A retração de direitos trabalhistas, imposta pelo STF,
pode ser constatada nas seguintes decisões:
a) ADI 3934, maio de 2009, relator Ministro Ricardo
Lewandowski: o STF declarou a constitucionalidade do parágrafo único do artigo
60 e do inciso I, do artigo 83 , ambos da Lei de Recuperação Judicial (Lei n.
11.101/05), que, respectivamente, nega a sucessão trabalhista na hipótese de
alienação promovida em sede de recuperação judicial; e limita o privilégio do
crédito trabalhista em 150 salários.
b) ADC 16, novembro de 2010, relator Ministro César
Peluso: o STF declarou a constitucionalidade do art. 71, da Lei n. 8.666/93,
que diz que o ente público não é responsável, nem subsidiário, pelos direitos
trabalhistas dos empregados que lhes presta serviços.
c) RE 586.453 e RE 583.050, fevereiro de 2013,
relatores, Ministro Joaquim Barbosa e Ministro Cesar Peluso, de autoria da
Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros) e do Banco Santander Banespa
S/A, respectivamente: o STF atribuiu à Justiça Comum a competência julgar os conflitos
envolvendo a complementação de aposentadoria dos ex-empregados dessas
entidades, contrariando posicionamento firme do TST no sentido de declarar
competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de tal questão vez que
envolve garantia jurídica fixada em norma trabalhista (convenção ou acordo
coletivo, ou regulamento de empresa).
Essa decisão representou uma grande perda para os
trabalhadores também pelo aspecto de que o processo do trabalho, como se sabe,
é extremamente mais célere que o processo comum.
d) RE 589.998/PI, março de 2013, Relator Ministro
Ricardo Lewandowski: o STF negou o direito à estabilidade, prevista no art. 41
da CF, aos empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista.
e) ARE 709.212, 13 de novembro de 2014, relator
Ministro Gilmar Mendes: o STF declarou que a prescrição para cobrar depósitos
do FGTS é de cinco anos, até o limite de dois anos após o término do contrato
de trabalho, contrariando o entendimento prevalecente no TST, fixado em súmula
(Súmula 95, reforçada em 2003, pela Súmula 362), vigente desde 1980, que fixava
em trinta anos essa mesma prescrição.
f) RE 658.312, 27 de novembro de 2014, relator Ministro
Dias Tofoli: o STF declarou que o art. 384, da CLT, que prevê um intervalo de
15 minutos para as empregadas antes de iniciado o trabalho em horas extras, foi
recepcionado pela Constituição de 1988. A decisão foi positiva para as
trabalhadoras, mas foi anulada, posteriormente, por suposto vício processual.
Voltou a julgamento no dia 14 de setembro, mas foi retirada de pauta, em
virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, ficando a indicação de que a
decisão anterior será revista.
g) RE AI 664.335, 9 de dezembro de 2014, relator
Ministro Luiz Fux: o STF definiu que o segurado não tem direito à aposentadoria
especial, por atividade insalubre em razão de ruído, caso lhe seja fornecido
EPI.
h) ADI 5209, 23 de dezembro de 2014, Ministro Ricardo
Lewandowsk: em decisão monocrática, acolhe pedido da Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), à qual estão associadas grandes
construtoras, como a Andrade Gutierrez, Odebrecht, Brookfield Incorporações,
Cyrela, MRV Engenharia, suspendeu a vigência da Portaria n. 2, de 2011,
referente à lista do trabalho escravo.
A decisão do Supremo Tribunal Federal baseou-se na
ideia de inexistência de “uma prévia norma legítima e constitucional que
permita tal conduta da Administração Pública”.
Na decisão, o Ministro do STF se expressou no sentido
de que “Embora se mostre louvável a intenção em criar o cadastro de
empregadores, verifico a inexistência de lei formal que respalde a edição da
Portaria nº 2 pelos ministros de Estado” .
i) ADI 1923, 15 de abril de 2015, relator Ministro Fux:
o STF declarou constitucional a Lei n. 9.637/98, que autoriza os entes públicos
a firmarem convênios com Organizações Sociais, para administração dos serviços
públicos nas áreas da saúde (CF, art. 199, caput), educação (CF, art. 209,
caput), cultura (CF, art. 215), desporto e lazer (CF, art. 217), ciência e
tecnologia (CF, art. 218) e meio ambiente (CF, art. 225).
j) RE 590.415, 30 de abril de 2015, relator Ministro
Roberto Barroso: o STF acolheu a tese do recorrente, Banco do Brasil S/A, tendo
como Amicus Curae, a empresa Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos
Automotores Ltda., no sentido de conferir validade à quitação ampla fixada em
cláusula de adesão ao PDV, recusando, por conseguinte, a incidência, na
hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe
a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no
termo de rescisão exclusivamente.
l) RE 895.759 (1159), 8 de setembro de 2016, decisão
monocrática do Ministro Teori Zavascki: seguiu na mesma linha da decisão do RE
590.415 e acolheu a validade de norma coletiva que fixa o limite máximo de
horas “in itinere”, fazendo, inclusive, uma apologia do negociado sobre o
legislado.
m) ADIN 4842, 14 de setembro de 2016, relator Ministro
Celso de Melo: o STF declarou constitucional o art. 5º da Lei n. 11.901/09, que
fixa em 12 horas a jornada de trabalho dos bombeiros civis, seguida por 36
horas de descanso e com limitação a 36 horas semanais.
n) Reclamação 24.597, 07 de outubro de 2016, decisão
monocrática do Ministro Dias Tofoli, que negou a existência do direito de greve
aos servidores da saúde em geral e do Judiciário.
o) Medida Cautelar para Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 323, 14 de outubro de 2016, decisão monocrática do
Ministro Gilmar Mendes, que determinou “a suspensão de todos os processos em
curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do
Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e
de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem
como das execuções já iniciadas”.
p) RE 381.367, Relator Ministro Marco Aurélio; RE
661.256, com repercussão geral, e RE 827.833, ambos de relatoria do Ministro
Luís Roberto Barroso, 26 de outubro de 2016: por ausência de previsão legal, a
desaposentação foi declarada inconstitucional, vetando-se, pois, a possibilidade
de aposentados pedirem a revisão do benefício quando voltarem a trabalhar e a
contribuir para a Previdência Social.
q) RE 693.456, 27 de outubro de 2016: autorização do
desconto dos dias paralisados em função do exercício do direito de greve,
apresentada, “por definição”, como “uma opção de risco”, conforme foi expresso
no voto do Ministro Dias Tofoli.
Além disso, na sessão realizada no dia 14/09/16,
restaram alguns indícios do que pode acontecer na ADI 1625: fixar uma
modulação, de modo a conferir validade à denúncia feita pelo governo FHC, em
1996, à Convenção 158, mesmo declarando que a denúncia foi inconstitucional –
ou seja, pode-se expressar um entendimento que somente valerá da data do
julgamento para frente.
Ainda restam questões importantes, como, por exemplo, a
das dispensas coletivas (ARE 647.561), mas a conclusão da obra destruidora pode
vir já no próximo dia 09 de novembro, quando se colocou em pauta o julgamento
da ARE 958.252, que trata da ampliação ilimitada da terceirização, cujo resultado,
a considerar o caminho trilhado, já se sabe qual será.
Resta saber apenas se, chegando a esse ponto extremo,
que representa, praticamente, a destruição do sindicalismo e, por consequência,
dos direitos trabalhistas, se terá colocado a cereja no bolo, para festejo
pleno do segmento econômico dominante e de seus aliados, ou se terá feito
transbordar o copo.
A resposta não será dada pelo vento!
Jorge Luiz Souto Maior é juiz do Trabalho e professor
da Faculdade de Direito da USP.
Fonte Viomundo
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