Por Isaac Kofi Medeiros – Conjur
O Brasil tem partidos demais. Isso, por si só, não é um
problema. O problema é que o Brasil possui mais de 20 partidos com
representação parlamentar em nível federal, característica que torna o sistema
político fragmentado e de difícil coordenação. Ingovernável, se quisermos
esticar um pouco o argumento. Claro que não precisamos recorrer a um
bipartidarismo radical como ocorre nos Estados Unidos, mas algo em torno de
seis a oito partidos é suficiente para representar razoavelmente as
diferenças ideológicas de uma sociedade como a nossa. Essa quantia está próxima
do sistema alemão, tido por muitos como referência em termos de estabilidade
governamental.
Por essas razões, desde 2017 a Constituição prevê uma
medida dura que restringe o acesso aos recursos do fundo partidário,
condicionando-o ao alcance de um piso alto de votação em eleições nacionais, a
chamada cláusula de desempenho. Para ter recursos, o partido precisa ter votos.
Muitos votos. Além disso, a Constituição facilita a migração de eleitos para
siglas que tenham atingido o quórum mínimo da cláusula. Naturalmente, essas
medidas incentivam fusões e incorporações partidárias, coisa que já está acontecendo.
Na esquerda, o PCdoB incorporou o PPL. Na direita, DEM e PSL caminham para uma
fusão chamada União Brasil, ainda que por razões distintas. A tendência é que,
com o passar do tempo, o sistema partidário diminua e a estabilidade aumente —
num cenário otimista, claro.
No entanto, o Congresso Nacional aprovou recentemente
uma espécie de meio-termo que já valerá para a próxima eleição: a chamada
federação partidária, que se resume à constituição de uma frente de partidos
agindo como um só. Não somente nas eleições, mas também durante o exercício dos
mandatos. A Lei Federal nº 14.208/2021 prevê que dois ou mais partidos poderão
reunir-se em federação e, a partir daí, devem permanecer filiados à federação
por no mínimo quatro anos. A violação dessa regra resultará na proibição de
ingressar em nova federação, de celebrar coligação nas duas eleições seguintes
e de utilizar o fundo partidário por certo tempo. Aliás, a nova lei determina
que às federações se aplicam todas as normas que regem a fidelidade partidária.
Regras como essas têm uma implicação importante para as
eleições de 2022. As federações impactarão a formação de alianças não somente
em nível nacional, mas também regional. Não existirá federação pela metade ou
somente disposta a disputar a eleição presidencial. Diferentemente das
coligações, as federações não mudam a cada fronteira de estado que se cruza. Os
partidos federados devem estar alinhados em todas as unidades da federação, o
que poderá provocar uma necessidade de acomodação de interesses conflitantes
nos diretórios locais. O Brasil tem essa estranha particularidade ao estilo
Dr. Jekyll e Mr. Hyde do sistema político: o partido é um em Brasília e
outro no seu estado. A federação de partidos pode ajudar a diminuir esse
fenômeno, aproximando legendas com compatibilidade programática e ideológica
que supere divergências locais, de forma a fortalecer a institucionalização do
sistema partidário.
Apesar de agirem como uma só agremiação, partidos
políticos federados poderão preservar sua identidade e autonomia. Do contrário,
estaríamos falando de uma simples fusão partidária, já prevista no artigo 17 da
Constituição Federal. A federação partidária se diferencia exatamente por
permitir a coordenação política entre partidos diferentes, obrigando uma unidade
de ação institucional, mas sem fazer com que as siglas percam suas
características próprias.
Quem critica as federações tem um ponto. Querendo ou
não, elas vieram também para driblar os efeitos da cláusula de desempenho sobre
partidos menores. No entanto, não há como negar que as federações tenderão a
agrupar partidos ideologicamente próximos, uma vez que a nova lei exige uma
aliança política de quatro anos. Ninguém quer ficar tanto tempo dormindo com o
inimigo. Sob esse ponto de vista, as federações têm tudo para ser um teste
entre legendas para a constituição futura de um novo partido político, por meio
de fusão ou incorporação. Além disso, o prazo mínimo de quatro anos para
manutenção da federação poderá assegurar uma maior correspondência entre voto e
representação, pois partidos federados eleitos para uma legislatura deverão
permanecer unidos até o seu fim — o que também desincentiva mudanças de lado
casuísticas no cenário pós-eleitoral.
Não se trata de nenhuma jabuticaba feita à mão, vale
dizer. A experiência internacional registra modelos interessantes de federações
partidárias. No Uruguai, a Frente Ampla de José Mujica governou o país por 15
anos, até 2020. Na Alemanha, Angela Merkel governa apoiada por uma espécie de
federação composta pelos partidos CDU e CSU, embora a coalizão possivelmente
saia de cena para dar lugar ao novo governo do SPD. A chamada
"Geringonça" portuguesa também constitui uma frente em termos
parecidos. No Brasil, a formação de frentes federadas para 2022 já está em
curso. Segundo informações da imprensa, PV, Cidadania e Rede dialogam de um
lado; de outro, PCdoB conversa com PSB e PSOL. No campo da direita
possivelmente veremos movimentações também. Falta menos de um ano para as
eleições de 2022 e já sabemos que elas contarão com um elemento inédito na
democracia brasileira.
*Isaac
Kofi Medeiros é sócio do escritório Menezes Niebuhr Sociedade de
Advogados, doutorando em Direito do Estado pela USP, mestre em Direito do
Estado pela UFSC e professor de graduação (Unisul) e pós-graduação (Cesusc).
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