Por Nathalie Beghin, do Inesc
O Programa Bolsa Família (PBF) é considerado por
especialistas, nacionais e internacionais, extremamente eficiente para
enfrentar a pobreza e as desigualdades de renda. Contudo, diante do agravamento
da fome e da miséria em decorrência das consequências da pandemia da covid-19
urge ampliá-lo, aumentando o número de beneficiários e elevando os valores dos
benefícios, entre outras medidas.
Em vez de caminhar nessa direção, a de fortalecer o que
está dando certo, o governo federal resolveu inventar um programa que é uma
espécie de colcha de retalhos de transferências de renda, o Auxílio Brasil. Ao
desmontar o PBF e pôr no lugar diversas pequenas transferências para distintos
públicos, a iniciativa irá resultar na dispersão de recursos e não vai resolver
a pobreza, tampouco os demais problemas que pretende solucionar.
O programa Bolsa Família, uma história de
sucesso
O Programa Bolsa Família (PBF), instituído em 2004, é
um mecanismo de transferência de renda condicionada destinado a famílias em
situação de vulnerabilidade social.
A seleção das famílias beneficiárias é feita por meio
do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
Atualmente, são elegíveis famílias com renda familiar mensal per capita de até
R$ 89,0 para a extrema pobreza, e de até R$ 178,0 para a pobreza.
As condicionalidades do PBF são nas áreas de saúde e
educação com o monitoramento de ações tais como o calendário vacinal, o exame
pré-natal para gestantes e a frequência escolar dos estudantes.
O programa conta com dois tipos de benefícios: o fixo,
no valor de R$ 89,00, que é concedido a famílias em situação de extrema pobreza
e, o benefício variável, de R$ 41,00, outorgado a famílias pobres que contam
com crianças e adolescentes de 0 a 15 anos, gestantes ou nutrizes, sendo que
cada família pode receber até 5 benefícios variáveis. Com isso, a média mensal
de benefícios por família é de R$ 189,00 e são atendidas pouco mais de 13
milhões de famílias com um orçamento anual da ordem de R$ 30,0 bilhões, o que
representa algo em torno de 0,5% do PIB do Brasil.
O PBF é reconhecido nacional e internacionalmente como
um programa
de sucesso no combate à pobreza e, também à desigualdade de renda.
Os limites do Bolsa Família diante da crise
O que os dados evidenciam é que diante do agravamento
da crise econômica em decorrência da pandemia da covid-19, tanto a cobertura
quanto os valores dos benefícios do PBF são insuficientes para impedir o
empobrecimento da população brasileira.
Daí a implementação do Auxílio Emergencial que chegou a
alcançar, em 2020, mais de 60 milhões de pessoas com benefícios até seis vezes
superiores aos valores médios do Bolsa Família. Dados produzidos pelo Ibre/FGV
revelam que o Auxílio Emergencial no valor de R$ 600,00 por mês contribuiu para
que a extrema pobreza no Brasil chegasse ao seu
nível mais baixo da história recente, 2,3%. Como a maior parte dos recursos
do Auxílio se destinou a compras
de alimentos, o impacto desse programa na diminuição da fome foi inegável.
Os benefícios do Auxílio Emergencial não param por aí.
O programa foi fundamental para diminuir as desigualdades de renda: ainda
segundo o Ibre/FGV, o índice de Gini caiu mais de 3% entre maio e agosto de
2020.
Outro impacto extremamente alvissareiro do Auxílio é
ter resultado no combate às desigualdades de gênero e raça. Com efeito, estudo
publicado pelo Made/USP mostra que no caso de domicílios chefiados por mulheres
negras, o Auxílio Emergencial de R$ 600,00 mais do que compensou a perda da
renda do trabalho em decorrência da covid-19. E mais: antes da pandemia a renda
per capita dos domicílios chefiados por homens brancos era 2,5 vezes superior à
renda per capita dos lares chefiados por mulheres negras. Com
o Auxílio Emergencial, essa razão caiu para 2.
E experiência de mais de 15 anos de implementação do
Bolsa Família associada à do Auxilio Emergencial nos ensina que para contribuir
com o combate à pobreza e as desigualdades de gênero e raça que caracterizam o
Brasil é preciso preservar o PBF efetuando ajustes, essencialmente aumentado a
cobertura e o valor dos benefícios.
O Auxílio Brasil na contramão do bom senso
Mas, o que faz o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Ignora as evidências e lança um programa que se anuncia ineficiente e pouco
exequível.
Sabe-se pouco sobre o Auxílio
Brasil: a proposta enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional não deixa
claro quantas famílias serão atendidas, quais valores serão pagos ou como o
programa será financiado e nem como as condicionalidades serão verificadas,
entre outras questões. Contudo, as informações disponíveis possibilitam afirmar
que trata-se de programa que dispersa recursos e não resolve os problemas que
pretende sanar.
O Programa Auxílio Brasil (PAB) é um programa de
transferência de renda condicionada composto por: (a) três modalidades básicas
de benefícios – para a primeira infância, para gestantes, crianças e
adolescentes e para superação da extrema pobreza – e (b) seis auxílios
complementares, que podem se somar ao benefício básico, auxílio esporte, bolsa
de iniciação científica júnior, auxilio criança cidadã, auxílio inclusão
produtiva rural, auxílio inclusão produtiva urbana e benefício compensatório de
transição.
Os problemas do PAB são inúmeros, mas destacamos dois
para evidenciar a baixa efetividade do seu desenho.
O primeiro tem a ver com a pulverização de ações, o
desperdício de recursos e o encarecimento da gestão do programa. O Bolsa
Família está ancorado em duas políticas públicas universais que são a saúde e a
educação. A comprovação das condicionalidades é feita por redes de serviços
públicos descentralizas e com alta capilaridade, presentes nos municípios onde
habitam os beneficiários do programa, que são o SUS e a rede de educação
pública.
Já o Auxilio Brasil distribuirá benefícios que não
contam com institucionalidades sólidas como contrapartida. Assim, por exemplo,
quem irá verificar se as crianças estão em creches privadas adequadas? Quem irá
verificar se os estudantes se destacam em atividades de iniciação científica ou
em competições esportivas? Quem irá verificar o que a pessoa que habita as
cidades está promovendo como empreendimento? Quem irá verificar se o agricultor
familiar está doando sua produção?
O custo gerencial da inclusão desses cinco novos
benefícios irá encarecer o programa, pois a implantação de sistemas de
monitoramento das condicionalidades requer a alocação de recursos expressivos
tanto nas áreas federais responsáveis pelas políticas – de educação infantil,
esporte, geração de emprego e renda e promoção da agricultura familiar – quanto
nos municípios, especialmente na gestão do CadÚnico e no monitoramento das
famílias.
O segundo problema diz respeito a uma multiplicidade de
auxílios que isoladamente não serão suficientes para resolver os problemas que
pretendem enfrentar resultantes do desmonte das políticas de educação infantil,
de emprego e renda, de promoção da agricultura familiar e de esportes, entre outras.
Assim, por um lado, não se resolve o problema da
pobreza porque há desvio de foco para outras carências sociais e econômicas. E,
por outro, tampouco se solucionam essas carências com transferências de renda
que, dada a limitação de recursos imposta pelo Teto de Gastos que o governo e
seus aliados defende, não deverão ser muito grandes.
No final das contas, essa multiplicidade de objetivos,
com pequenos aportes setoriais, acaba por pulverizar esforços e recursos e não
resolve definitivamente nenhum problema. O Auxilio Brasil é contraproducente.
Um capricho de governantes incompetentes preocupados com as eleições.
O necessário fortalecimento do que dá certo
O que a experiência e a literatura, nacional e
internacional, recomendam é aprimorar o que vem dando certo. Nesse sentido, é
preciso aperfeiçoar o Bolsa Família e para tal faz-se necessário ampliar a
cobertura do programa para atingir um número maior de famílias empobrecidas,
aumentar os valores dos benefícios que não são reajustados desde 2018, conceder
rendas proporcionalmente maiores para as famílias chefiadas por mulheres,
melhorar o CadÚnico e fortalecer o Sistema Único de Assistência Social (Suas).
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