quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Os vetos de Bolsonaro à lei de abuso de autoridade

Entre os vetos, está artigo que determinava punição para quem forçasse o preso a produzir prova contra si mesmo ou terceiros (Foto: Foto: Agência Brasil)

Por Jornal GGN

O presidente Jair Bolsonaro publicou, nesta quinta-feira (05), em edição extra no “Diário Oficial da União”, a validação da Lei do Abuso de Autoridade, porém com 36 vetos dos 108 dispositivos aprovados pelo Congresso.

A lei que criminaliza abusos cometidos por servidores públicos, juízes, membros do Ministério Público e das Forças Armadas foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 14 de agosto. Antes já havia sido referendada no Senado.

A proposta listava 37 ações, divididas em 108 dispositivos que, se forem praticadas com o intuito de prejudicar ou beneficiar alguém, configuram abuso de autoridade. Bolsonaro vetou 36 dispositivos que constam em 19 artigos.

Entre as medidas da Lei do Abuso de Autoridade estão obter provas por meios ilícitos, executar mandado de busca e apreensão de forma ostensiva para expor o investigado, decretar condução coercitiva de testemunhas ou de investigados que não tenham sido intimados a depor e impedir encontro reservado entre presos e seus advogados.

Outro dispositivo determina a proibição de prisão provisória em “manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. O texto prevê ainda que autoridades sejam punidas com seis a dois anos de prisão, além de multa, caso se identifiquem falsamente no momento da prisão de alguém. Todos esses pontos citados até agora foram vetados por Bolsonaro.

Um veto curioso do presidente foi no inciso III do Artigo 13, que prevê punição para quem constranger um preso “mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência”. O Bolsonaro vetou especificamente o trecho que determina sanção para quem forçar o preso a produzir prova contra si mesmo ou terceiros.

O presidente tinha até esta quinta-feira (05) como data limite para sancionar o texto e, nos últimos dias, vinha afirmando que faria a validação com vetos.

Finalmente, após uma reunião a portas fechadas, na terça-feira (03), com os ministros André Luis Mendonça (Advocacia-Geral da União), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), o presidente bateu martelo nos pontos a serem vetados.

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) foi uma das entidades pediu ao presidente a imposição de limites à Lei do Abuso de Autoridade.

Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendia a sanção do texto na íntegra aprovado no Congresso, isso porque, entre outros pontos, determinava como crime a violação do direito ou prerrogativa de advogado, como a inviolabilidade do escritório, com pena de três meses a um ano de detenção e multa. Item também vetado por Bolsonaro.

O relator do projeto de lei no Congresso, deputado Ricardo Barros, chamou de “lamentável” os vetos e disse que as mudanças serão analisadas pelo Legislativo, que pode derrubar ou não o texto alterado por Bolsonaro.

“Lamentavelmente os vetos à lei, aprovada no Senado e referendada pela Câmara por um acordo de líderes, abrem as portas para que pessoas inocentes sejam vítimas de processos judiciais ilegais ou que pessoas que não oferecem risco à sociedade sejam humilhadas com o uso de algemas”, pontuou.

“A lei só trata de quem abusa. Atinge o Judiciário, o Legislativo, o Executivo, os Tribunais de Contas e o Ministério Público. Todas as autoridades, todo servidor público está atingido. O que nós estamos propondo é que toda autoridade constituída haja estritamente dentro da lei”, completou o parlamentar em entrevista ao jornalista Marc Sousa, na rádio Jovem Pan.

CONFIRA ABAIXO TODOS OS ITENS VETADOS POR BOLSONARO

Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

– 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

– 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

Art. 5.º : III – proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no Município em que tiver sido praticado o crime e naquele em que residir ou trabalhar a vítima, pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) anos.

Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:
I – relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;
III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

Art. 11. Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 13. [constranger o preso para]
III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro

Art. 14. Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou
publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o
intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não haverá crime se o intuito da fotografia ou filmagem for o de produzir prova em investigação criminal ou processo penal ou o de documentar as condições de estabelecimento penal.

Art. 15. [Constranger a depor quem deva guardar sigilo por motivos profissionais]

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:

I – de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
II – de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor
público, sem a presença de seu patrono.

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso quando desua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por
interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa deidentificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.

Art. 17. Submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de
qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamentenão houver resistência à prisão, internação ou apreensão,ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade oude terceiro:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aplicada em dobro se:

I – o internado tem menos de 18 (dezoito) anos de idade;
II – a presa, internada ou apreendida estiver grávida no momento da prisão,
internação ou apreensão, com gravidez demonstrada por evidência ou informação;
III – o fato ocorrer em penitenciária.

Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicarse durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.

Art. 22. [Invadir imóveis sem mandato judicial]

§ 1º II – executa mandado de busca e apreensão em imóvel alheio ou suas
dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e
desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame;

Art. 26. Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de
capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (anos) anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é capturada em flagrante delito, a pena é de detenção, de 1 (um) a4 (quatro) anos, e multa. 
§ 2º Não configuram crime as situações de flagrante esperado, retardado,
prorrogado ou diferido.

Art. 29. [Mentir para prejudicar investigados] 

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, com igual finalidade, omite dado  ou informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso.

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem
justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de
investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

Art. 34. Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento:
Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa.

Art. 35. Coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a
reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação,
inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

OS PONTOS DA LEI SANCIONADAS INTEGRALMENTE

Artigo 1º: prevê que a “divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas” não configura abuso de autoridade. Esse trecho tem a função de evitar que juízes e investigadores sejam punidos apenas por ter decisões e atos processuais revogados por instâncias superiores da Justiça.

Artigo 2º: afirma que estão sujeitos à lei todos os agentes públicos, concursados ou não, além de membros do Ministério Público e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Artigo 4º: exige indenização para as vítimas e fixa a proibição das autoridades condenadas de ocuparem cargo público por 1 a 5 anos, além da perda do cargo atual.

Artigo 6º: diz que as penas previstas na lei não excluem a aplicação de outras punições civis e administrativas.

Artigo 7º: diz que se houver condenação penal, os fatos sob suspeita não poderão ser contestados nas esferas civil e administrativa.

Artigo 8º: afirma que a absolvição no processo penal em casos de legítima defesa ou estrito cumprimento do dever legal tem como consequência a ausência de punições civis e administrativas.

Artigo 10: pune o juiz que decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado de forma “manifestamente descabida” ou sem prévia intimação.

Artigo 12: exige que seja comunicado à Justiça, no prazo legal, a prisão em flagrante ou imediatamente a prisão provisória, e pune quem deixar de cumprir alvará de soltura de preso.

Artigo 18: proíbe o interrogatório do preso durante a noite, a não ser que ele tenha sido preso em flagrante ou concorde em prestar depoimento acompanhado de advogado.

Artigo 19: pune quem impedir ou retardar o envio à Justiça de recurso de preso contra sua prisão.

Artigo 21: configura como crime manter presos de ambos os sexos na mesma cela, ou criança e adolescente no mesmo espaço de presos adultos.

Artigo 23: pune a alteração da cena do crime para incriminar investigado ou “eximir-se de responsabilidade”.

Artigo 24: configura como crime ameaçar funcionário de hospital a admitir para tratamento pessoa cuja morte já tenha ocorrido, com o objetivo de prejudicar as investigações do crime.

Artigo 25: pune a obtenção de prova por meios ilegais.

Artigo 27: proíbe iniciar investigações sem indícios da prática de crime.

Artigo 28: impede a divulgação de gravações, como de escutas telefônicas, que não tenham relação com os crimes investigados.

Artigo 31: pune quem “estender injustificadamente” a investigação, ou seja, quem mantiver em aberto uma investigação que já poderia ter sido encerrada.

Artigo 33: pune a exigência de informação ou de conduta do investigado “sem expresso amparo legal”.

Artigo 36: proíbe o bloqueio de bens em valor que “extrapole exacerbadamente” a quantia estimada para saldar a dívida no processo.

Artigo 37: proíbe que juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores demorem “demasiada e injustificadamente” de devolver o processo a julgamento após um pedido de vista.

Artigo 39: determina que no julgamento desses crimes sejam aplicadas as regras do Código de Processo Penal e da Lei de Juizados Especiais.

Artigo 40: determina que o mandado de prisão temporária deve estabelecer o prazo da prisão e o dia em que o investigado deve ser solto, com a libertação automática do preso após esse período, independentemente de autorização judicial.

Artigo 41: pune o juiz que determinar escutas telefônicas “com objetivo não autorizado em lei”.

Artigo 42: prevê a perda do cargo para autoridades reincidentes nos crimes listados no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Artigo 44: revoga a antiga Lei de Abuso de Autoridade (lei 4.898 de 1965) e dispositivos do Código Penal que tratam de crimes já previstos no texto atual.

Artigo 45: fixa o prazo de 120 dias para a lei entrar em vigor após sua publicação oficial.

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