...Jair Bolsonaro meteu o bedelho nos assuntos internos da
Argentina. Fez isso a pretexto de ensinar os eleitores do país vizinho a votar
direito, de preferência à direita. Com isso, o capitão tornou-se sócio de um fiasco.
Por Josias de Souza - UOL
O nariz de um presidente da República pode brilhar,
espirrar e coçar. Mas jamais deve se meter onde não é chamado. Ao tomar o
partido de Mauricio Macri, candidato à reeleição, Jair Bolsonaro meteu o
bedelho nos assuntos internos da Argentina. Fez isso a pretexto de ensinar os
eleitores do país vizinho a votar direito, de preferência à direita. Com isso,
o capitão tornou-se sócio de um fiasco. A chapa presidencial encabeçada por
Alberto Fernández, com a ex-presidente Cristina Kirchner acomodada na vice, deu
uma surra em Macri nas eleições prévias realizadas neste domingo (11). Obteve
47,37% dos votos, contra 32,23% amealhados pelo preferido de Bolsonaro.
Mantido esse cenário, Macri será
enviado de volta para casa já no primeiro turno das eleições, marcadas para 27
de outubro. E as relações bilaterais do Brasil com a Argentina tomarão o caminho
do brejo. Desde que tomou posse, Bolsonaro derramou muita saliva no seu esforço
para convencer os eleitores da Argentina de que seria melhor ter paciência com
o liberalismo de Mauricio Macri e seus desacertos do que devolver ao Poder a
chapa envenenada pela presença da antecessora esquerdista Cristina Kirchner.
Com o auxílio do chanceler Ernesto Araújo, o presidente mandou às favas a
tradição do Itamaraty, que tinha na política de não intervenção em assuntos
domésticos de outros países uma de suas principais marcas.
No último mês de maio, em cerimônia de formatura do
Instituto Rio Branco, o chanceler Araújo declarou à turma de novos diplomatas:
"Diplomacia não significa ficar em cima do muro. Não é ver os grandes
embates e aderir ao vencedor. Diplomacia precisa ter sangue nas veias." O
resultado das eleições primárias da Argentina revela que o tipo sanguíneo de
Araújo, em sistemática ebulição, não é o mais adequado ao Itamaraty. O sangue
que deve correr nas veias de um bom diplomata é outro: o sangue-frio.
Na mesma solenidade de formatura, Jair Bolsonaro
discursou em timbre militar: "Quando acaba a saliva, entra a pólvora. Não
queremos isso." Os repórteres perguntaram ao presidente se estava pensando
na Venezuela quando espalhou pólvora em ambiente diplomático.
Ao responder, o capitão desceu do muro, só que do lado
errado: "Não, aminha preocupação é com a Argentina hoje em dia." Segundo
ele, uma nova Venezuela brotaria na vizinhança se o esquerdismo de Cristina
Kirchner retornasse à Casa Rosada, sede do governo argentino.
Horas depois, discursando para uma plateia de
evangélicos, Bolsonaro afirmou que um "milagre" salvou sua vida
depois da facada que levou durante a campanha presidencial. Disse encarar a
Presidência como "missão de Deus." Parece acreditar que todos
aceitarão as presunções que cultiva a seu próprio respeito. Em matéria de
política internacional, isso inclui concordar que sua missão divina lhe confere
a prerrogativa de tratar Buenos Aires como uma espécie de Brasília
hipertrofiada.
O eleitorado portenho ensina a Bolsonaro que ele faria
muito bem a si mesmo se passasse a olhar para o quintal do vizinho com olhos de
aluno, não de professor. Levando a coisa a sério, talvez perceba que o governo
de Macri é um extraordinário aviso, não um bom exemplo.
Assim como Bolsonaro, Macri chegou à Presidência
surfando a raiva da maioria do eleitorado com a velha política e o esquerdismo
sem resultados. A esperança de prosperidade resultou em grossa decepção.
Deve-se a nova perspectiva de ascensão do peronismo à moda Kirchner à queda dos
indicadores econômicos. As reformas prometidas por Macri viraram suco. Seu
discurso liberal virou pó. Recorreu até ao congelamento de preços contra a
inflação.
Bolsonaro tem muito a desaprender com Macri. A exemplo
do capitão, o atual presidente argentino também encostou sua administração na
figura do presidente americano Donald Trump. Nem por isso a Argentina livrou-se
do colapso econômico. Evidência de que, nas relações internacionais, o
pragmatismo e o equilíbrio valem mais do que o personalismo ideológico.
Confirmando-se a derrocada de Macri, as declarações de
amor feitas por Bolsonaro podem custar caro. De saída, fica ameaçado o acordo
comercial recém-firmado entre o Mercosul e a União Europeia.
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