Prédio que desabou está localizado no Largo do Paissandu, onde viviam 150 pessoas de sem tetos. Nos anos 90 abrigava a Superintendência da
Polícia Federal em São Paulo. Ali entrou Antonio Ermírio de
Moraes, presidente do Grupo Votorantim, flagrado no caixa 2 de Paulo César
Farias, o PC, tesoureiro de Collor, no escândalo que derrubou o então
presidente”.
As imagens do prédio em chamas que desaba no centro de
São Paulo são impressionantes, assustadoras. Ao ver um dos vídeos gravados,
feitos durante a noite, não consegui identificar que imóvel era aquele, mas
imaginei que se tratasse de algo familiar. Pesquisei e vi que o edifício que
desabou era o da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Quem era
repórter nas décadas de 80 e 90 se lembra bem daquele edifício. Ficava na rua
Antônio de Godoy.
Ainda esta semana, conversando por telefone com Fausto
Macedo, do Estadão, falamos do edifício e da época em que dávamos plantão na
calçada.
O prédio era uma referência dos anos 90. Ali vimos
entrar Antonio Ermírio de Moraes, presidente do Grupo Votorantim, flagrado no
caixa 2 de Paulo César Farias, o PC, tesoureiro de Collor, no escândalo que
derrubou o então presidente. Ermírio saiu nervoso e não parou para dar
entrevista, eu —na época repórter de Veja — e um repórter da Folha caminhamos
com ele até a sede da sua empresa, ali perto, ao lado do Teatro Municipal.
Ermírio falou pouco, mas, na entrada do edifício, ao se despedir, foi sincero:
“Isso é dinheiro para campanha, não é propina. Você
acha que eu nunca dei dinheiro para campanha? Demos para todos, inclusive para
o PT”, disse, numa referência ao partido que, à época, liderava a campanha
Ética na Política e era conhecido pelo discurso pureza ética. Era falso.
As campanhas eleitorais, num país de dimensão
continental como o Brasil, custam caro e sempre foram financiadas pelo dinheiro
de empresários e banqueiros. Todos os partidos sabiam disso. Tanto que, à
época, quando interrogado em uma CPI, o tesoureiro de Collor se dirigiu aos
deputados e senadores para dizer uma frase antológica: “Estamos todos sendo
hipócritas aqui”, disse.
Nesta época da hipocrisia, a Polícia Federal começava a
destacar. No meu livro “Basta! Sensacionalismo e Farsa na Cobertura
Jornalística de PC Farias”, cito o prédio que agora não existe mais, ao tratar
dos escândalos da época. Um dos casos retratados é o da prisão de Jorge La
Salvia, operador argentino, preso no aeroporto pela suspeita de transportar 1
milhão de dólares não declarados.
O suspeito foi levado no banco de trás de um Tempra da
polícia, um carro sem inscrição nem sirene. Enquanto ele era transportado,
agentes da Polícia Federal que mantinham ligações com repórteres avisaram
algumas redações e, pouco tempo depois, a rua Antonio de Godói, no antigo
centro de São Paulo, já estava tomada por carros de reportagens. Era juma cena
a que já estavam acostumados os vendedores de lojas de equipamento fotográfico,
os balconistas de bares e pequenos restaurantes, os camelôs de livros e
revistas antigos que ocupam a calçada, o jornaleiro de uma banca da esquina, as
prostitutas que fazem o ponto a cinquenta metros dali, no largo Paissandu.
Enfim, eram esses os vizinhos da Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo,
que ocupava um prédio de 20 andares aparentemente sem manutenção. A recepção,
onde agentes afastados do serviço de investigação trabalhavam conferindo os
documentos dos visitantes, dividia espaço com uma agência da Caixa Econômica
Federal.
Quando os carros de reportagem encostavam ao lado das
viaturas policiais na pequena Antônio de Godói, os usuários tradicionais da rua
rua recebiam a companhia de transeuntes curiosos.
“Quem está aí?”
“É algum desses ladrões do nosso dinheiro?”
“É algum magnata?”
Essas eram as perguntas mais frequentes. Os curiosos
aprenderam que a Polícia Federal não é o endereço de criminosos comuns, desses
que ocupam a maior parte do tempo dos programas de tevê sensacionalistas. Ali
não é lugar onde se apresentem criminosos com as digitais sujas de sangue. A PF
é lugar de suspeito com colarinho branco e mãos bem lavadas. Muitos desses
curiosos tinham visto, alguns anos antes, um homem de estatura média, poucos
cabelos pretos assentados por gel, sair apressado, tentando abrir caminho em
meio a repórteres. Era inicio da noite e os holofotes portáteis das equipes já
estavam ligados. O homem apressado não respondia a nenhuma pergunta enquanto
caminhava com microfones tentando lhe obstruir a passagem. Para chegar à BMW
creme que o aguardava, ele teve que atropelar um tambor na calçada que servia
de lixeira, e por pouco na caiu. O suspeito era o bispo Edir Macedo, dono da TV
Record, que acabara de prestar depoimento de mais de cinco horas sobre as
negociações que resultaram na transferência da emissora para o controle da
Igreja Universal do Reino de Deus.”
Vinte e sete anos depois, muita coisa mudou. O prédio
não existe mais, Edir Macedo consolidou um império de comunicação, o único que
incomodou a Globo, PC Farias está morto, Antônio Ermírio de Moraes também. E a
Polícia Federal, de força policial republicana, se converteu, em grande parte,
num órgão a serviço de um projeto que derrubou um governo e não desperta mais
admiração dos anos 90. Ruiu.
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