Ciclo terrestre é
resultado de uma complexa interação com as influências gravitacionais de Vênus,
Júpiter e outros objetos do Sistema Solar
Um novo estudo demonstra que a influência gravitacional
de Júpiter e de Vênus provoca, a cada 405 mil anos, uma alteração na órbita da
Terra que tem impactos no clima global. De acordo com os autores da pesquisa,
publicada nesta segunda-feira, 7, na revista científica PNAS, esse ciclo já
havia sido previsto por cálculos de mecânica celeste, mas até agora ninguém
havia apresentado evidências físicas de sua existência.
Segundo os autores, o estudo, que se baseou em
escavações feitas em rochas extremamente antigas do Arizona (Estados Unidos),
comprovou que o fenômeno tem ocorrido regularmente há pelo menos 215 milhões de
anos - antes do aparecimento dos dinossauros -, deixando a órbita mais
"alongada".
"É um resultado espantoso, porque a existência
desse longo ciclo, que já havia sido prevista a partir da análise dos
movimentos dos planetas nos últimos 50 milhões de anos, foi comprovada e já
ocorre há pelo menos 215 milhões de anos. Agora os cientistas poderão ligar
esse ciclo de 405 mil anos, de uma maneira muito precisa, às alterações no
clima, no ambiente e na evolução dos dinossauros e dos mamíferos, por
exemplo", disse o autor principal do estudo, Dennis Kent, da Universidade
Rutgers, nos Estados Unidos.
Por várias décadas, os cientistas postulavam que a
órbita da Terra em torno do Sol sofre uma modificação a cada 405 mil anos,
passando de uma forma quase circular para uma forma 5% mais alongada, ou
elíptica.
O ciclo, segundo eles, é resultado de uma complexa
interação com as influências gravitacionais de Vênus, Júpiter e outros objetos
do Sistema Solar, que em sua viagem em torno do Sol às vezes estão mais
próximos e às vezes mais distantes uns dos outros.
Segundo os astrofísicos, porém, o cálculo matemático
desse ciclo só era confiável nos últimos 50 milhões de anos. Para além desse
limite, o problema se torna complexo demais, porque há muitas variáveis em
jogo.
"Há outros ciclos orbitais mais curtos, mas quando
olhamos para o passado, é muito difícil saber quais deles têm relações entre
si, porque eles mudam muito com o tempo. A beleza desse ciclo maior é que ele
não muda. Todos os outros ciclos é que mudam em relação a ele", disse
Kent.
Escrito nas rochas
A evidência que demonstra a existência do ciclo há pelo
menos 215 milhões de anos são amostras de rocha retiradas de até 500 metros de
profundidade de uma colina no Parque Nacional da Floresta Petrificada, no
Arizona, em 2013.
As rochas do Arizona que foram estudadas se formaram
durante o fim do período Triássico, entre 209 e 215 milhões de anos atrás,
quando a área era coberta por rios que carreavam sedimentos. Nessa época, os
primeiros dinossauros estavam começando a evoluir.
Os cientistas determinaram a idade das rochas do
Arizona analisando as camadas de cinzas vulcânicas em seu interior que contêm
radioisótopos cuja emissão radioativa decai em uma taxa constante. A partir dos
sedimentos, eles também detectaram repetidas inversões na polaridade do campo
magnético do planeta.
Antes de escavar o solo no Arizona para obter os
"testemunhos de rocha" - como são chamados os "cilindros"
de rocha de centenas de metros de comprimento - os cientistas já haviam obtidos
testemunhos em Nova Jersey, que mostravam uma alternância entre períodos secos
e úmidos ao longo de milhões de anos.
Eles acreditavam que essas mudanças do clima
registradas nas rochas de Nova Jersey eram controladas pelo ciclo de 405 mil
anos, mas naquelas rochas não havia camadas de cinzas vulcânicas que
permitissem determinar as datas com precisão.
Combinando os dois conjuntos de dados - obtidos em Nova
Jersey e no Arizona -, os cientistas demonstraram que os dois locais se
desenvolveram ao mesmo tempo e que o intervalo de 405 mil anos de fato está
ligado às variações do clima.
Profusão de ciclos
Outro dos autores da pesquisa, o paleontólogo Paul
Olsen, afirma que o ciclo não muda o clima diretamente, mas intensifica ou
enfraquece os efeitos de outros ciclos de duração mais curta, que por sua vez
afetam o clima diretamente. Em conjunto, esses ciclos mudam as proporções de
energia solar que atingem a Terra em diferentes momentos do ano.
Ele explica que há um ciclo menor a cada 100 mil anos,
ligado à excentricidade da órbita da Terra, um de 41 mil anos, ligado à
inclinação do eixo da Terra em relação à órbita em torno do Sol e um ciclo de
21 mil anos ligado a uma oscilação no eixo da Terra. Na década de 1970,
cientistas revelaram que esses ciclos menores levaram à alternância entre
períodos de aquecimento e resfriamento do planeta, produzindo as glaciações.
Mas ainda há muita discussão sobre as inconsistências
nos dados dos últimos milhões de anos e sobre as relações desses ciclos com o
aumento e redução dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera - outro fator
que controla o clima global. O que torna os resultados desses fenômenos ainda
mais difíceis de entender é a interação constante entre eles. Eventualmente, um
ciclo está fora de fase em relação aos outros e uns tendem a neutralizar os outros.
Outras vezes, eles podem se combinar provocando mudanças drásticas e súbitas.
Segundo os autores do novo estudo, a cada 405 mil anos,
quando a excentricidade - ou "alongamento" - da órbita está em seu
máximo, diferenças sazonais provocadas pelos ciclos mais curtos se tornam mais
intensas, deixando os verões mais quentes, os invernos mais frios, os locais
secos mais secos e os locais úmidos mais úmidos. Tudo se inverte 202,5 mil anos
depois, quando a órbita da Terra se torna mais circular.
Os cientistas explicam que Júpiter e Vênus exercem
forte influência na órbita da Terra por causa do tamanho e da proximidade,
respectivamente. Vênus é o planeta mais próximo da Terra, afastando-se dela no
máximo 260 milhões de quilômetros. Júpiter está muito mais longe, mas é maior
planeta do Sistema Solar, 2,5 vezes maior que a soma de todos os demais.
Efeito estufa é decisivo
Segundo Olsen, o sistema é tão intrincado que ainda há
muita pesquisa a ser feita para que se compreenda completamente as relações
entre a órbita e o clima da Terra. "É uma coisa realmente complicada. Nós
utilizamos basicamente o mesmo tipo de conhecimento matemático que é utilizado
para enviar espaçonaves a Marte - e que funciona muito bem na prática. Mas
quando começamos a estudar os movimentos interplanetários em um passado mais
remoto e a ligá-los a mudanças no clima, temos que admitir que não entendemos
todo o funcionamento."
Neste momento, segundo os cientistas, a órbita da Terra
está no momento mais "circular" dos últimos 405 mil anos. "Para
nós isso provavelmente não tem nenhum significado muito perceptível. Esse ciclo
está bem longe do topo da lista de coisas que podem afetar o clima em escalas
de tempo que nos afetem. Neste momento, todo o dióxido de carbono que nós lançamos
na atmosfera é um problema muito maior, com efeitos muito mais importantes nas
nossas vidas. O ciclo planetário é bem mais sutil", disse Kent.
Estadão
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