Por Ricardo Lewandowski
*Artigo originalmente publicado na edição desta
terça-feira (10/4) do jornal Folha de S.Paulo, com o título "Direito como
tópica"
A crescente imprevisibilidade das decisões proferidas
por juízes e tribunais vem alimentando uma visível descrença no Poder
Judiciário.
Esse fato traz de volta uma velha questão: o Direito,
afinal, é uma ciência ou simples técnica retórica? A resposta a essa pergunta
tem suscitado acaloradas discussões ao longo de várias gerações de juristas.
Tal debate não se colocava ao tempo dos antigos
romanos. O Direito, para eles, tinha cunho objetivo e eminentemente prático,
empregado como instrumento para consolidar a paz social, inclusive nos vastos
territórios que conquistaram.
Após a queda do Império Romano, a jurisprudência latina
incorporou os usos e costumes dos chamados "povos bárbaros", dando
origem a um sistema híbrido, que mesclava leis escritas e práticas ancestrais,
o qual perdurou por toda a Idade Média.
Com a prevalência dos ideais iluministas, surgiram as
primeiras Constituições, concebidas para enquadrar o poder político, e também
as grandes codificações, destinadas a racionalizar a intrincada legislação que
sobreviveu à época medieval. Na crença de que esses novos textos esgotavam todo
o Direito, exigiu-se dos juízes que fossem aplicados literalmente, sendo-lhes
vedada qualquer interpretação.
O aprofundamento da Revolução Industrial fez com que as
sociedades se tornassem mais complexas e dinâmicas, ficando logo evidente que
os diplomas legais recém-editados não logravam abarcar a totalidade do Direito.
Como era de esperar, passaram a apresentar inúmeras lacunas, que tiveram de ser
preenchidas mediante o emprego da analogia e de outros expedientes.
Várias escolas de hermenêutica, então, se sucederam.
Algumas tentaram resgatar a imperatividade das leis escritas, a exemplo da
positivista, cujo maior expoente foi o austríaco Hans Kelsen (1881-1973).
Outras, de índole relativista, ao contrário, buscaram
ampliar a criatividade dos juristas, como aquela chefiada pelo alemão Theodor
Viehweg (1907-1988).
Viehweg repudiava o tradicional método interpretativo,
consistente em subsumir fatos a normas previamente selecionadas, segundo um
raciocínio lógico-formal. É que ele concebia o Direito como uma tópica, cujo
significado somente poderia ser desvendado caso a caso, por meio de uma
argumentação pontual. Críticos não tardaram a concluir que tal concepção,
levada a extremos, geraria enorme insegurança.
Parece que hoje alguns magistrados, sobretudo os da
área penal, voltaram a considerar o Direito uma mera tópica, da qual é possível
extrair qualquer resultado. E o fazem pela adoção desabrida de teorias
estrangeiras, em especial germânicas e anglo-saxônicas, quase sempre
incompatíveis com nossa tradição pretoriana, que extrai o Direito
essencialmente de fontes formais.
Chegou a hora de colocarmos um paradeiro nessa
indesejável relativização do Direito, a qual tem levado a uma crescente
aleatoriedade dos pronunciamentos judiciais, retornando-se a um positivismo
jurídico moderado, a começar pelo estrito respeito às garantias
constitucionais, em especial da presunção de inocência, do devido processo
legal, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.
Conjur
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