Por Blog do Josias
Operação
Carne Fraca expõe o mesmo fisiologismo desmascarado na Lava Jato
Deflagrada a partir de Curitiba, a Operação Carne Fraca
tem mais pontos de contato com a Lava Jato do que a mera localização
geográfica. A investigação sobre fraudes no setor de inspeção agropecuária
expõe o mesmo flagelo que produziu o escândalo do petrolão: o fisiologismo.
Assim como aconteceu na Petrobras, o organograma do Ministério da Agricultura
foi tomado de assalto por apadrinhados de políticos. No setor de petróleo, os
congressistas foram atraídos pelos bilionários negócios com fornecedores da maior
estatal do país, sobretudo as empreiteiras. Na Agricultura, a sedução é
exercida pela prosperidade planetária do agronegócio brasileiro.
O Diário Oficial desta segunda-feira publica a
exoneração dos superintendentes do Ministério da Agricultura em dois Estados
alcançados pela investigação da Carne Fraca.
Seguindo-se
a trilha do apadrinhamento político, chega-se às digitais do problema.
No Paraná, foi afastado Gil
Bueno de Magalhães. Trata-se de um servidor apadrinhado pela bancada paranaense
do Partido Progressista (PP), campeão no ranking de enrolados do petrolão. Está
preso. Sustentavam o demitido os deputados Dilceu Sperafico, Nelson Meurer e
Ricardo Barros, licenciado do mandato para exercer o cargo de ministro da
Saúde.
Em
Goiás, foi afastado o servidor Júlio César Carneiro. Foi
conduzido coercitivamente para prestar depoimento na última sexta-feira. Seu
padrinho é Jovair Arantes (PTB-GO), um deputado da infantaria de Eduardo Cunha.
Ele já controlava a superintendência goiana da Agricultura no governo petista.
Afastou-se de Dilma Rousseff ao exercer a função de relator do processo de
impeachment na Câmara. Consumado o impedimento da presidente, Jovair
credenciou-se para manter os pés fincados no setor que controla os negócios da
agropecuária, principal atividade econômica do seu Estado.
Gil Bueno e Júlio César foram apeados de seus cargos
numa situação limite. Se não tivessem sido abalroados pela Carne Fraca, o
ministro Blairo Maggi (Agricultura) não ousaria afastá-los num instante em que
o Planalto paparica seus aliados no Congresso para aprovar a reforma da
Previdência.
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), um dos mais
destacados membros da bancada ruralista do Congresso, critica a ação da Polícia
Federal na Carne Fraca. Acha que, numa investigação que se desenrolava há quase
dois anos, a PF tinha “a obrigação de ser mais certeira nos seus tiros e não
sair atirando para todo lado, como se toda a carne brasileira fosse uma
porcaria.” Mas Caiado reconhece que a influência política exerce efeitos
deletérios sobre o setor.
“Este modelo está falido. Submeter a composição de
cargos técnicos a interesses políticos só pode resultar em desastre”, disse
Caiado ao blog. “Por isso, jamais me atrevi a indicar ninguém. Perde-se a
objetividade para fazer o controle sanitário e garantir todas as exigências que
fazem da nossa carne a mais prestigiada do mundo. O estrago feito agora vai
demorar muitos anos para ser desfeito.”
No
Paraná, o servidor Gil Bueno substituiu outro encrencado na
Carne Fraca, o ex-superintendente Daniel Gonçalves Filho. Que representava no
cargo a bancada do PMDB paranaense. Última ministra da Agricultura da gestão
Dilma Rousseff, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) exonerou Daniel Gonçalves por
recomendação da Consultoria Jurídica do Ministério. O personagem sofrera um
processo administrativo disciplinar.
Em
privado, Kátia Abreu diz que não foi fácil retirar Daniel da
cadeira. Conforme já noticiado aqui, peemedebistas do Paraná, entre eles o
deputado licenciado Osmar Serraglio, hoje ministro da Justiça de Michel Temer,
pressionaram pela permanência do servidor tóxico no cargo. Nessa época, o
senador Roberto Requião (PMDB-PR) foi convidado pela colega Kátia a indicar uma
pessoa para comandar a superintedência do Paraná. Requião preferiu abrir mão da
preferência.
A exemplo de Caiado, Requião critica a generalização
feita pela Polícia Federal. Atribui o fenômero ao que chama de
“espetaculatização da corporação policial. Mas Requião reconhece a importância
da investigação. E explica os motivos que o levaram a se abster de fazer
indicações para a Agricultura.
“Os rumores eram intensos de que havia por trás daquilo
um esquema de parlamentares com fiscais, para conseguir favores e facilidades
de forma corrupta”, disse Requião ao blog. “Essa coisa é muito semelhante aos
pixulecos, ao caixa dois ou caixa três que estão por aí. Disse à ministra que
nomeasse um técnico. Depois, vi que não adiantava, porque parece que muitos
funcionários estavam envolvidos nisso. A estrutura se corrompeu ao longo do
tempo.”
Dá-se na Agricultura algo muito parecido com o que
sucedeu na Petrobras. O fenômeno foi dissecado numa resposta que o ex-diretor
de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa deu ao juiz Sérgio Moro em
depoimento que prestou como delator, em outubro de 2014.
Funcionário de carreira da Petrobras, Paulo Roberto foi
alçado ao posto de diretor por indicação do PP. Antes de dar por encerrado o
interrogatório, Sergio Moro perguntou se ele gostaria de “dizer alguma coisa”.
Eis o que disse o delator:
“Queria dizer só uma coisa, Excelência. Eu trabalhei na
Petrobras 35 anos. Vinte e sete anos do meu trabalho foram trabalhos técnicos,
gerenciais. E eu não tive nenhuma mácula nesses 27 anos. Se houve erro —e
houve, não é?— foi a partir da entrada minha na diretoria por envolvimento com
grupos políticos, que usam a oração de São Francisco, que é dando que se
recebe. Eles dizem muito isso. Então, esse envolvimento político que tem, que
tinha, depois que eu saí não posso mais falar, mas que tinha em todas as
diretorias da Petrobras, é uma mácula dentro da companhia…”
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