Do Justificando
Membros
do MPF encabeçaram movimento leviano e receberam um míssel.
Leonel
Brizola, um dos maiores políticos do Brasil, demonizado pela mídia, era
entrevistado, salvo erro de memória, curiosamente, pelo RODA-VIVA, em uma época
em que era efetivamente jornalístico, quando lhe foi perguntado sobre o exílio,
sobre o que seria ser exilado, ao que respondeu, sem pestanejar, que não
desejaria o exílio “sequer ao general que me expulsou do país”. A resposta foi
grandiosa, na medida em que deixou claro o estadista, que sabia separar a dor e
o ressentimento.
Lembrei-me
de Brizola ao me deparar com o que ficou da proposta do AI-6 levado por parte
do MPF e seus acólitos deslumbrados ao Congresso Nacional. O pacote que ficou,
com o abuso de autoridade repaginado não merece aplausos e contém os mesmos
desvios autoritários, que maculavam o pacote ditatorial.
Por mais
que seja aterrorizante que uma menina tenha sido posta, mediante ordem
judicial, em um cadeia degradante e degradada com homens, lá atirados feito
feras e tenha sido estuprada a um nível nunca antes visto, por mais que seja
odioso pensar que Sua Excelência foi aposentada e vive com impostos recolhidos,
inclusive da menina e de sua família, por mais que seja aterrorizante pensar
que um juiz, que se tornou estrela midiática, que estimula o culto à sua
personalidade, ovacionado pelas redes sociais e por um número altíssimo de
juízes e promotores, notadamente, que faz da prisão a fonte para obtenção de
confissões e acordos de delação premiada, por mais que seja odioso ver o
vazamento seletivo de informações, por mais que seja apavorante sentir que, nas
cadeias do país, pessoas precisem expor suas entranhas mais íntimas para
visitar seus entes queridos, por mais que tenha se tornado corriqueiro ver
tristes usuários de entorpecentes tratados como se fossem grandes traficantes,
por mais que se tenha incorporado à rotina a prisão de pequenos ladrões, por
mais que se vejam negadas as portas da Justiça aos pobres, por mais atrocidades
que se vejam todos os dias, nem por isso se justifica que se cometam outras
atrocidades, travestidas em tipos penais abertos e de manifesta
inconstitucionalidade.
Ao
criminalizar “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de
suas funções”, art. 8º do Projeto, cria-se uma polícia de costumes, anacrônica,
machista, racista, criando um “comportamento-padrão”, algo que somente as
ditaduras mais horrendas pensariam em fazer. Dispositivos semelhantes, para
fins administrativos, já existem nas leis orgânicas de ambas as instituições e
foram tradicionalmente usados para perseguir mulheres, “que não se comportassem
como vestais”, ouvi de um corregedor-geral.
Um
dispositivo penal dessa indefinição é evidentemente uma afronta à tipicidade e
deverá ser proscrito, mas que o seja na atividade parlamentar, reconhecendo-se
que sobreleva a essa descrição típica uma garantia constitucional que nos deixa
a salvo para fazer ou deixar de fazer tudo o que a lei permite ou não manda. Os
membros do Ministério Público, certamente por terem encabeçado esse movimento
leviano, receberam um outro míssil que pode comprometer sua atividade-fim.
Passa a ser
crime “promover a instauração de procedimento, civil ou administrativo, em
desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum
delito”. Nada há mais fluido do que a expressão “indícios mínimos”, colocando o
promotor/procurador sempre contra um paredão de fuzilamento imaginário,
tirando-lhe o seu maior atributo, que é a independência funcional. Fica claro
que esse dispositivo tem ares de retaliação dos muitos excessos cometidos pelo
Ministério Público, que, todavia, continua e será sempre essencial à administração
da Justiça.
Para ambas
as instituições, uma outra vingança. É crime “ser patentemente desidioso no
cumprimento de suas atribuições”. Patentemente é um vocábulo de terceira
grandeza e lembra algo militar, cruzes. Três dispositivos que não podem ser festejados
de maneira alguma. Se existe hoje uma Justiça arbitrária no país e existe, não
será com mais arbítrio que a melhoraremos; ela se degradará ainda mais porque
se incorporará ao Estado de Medo, policialesco, sufocante.
Brizola
sabia das coisas. Exílio por exílio, arbítrio por arbítrio só nos igualarão ao
que temos de pior, só nos afundará a um poço sem fundo de arbitrariedades, que,
lembrando o velho estadista, exilará de vez o Estado Democrático de Direito.
Roberto
Tardelli é Advogado Sócio da Banca Tardelli, Giacon e Conway. Procurador de
Justiça do MPSP Aposentado.
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