Declarações constrangedoras
Em meio à Conferência do Clima da ONU, o representante
do Brasil, ministro de Michel Temer, Blairo Maggi, afirmou que a Agricultura
não vai cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, só
se alguém pagar por isso.
Outra polêmica do ministro foi afirmar que as mortes de
ativistas no campo, na luta por terras, são "poblema de
relacionamento". Essas e outras afirmações fizeram com que a ONG Engaja
Mundo desse de presente ao representante um colar de "pérolas
mággicas", em referência às falas de Maggi.
"Blairo revelou despreparo em estar em um encontro
de cúpula com 190 países", analisou a jornalista Daniela Chiaretti,
completando que "a lógica desconexa contamina boa parte do setor por
capilaridade". Para ela, as pérolas não são patéticas, são "trágicas".
Por Daniela Chiaretti
Do Valor Econômico
As declarações do ministro da Agricultura, Blairo
Maggi, na conferência do clima das Nações Unidas em Marrakesh, em novembro, não
foram apenas constrangedoras. Ao menosprezar as mortes por conflitos de terra
no país e vincular o compromisso brasileiro de reduzir emissões a recursos
financeiros do exterior, Blairo revelou despreparo em estar em um encontro de
cúpula com 190 países e deixou claro que a importância da proteção
socioambiental ainda não foi compreendida por uma importante liderança da
agricultura brasileira. A lógica desconexa contamina boa parte do setor por
capilaridade. Isso não é patético, é trágico.
O ministro chegou a Marrakesh dizendo que a
"agricultura brasileira é a mais sustentável que existe". Não deu
tempo de contestação: suas falas, na sequência, derrubaram a megalomania. Foram
divulgadas pela imprensa nacional e - por sorte -, solenemente ignoradas pela mídia
internacional, preocupada com um falastrão maior e mais poderoso, Donald Trump.
Ao dizer que "o Brasil é líder mundial no recolhimento de embalagens de
agrotóxicos", Blairo carimbou o que todos sabem: que o Brasil é líder
inconteste no uso de venenos lançados sobre o campo, colheitas, trabalhadores,
índios, donos de terras, animais, solo, água, produtos agrícolas e
consumidores.
Não há nada de sustentável nisso a não ser o
melancólico ponto de o setor reciclar as embalagens. Um estadista teria confrontado
os europeus, que vendem produtos banidos de suas prateleiras há mais de 20 anos
a quem os aceite, e negociado tecnologias mais modernas a bom preço. Depois,
voltaria para casa e pressionaria para atualizar a regulação doméstica. Barbara
Hendricks, ministra alemã do Meio Ambiente, estava em Marrakesh, assim como
todas as ONGs que poderiam ajudar o Brasil a virar o jogo e deixar a
agricultura brasileira menos tóxica.
O agronegócio responde por 25% do PIB brasileiro. É uma
grande força. O desafio é colocá-lo na fronteira da sustentabilidade ou
enfrentará riscos econômicos e ecológicos em 10-20 anos, dizem pesquisadores.
Não acontecerá com palavras ocas. A intensificação da pecuária é a grande
batalha adiante. A média brasileira é triste - 0,7 cabeça de gado por hectare.
Análises da Embrapa indicam que quatro cabeças por hectare fariam com que a
pecuária brasileira fosse produtiva e zero carbono em termos líquidos - zerando
a emissão de metano do gado com o sequestro de carbono pelo pasto. "A
agricultura brasileira tem bons avanços, mas precisa continuar. Considerando o
tamanho do setor caminhamos a 'nano passos'", diz Annelise Vendramini,
coordenadora do Programa de Finanças Sustentáveis do GVCes, da Fundação Getulio
Vargas.
A moratória da soja foi celebrada em Marrakesh e o
Brasil, parabenizado. Mas a realidade brasileira é que o desmatamento está em
tendência de alta e há problemas no Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga. "O
Brasil foi citado inúmeras vezes como o único que conseguiu controlar suas
emissões em escala global. Tem que dizer 'muito obrigado' e, na sequência,
'vocês têm que fazer mais'", diz Paulo Adario, estrategista sênior de
florestas do Greenpeace Internacional. "Não aprendemos que somos grandes.
Um país que assume que é uma potência se comporta como tal."
O Plano Agricultura de Baixo Carbono, conhecido como
ABC, é vedete internacional. Política pública inovadora, com tecnologias de
recuperação de pastagens e intensificação lavoura-pecuária-floresta, prepara a
agricultura brasileira para a nova fronteira da competitividade, o baixo
carbono. O ministro vangloriou-se do ABC, só não abriu os números. Se em 2016 o
crédito agrícola bateu em R$ 185 bilhões, o destinado ao ABC é cerca de R$ 3
bilhões.
Ao vincular os compromissos de reduzir emissões
assumidos pelo Brasil a recursos financeiros internacionais Blairo errou. Nas
dez páginas da meta brasileira, lê-se que, diferente das de Burundi e
Bangladesh, a nossa "não é condicionada a apoio internacional". O
ministro chegou a Marrakesh brandindo um número mágico: o custo dos
compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris (que trata como
"intenções") estaria em US$ 40 bilhões. A estimativa é de um estudo
que o Banco Interamericano de Desenvolvimento está preparando a pedido do
Ministério do Meio Ambiente, que busca colocar de pé o que está previsto na
meta brasileira.
"Aos produtores rurais cabe a tarefa de
reflorestar 12 milhões de hectares e recuperar 15 milhões de pastagens
degradadas", disse Blairo à revista "Globo Rural". "Quem
vai pagar esta conta?", emendou. O passivo ambiental dos produtores rurais
no Código Florestal está entre 10 milhões e 20 milhões de hectares - então 12
milhões parece adequado. Ou quem desmatou o que não devia só cumpre o que diz a
lei brasileira se tiver dinheiro de fora? "Foi como dizer, a gente pode
fazer, mas paguem. Como se o assunto se resumisse a um favor para outros países
e não se tratasse de uma tragédia que nos assola e para a qual nós também
contribuímos", diz Marcio Santilli, sócio fundador do ISA (Instituto
Socioambiental), ONG reconhecida pelo trabalho com povos indígenas e unidades
de conservação. "Outra coisa teria sido se sofisticassem o argumento: o
Brasil até pode fazer um esforço adicional para reduzir o desmatamento. Mas
isso tem custo e se poderia negociar", sugere.
Leia mais na coluna do
Valor.
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