Festival
de Gêmeos da UFMG realizado em abril pelo RBG Divulgação/RBG
Léo Rodrigues - Correspondente da Agência Brasil
O Registro Brasileiro de Gêmeos (RBG) é a aposta de
pesquisadores para encontrar respostas sobre diversas doenças de forma mais
barata do que os estudos com genoma. Pioneira na América Latina, a iniciativa
surgiu em 2013 e acaba de dar um passo decisivo com o lançamento, este mês, do fomulário online para
registro de voluntários. Podem se cadastrar gêmeos monozigóticos ou dizigóticos
acima de 18 anos interessados em contribuir com a ciência.
De acordo com o pesquisador Vinícius Cunha Oliveira, um
dos coordenadores do RBG, pesquisas com gêmeos em todo o mundo estão buscando
respostas que estudos tradicionais ainda não encontraram sobre câncer,
diabetes, tabagismo, alcoolismo, etc. “Para entender o funcionamento de muitas
doenças, é importante identificar os fatores de risco ambiental e os fatores de
risco genético. Isso pode ser feito através do mapeamento do genoma. Mas é um
processo complicado e de custo elevado. As pesquisas utilizando gêmeos são mais
baratas e podem oferecer muitas dessas respostas”, explica o pesquisador.
Para se cadastrar, o gêmeo precisará fornecer dados
como nome, data de nascimento, sexo, filiação, endereço, telefone e e-mail. Os
pesquisadores enviarão aos voluntários o link de um novo formulário para
preenchimento de informações sobre estilo de vida, condições de saúde, medidas,
consumo de medicamentos, entre outros. Tudo é feito através do computador ou de
dispositivos móveis, como celulares e tablets. O preenchimento do formulário
leva cerca de dois minutos.
Os dados ficam gravados no registro e o voluntário deve
fazer uma atualização uma vez por mês, de forma que se possa monitorar ao longo
do tempo mudanças físicas, comportamentais e de saúde. “O registro está
disponível para pesquisadores interessados. Digamos que amanhã alguém nos
procure querendo fazer uma pesquisa sobre diabetes. Nós faremos contato com os
gêmeos para saber se eles querem participar. Não é porque eles se inscreveram
uma vez que serão obrigados a participar de todas as pesquisas”, acrescenta
Olveira.
A gêmea Luana Cristina de Oliveira, 31 anos, está
inscrita no RBG e o vê a pesquisa como uma troca, já que também recebe
informações sobre si mesma. “É uma excelente iniciativa e uma forma de conhecer
o universo complexo dos gêmeos”, diz.
Origem
Criado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o RBG
surgiu a partir de uma parceria com o Registro Australiano de Gêmeos, que
existe há mais de 30 anos e é um dos mais avançados do mundo. Os australianos
possuem um cadastro com 80 mil gêmeos. Atualmente, há mais de 30 registros
semelhantes, a maioria em países desenvolvidos como Alemanha, Estados Unidos,
Noruega, Dinamarca, Itália e Japão.
Em 2013, o RBG fez um mapeamento inicial de gêmeos
monozigóticos e dizigóticos acima de 18 anos na região metropolitana de Belo
Horizonte. Atualmente, o registro possui dados de aproximadamente 300
voluntários da capital mineira e cidades vizinhas.
No ano passado, parcerias com pesquisadores da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade de São
Paulo (USP) e de instituições de Santa Catarina permitiram ampliar o alcance do
banco de dados. A meta, segundo Oliveira, é ampliá-lo cada vez mais. “Conforme
a literatura científica, temos entre 1 e 2% da população mundial composta por
gêmeos. Considerando que o Brasil tem cerca de 200 milhões de habitantes,
podemos supor que entre 2 e 4 milhões são gêmeos”, calcula.
Em abril deste ano, a UFMG sediou o 1º Festival de
Gêmeos, no qual cerca de 30 voluntários do projeto se reuniram com os
pesquisadores para trocar informações e experiências. O RBG também tem
integrado o consórcio mundial de registros que organiza encontros a cada ano e
meio para discutir pesquisas conjuntas. Os pesquisadores do Japão, por exemplo,
já sinalizaram interesse em estudar japoneses gêmeos imigrantes que vivem no
Brasil. Os cientistas brasileiros também estão em diálogo avançado com os
australianos e os espanhóis.
Dor lombar
O primeiro estudo desenvolvido no âmbito do RBG analisa
fatores de risco ambiental da dor lombar, para que futuramente se possa
elaborar estratégias de prevenção. “Trata-se de um problema muito prevalente na
população e os tratamentos funcionam até certo ponto. Não há uma cura. Fala-se
em controlar os episódios e prevenir novos episódios. E para prevenir é preciso
entender com mais profundidade os fatores de risco”, explica um dos
coordenadores do RBG.
Os gêmeos que integram esta parte da pesquisa são acompanhados
por um ano. “Nós podemos monitorar dois gêmeos monozigóticos, que possuem carga
genética idêntica, sendo que um tem dor lombar e o outro não. Vamos supor que
apenas um deles pratica atividade física. Então podemos verificar se o
sedentarismo é um fator de risco”, acrescenta o pesquisador.
Pesquisa semelhante sobre dor lombar foi realizada na
Austrália com algumas conclusões que contradizem estudos tradicionais. Segundo
o estudo, obesidade e depressão não seriam fatores de risco e sim de
prognóstico, ou seja, obesos e depressivos não têm mais chances de desenvolver
dor lombar, embora talvez tenham mais dificuldade de obter melhora no quadro.
Por outro lado, os australianos perceberam que a
qualidade do sono é um fator de risco, conclusão que não tinha tanta evidência
na literatura médica. Diante destes achados, a pesquisa realizada pelo RBG
busca também saber se as conclusões australianas têm correspondência no Brasil.
Embora esse estudo da dor lombar busque resultados que
ajudem futuramente na prevenção da doença, também é possível desenvolver
pesquisas com gêmeos para avaliar medidas terapêuticas.
“Por exemplo, se nós aplicarmos um tipo de tratamento
em uma pessoa doente e ela tiver melhoras, quem me garante que a recuperação se
deu pela intervenção médica? Ela pode ter melhorado porque isso ia ocorrer de
qualquer jeito. Mas se nós usamos gêmeos com genética idêntica que estejam com
a mesma doença, temos o que chamamos de grupo controle perfeito. Se um recebe o
tratamento e melhora e o outro sem tratamento não melhora, aí podemos tirar
conclusões mais profundas”, explica Oliveira.
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