O papa não apoiou a
legalização do aborto. Nem anunciou qualquer revisão de um dos mais
sólidos dogmas da igreja, que considera toda interrupção voluntária da gravidez
como um atentado a vida e chega a colocar fiéis em risco ao proibir o uso de
preservativos que podem impedir a contaminação pelo virus da AIDS.
Francisco esclareceu que o
perdão só será concedido para aquelas mulheres que demonstrarem arrependimento.
Com isso, manteve-se no papel
na defesa dos valores tradicionais da Igreja. Não poderia, como Papa, Sua
Santidade e chefe político da Igreja, agir de outro modo. Mas sua medida vai no
caminho adequado.
Só para se ter uma ideia do
valor dessa decisão. Em 2007, quando o antecessor Bento XVI estava no avião a
caminho do Brasil, a discussão sobre aborto surgiu numa entrevista a 11 000
metros de altura. A questão foi provocada pela reação de bispos mexicanos, que
haviam anunciado a excomunhão de parlamentares que haviam votado a favor de um
projeto que legalizava o aborto. Bento XVI apoiou a punição -- enfaticamente.
Anos mais tarde, num caso
dramático ocorrido em Pernambuco, o Vaticano defendeu a excomunhão de uma
menina de 9 anos que, estuprada pelo padrasto, ficara grávida de gêmeos.
Em 2009, Bento XVI chamou o
embaixador do Brasil na Santa Sé para mandar um recado a Brasília, condenando
não apenas o aborto, mas também as pesquisas com células- tronco embrionárias e
a eutanásia.
Em 2010, dias antes do
segundo turno da eleição presidencial, Bento XVI aproveitou um encontro com
bispos do Maranhão para aconselhar que a Igreja recomendasse aos fiéis que
votassem a favor do "bem comum". Na prática, a orientação do Papa
ajudava a oposição. Fazia coro a uma campanha de lideranças religiosas --
católicas ou não -- que tentavam acusar Dilma de ter um plano secreto de
legalizar o aborto depois da vitória, o que não tinha fundamento na realidade
mas era uma mentira de grande utilidade para tirar votos.
Ao falar em perdão e
arrependimento, Francisco coloca o debate na perspectiva adequada.
Abandona o ponto de vista de
quem pretende impor o ponto de vista de uma religião particular ao conjunto da
sociedade, para reconhecer que se trata de uma questão a ser resolvida por cada
um, de acordo com seus próprios valores e convicções.
Francisco fala para quem
segue o catolicismo e suas regras -- e essa é uma forma de demonstrar respeito
por quem tem outra fé ou mesmo não tem religião.
É um avanço que procura
recuperar um atraso de três séculos -- período em que a humanidade compreendeu
a imensa importância, para a democracia, da separação entre Igreja e
Estado.
Por Paulo Moreira Leite, blog
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