Fabio Braga/Folhapress
O sociólogo português Boaventura Souza Santos
O texto publicado na Folha de S.Paulo/UOL é importante para melhor compreender o que vivemos e o que poderemos viver no Brasil
"A nova classe média,
que foi integrada pelo consumo, é ingrata a quem lhe dá condições para
ascender. Tende a se identificar com os que estão acima dela e não com os que
estão abaixo. Também não será leal a outros governos. Para isso, terá que ser
intimidada.
O alerta é do sociólogo e
economista português Boaventura Sousa Santos, 74. Segundo ele, se houver um
ciclo político pós-PT, "ele será dominado pela inculcação do medo que leve
à resignação das classes médias e populares".
Na análise do professor da
Universidade de Coimbra, há também "o interesse do 'big brother' em que
desapareçam de cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacional
recursos, como o Pré-Sal e a Petrobrás. Está em curso na região um novo
intervencionismo 'soft'".
Nesta entrevista à Folha,
concedida por e-mail, ele trata da ascensão de movimentos políticos na Grécia e
na Espanha e os rumos da esquerda. "Não estamos em tempo de coerência
política. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditará a esquerda
enquanto esta não aprender a desacreditar a crise", afirma.
Folha - Como vai a
esquerda pelo mundo? Está em avanço ou em retrocesso?
Boaventura de Sousa Santos
- O mundo é demasiado vasto para
que possamos ter uma ideia global de como vai a esquerda, até porque em muitas
regiões do mundo as clivagens sociais e políticas são definidas em dicotomias
distintas da dicotomia esquerda/direita. Por exemplo, secular/religioso,
cristão/ muçulmano, hindu/muçulmano, branco/negro, etnicamente X/etnicamente Y.
Na medida em que a dicotomia
está presente, a definição dos seus termos é, em parte, contextual. Nos EUA, o
partido democrático é um partido de esquerda mas na Europa ou América Latina
seria considerado um partido de direita. O partido comunista chinês é de
esquerda? Com estas cautelas, há que começar por perguntar: o que é a esquerda?
À escala do mundo só é
possível uma resposta minimalista. Esquerda é toda a posição política que
promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes objetivos: luta contra a
desigualdade e a discriminação sociais, por via de uma articulação virtuosa
entre o valor da liberdade e o valor da igualdade; defesa forte do pluralismo,
tanto nos mídia como na economia, na educação e na cultura; democratização do
Estado por via de valores republicanos, participação cidadã e independência das
instituições, em especial, do sistema judicial; luta pela memória e pela
reparação dos que sofreram (e sofrem) formas violentas de opressão; defesa de
uma concepção forte de opinião pública, que expresse de modo equilibrado a
diversidade de opiniões; defesa da soberania nacional e da soberania nacional
de outros países; resolução pacífica dos conflitos internos e internacionais.
Se esta definição, apesar de
minimalista, parecer maximalista, isso é já parte da minha resposta. Ou seja,
olhando mundo à nossa volta, um mundo de concentração da riqueza a um nível sem
precedentes, de corrução endémica, de racismo e de xenofobia, de esvaziamento
da democracia por via da privatização do Estado por parte de interesses
poderosos, de concentração midiática, de guerras internacionais e civis de alta
e de baixa intensidade, não podemos deixar de concluir que um mundo assim não é
um mundo cuidado pela esquerda. É, de fato, um retrato cruel da crise da
esquerda.
A crise de 2008 e as
medidas de austeridade impulsionaram movimentos de protesto em vários países,
como na Espanha e na Grécia. Há uma leitura global para isso? A esquerda soube
aproveitar o tempo de crise capitalista?
As medidas de austeridade são
o que fora da Europa sempre se chamou política de ajuste estrutural, uma
política de que sempre foi campeão o FMI. São sempre medidas de privatização e
de concentração da riqueza nacional, de redução das políticas sociais (saúde,
educação, pensões etc.) e de diminuição do peso do Estado na economia e na
sociedade. Tem-se chamado, a essa política, neoliberalismo.
Essa política foi seguida nos
últimos 30 anos em muitas partes do mundo e, portanto, muito antes da crise de
2008. A crise de 2008 foi o resultado da desregulação do capital financeiro na
década anterior. E o mais dramático foi que a crise foi 'resolvida' por quem a
causou. Daí a situação de volatilidade financeira permanente em que nos
encontramos. Na Europa, a crise de 2008 acabou por ser o pretexto para estender
a política neoliberal a uma das regiões mais ricas do mundo.
Os movimentos de protesto
foram muito distintos mas tiveram, em geral, duas bandeiras: a luta contra a
concentração da riqueza (os 99% contra os 1%) e pela democracia real (no caso
da Primavera Árabe era luta pela democracia sem adjetivos). Essas duas
bandeiras estão inscritas no DNA da esquerda. Mas, na Europa, a esquerda
social-democrática (partidos socialistas e partido trabalhista inglês)
tinham-se rendido há muito ao neoliberalismo através do que se chamou a
terceira via, que, de fato, foi um beco sem saída.
Nessa esquerda não havia
alternativa à resolução da crise financeira mesmo que tivesse havido poder para
a impor. Na esquerda-à-esquerda houve novidades. Tanto na Grécia como na
Espanha houve vitórias importantes, a emergência do Syriza e do Podemos.
Mas o problema maior foi que
a esquerda europeia no seu conjunto não se deu conta de que o Banco Central
Europeu e o euro tinham sido criados segundo o mais puro catecismo neoliberal.
Disso resultou que as instituições europeias são hoje mais neoliberais que os
diferentes Estados europeus e têm um poder enorme para intervir neles,
sobretudo nos mais pequenos e periféricos.
Na América Latina, houve
avanços nos partidos de esquerda no início do século 21. Esse movimento
continua? Parou? Há retrocesso?
Foi uma das novidades
políticas mais brilhantes do século 21, num momento em que havia poucas boas
notícias no mundo. Teve causas e perfis diferentes nos vários países mas, em
geral, os partidos ou movimentos de esquerda chegaram ao poder na base de fortes
mobilizações populares contra as políticas neoliberais. Essa energia
progressista tinha sido anunciada com muito vigor no primeiro Fórum Social
Mundial em janeiro de 2001.
Os avanços consistiram, por
um lado, na ampliação da classe política governante que passou a incluir
membros das classes populares e dos movimentos sociais e sindicais (incluindo
presidentes, no caso do Brasil, um operário; no caso da Bolívia, um indígena).
E, por outro lado, em
combinar a aceitação das regras impostas pela ordem econômica global com
políticas sociais compensatórias (na maioria não universais) que permitiram
significativa redistribuição social e que, no conjunto, foram designadas como
social democracia à latino-americana.
A ordem econômica global
impunha na América Latina um novo extrativismo, uma exploração sem precedentes
dos recursos naturais (agricultura industrial, exploração petrolífera e
mineira, megaprojetos hidrelétricos e de outras infraestruturas) impulsionado
pelo crescimento assombroso da China.
O Estado acumulou recursos
(tal como o sistema bancário acumulou lucros), o que permitiu uma
redistribuição social significativa e uma grande ampliação do sistema educativo
superior. Destes dois pilares surgiu uma nova classe média ansiosa por se
integrar na sociedade de consumo.
Qual sua avaliação sobre a
grave crise que ocorre no Brasil? Por que a base política da presidente se
erodiu tão rapidamente? Há chance de impeachment?
No momento em que o
crescimento da China começou a abrandar, este modelo socioeconómico começou a
colapsar. Para manter os níveis de redistribuição social seria necessário
tributar os mais ricos e isso não é possível em contexto de neoliberalismo. As
novas classes médias foram integradas pelo consumo e não pela cidadania.
E pelo tipo de consumo que
era próprio das velhas classes médias e altas. Não se pensou em novos tipos de
consumo (transportes públicos) nem em qualificar os serviços públicos que
tinham agora mais clientes mais exigentes (dos serviços de saúde às
universidades).
A nova classe média é
tipicamente ingrata a quem lhe dá condições para ascender ao novo estatuto e
tende a identificar-se com os que estão acima dela e não com os que estão
abaixo.
Os que estão acima são os que
sempre olharam com suspeita os governos progressistas. Além de tudo, estes
governos traziam uma nova classe política feita de gente de baixo que a gente
de cima, numa sociedade classista e cheia de ranço colonial, olhava e olha com
desprezo e até com repugnância.
Acontece que esta nova classe
política, também ela própria se quis identificar com a gente de cima que sempre
tinha dominado o poder político durante muitas décadas. Isto significava
governar à moda antiga para atingir objetivos novos. Ou seja, tirar da
governação os mesmos benefícios que a gente de cima sempre tinha tirado, quer
por vias legais, quer por vias ilegais.
Foi, em parte, por isso que
nunca se fez a anunciada reforma política. Foi uma tentação fatal porque os
mesmos atos de governo, os mesmos erros e as mesmas ilegalidades têm
consequências diferentes quando são cometidos por grupos sociais diferentes.
Não há hoje mais corrução no Brasil que nos períodos anteriores; ela é apenas
mais visível porque há mais interesse político em expô-la.
E não esqueçamos a dimensão
externa da crise política: o interesse do 'big brother' em que desapareçam de
cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacional recursos, como
o Pré-Sal e a Petrobras. Está em curso na região um novo intervencionismo
'soft' de que iremos ter mais notícias.
Se houver impeachment será um
enorme retrocesso para o processo democrático brasileiro, pelo menos até se
provar algum ato ilegal em que a presidente esteja envolvida, o que até agora
não aconteceu.
Eleita, a presidente
adotou medidas contra teses da esquerda e desagradou boa parcela de seus
apoiadores nesse campo. O que Dilma deveria fazer para recompor sua base? A
crise desacreditou a esquerda?
Não estamos em tempo de
coerência política. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditará a
esquerda enquanto esta não aprender a desacreditar a crise. Em momentos de
crise, o número de bilionários continua a crescer, o que significa que a crise
não é de todos e que, pelo contrário, há muitos que enriquecem com ela.
No caso do Brasil, tenho pena
que a presidente não tenha avançado com a reforma política, o que implicava uma
assembleia constituinte originária. Seria uma aposta difícil, mas era o único
tema em que a sua base podia ir buscar apoios mais amplos.
Seria o começo da resolução
de todos os outros problemas, num país em que o poder do proselitismo
endinheirado capturou a grande sede do poder dos cidadãos, o Congresso. Sem
essa reforma política não será possível uma política de esquerda sustentável.
Muitos afirmam que o real
alvo dessa crise política é o ex-presidente Lula. O sr. concorda com essa
visão?
Concordo mas com mágoa. O
fato de o PT precisar do regresso de Lula da Silva é a prova de que não pôde ou
não soube renovar-se. O presidente Lula tem já assegurado um lugar destacado na
história contemporânea
do Brasil.
do Brasil.
Muitas análises consideram
que o PT deve perder a eleição em 2018 em razão dos escândalos de corrupção e
da forte recessão na economia. Qual seu ponto de vista?
Normalmente essas análises
visam criar profecias auto-realizadas. A corrupção, venha donde venha, deve ser
punida. A recessão econômica não é culpa do governo, tal como o boom anterior
não foi criado por ele. A seu crédito está apenas o modo como o utilizou para
realizar uma redistribuição social que transformou o país para sempre.
A nova classe média, que
agora se mostra ingrata ao PT, não será mais leal durante muito tempo a outros
governos. Para que seja leal terá de ser intimidada.
Penso que se houver a curto
prazo um ciclo político pós-PT, ele será dominado pela inculcação do medo que
leve à resignação das classes médias e populares perante uma quebra do nível de
vida que de todos modos vai ocorrer.
Qual o futuro do PT?
Alguns defendem que seria necessário refazer as alianças à esquerda para
discutir um novo projeto. Estaria no horizonte a formação de um novo partido ou
partidos de esquerda, como ocorreu, por exemplo, na Espanha?
Costumo dizer que os
sociólogos são bons a prever o passado. As transformações a realizar são de tal
ordem que a questão do PT do futuro, ou, se quiser, da esquerda do futuro,
implica a questão de saber se há ou não futuro para o PT ou para a esquerda. Na
Europa estamos a aprender pela via mais dolorosa que o que se não aprendeu
tranquilamente em tempos de bonança tem de se aprender aos solavancos em tempos
de borrasca.
Há paralelos entre o PT e
o PSOE? Ou entre o PT e o partido socialista francês?
São histórias muito
diferentes que enigmaticamente conduzem a presentes com fortes semelhanças. O
PT nasceu de movimentos sociais de base popular com a radicalidade discursiva
da esquerda-à-esquerda.
Mas com um programa moderado,
reverente perante o FMI, e consistindo numa política social-democrática menos
universal que a europeia, mas igualmente informada pela ideia de maximizar a
justiça social permitida pelo capitalismo.
O PT o PSOE e o PS francês
vivem o dilema de já não existir o capitalismo em que podiam florescer. O
neoliberalismo transformou a desigualdade social e o individualismo em suprema
virtude (o empreendedorismo) e não se sente ameaçado por nenhuma força social
que o obrigue a agir de outro modo.
Na Grécia, o Syriza venceu
as eleições, o plebiscito, mas acabou cedendo à troica. Quais os reflexos em
outros partidos de esquerda? Eles podem ficar desacreditados com a ideia de que
não conseguem levar adiante uma alternativa?
O que se passa na Grécia é um
desafio total à imaginação política, particularmente à de esquerda. Nas
próximas eleições (20 de setembro) o Syriza vai a votos com um programa que é o
oposto do aprovado no último congresso do partido. É um programa de austeridade
e não de anti-austeridade e é a tradução em grego do memorandum da troika.
Os dissidentes do Syriza
criaram um novo partido que vai a votos com o antigo programa do Syriza,
acrescentado da proposta da saída do euro e regresso ao dracma. É provável que
o Syriza ganhe as eleições. [Alexis] Tsipras pensa mesmo na maioria absoluta,
para o que lhe basta ter (segundo o sistema eleitoral grego) cerca de 40% dos
votos.
Será imaginável uma aliança
pós-eleitoral entre o Syriza e os dissidentes do Syriza? Decididamente a
realidade política corre hoje muito mais rápido que a análise política, pelo
menos na Europa.
Na Espanha, o Podemos
surgiu com uma nova força. O partido é uma referência para o movimento de
esquerda no mundo de hoje? Por quê?
O Podemos é o partido que na
Europa melhor interpretou a crise da democracia esvaziada de cidadania e
ocupada por antidemocratas, plutocratas (detentores de dinheiro) e até
cleptocratas (ladrões). Fê-lo trazendo para a política os cidadãos que a teoria
política (e a esquerda em particular) considerava despolitizados porque não
participantes nem em movimentos sociais nem em partidos.
Ora, a grande maioria da
população não participa nem nuns nem noutros. E, por vezes, nem sequer vota.
Mas isso não significa que não acompanhe a política nacional e não se revolte
com a injustiça e a corrupção. Só não vê meios credíveis e eficazes para
participar. O Podemos ofereceu-lhe esse meio.
O que o Podemos tem de
diferente em relação a partidos de esquerda tradicionais? Como ele deve ser
definido? É de esquerda, de centro-esquerda, moderado?
O Podemos é até agora a
melhor formulação do que pode ser a esquerda no século 21. Tem de passar por
uma reinvenção da esquerda. Esse objetivo faz com que o Podemos nem sequer se
reveja na dicotomia esquerda/direita tal como está a esquerda hoje. Mas sabe
bem o que é a direita e sabe que a direita está bem porque está no poder e
porque tem a seu favor o capitalismo financeiro mundial –o que lhe dá um
capital de confiança que nenhum grupo social lhe poderia dar. Nem sequer a
burguesia nacional, se é que esse conceito ainda hoje tem validade, dada a
internacionalização profunda do capitalismo.
Podemos é o primeiro partido
a assumir o que muitos teóricos (eu próprio incluído) defenderam: para levar a
sério a articulação entre democracia representativa e democracia participativa,
os partidos de esquerda têm de a adotar no seu seio.
A escolha dos programas e dos
candidatos tem de ser feita pelos mecanismos de democracia participativa, pelos
cidadãos organizados em círculos temáticos ou regionais. Quem ainda se lembra
do orçamento participativo de Porto Alegre sabe o que isso é. Foi, aliás, aqui
que o Podemos bebeu a inspiração.
O Podemos poderá unificar
as esquerdas na Espanha? Quais são os obstáculos para que isso ocorra? E a
Esquerda Unida?
Dificilmente, ainda que algum
progresso interessante esteja a ser feito neste domínio ao nível das regiões
autônomas. Podemos tem feito um esforço notável para essa unificação, o que nem
sempre é fácil por ser "a força de câmbio" e não querer perder a sua
identidade no meio de outras (velhas) esquerdas. É ainda muito grande o peso da
história na esquerda europeia e há muito individualismo egocêntrico disfarçado
de diferença política.
A Esquerda Unida saiu derrotada
das últimas eleições e busca reconstruir-se numa nova frente popular. Tem um
jovem líder que podia estar no Podemos e a quem, aliás, Pablo Iglesias propôs
que integrasse a sua lista de candidatos. O aparelho do partido é velho e não
responde ao anseio de renovação do seu líder. Mas a Esquerda Unida tem na base
muitos quadros que podiam ser preciosos para a implantação sustentável do
Podemos.
Quais as semelhanças e
diferenças entre o Podemos e o Syriza?
O Podemos é uma emergência
dos movimentos dos indignados enquanto o Syriza tem raízes na esquerda mais
tradicional. O Syriza nunca ousaria problematizar se é ou não de esquerda. Mas
ambos são o resultado de uma conglomeração de forças políticas e movimentos
sociais. Ambos viram bem a ameaça do neoliberalismo na Europa e ambos estão a
mostrar grande flexibilidade.
Até onde pode ir essa
flexibilidade é uma incógnita. Por agora, o Podemos não vai mais longe do que
se abrir a uma coligação com o PSOE. Penso que nunca iria tão longe quanto o
Syriza na aceitação da austeridade europeia, não só porque a situação na
Espanha é muito diferente da grega, como, sobretudo, porque os círculos de
cidadãos não permitiriam.
Um desgaste maior do
Syriza poderia atingir o Podemos?
Sim. Não diretamente, mas
através do peso que terá na opinião pública uma eventual derrota incondicional
do Syriza. O objetivo das instituições europeias é liquidar qualquer hipótese
de contestação à política de austeridade. Se o Podemos se sair bem nas próximas
eleições significará que os cidadãos não se estão a deixar intimidar pela
ortodoxia de Bruxelas.
*Desde a queda do Muro de
Berlin (antes, talvez), as esquerdas no mundo parecem desnorteadas. O sr.
concorda com essa afirmação? Como explicar esse processo? Ele está sendo
modificado agora? As esquerdas
estão perdendo uma oportunidade histórica?*
estão perdendo uma oportunidade histórica?*
Ao longo do século passado, a
esquerda foi constituída pela crença de que havia uma alternativa ao
capitalismo. Todas as divisões dentro da esquerda (revolução/reformismo, luta
armada/luta pacifica, comunismo/socialismo democrático) partiram da
possibilidade dessa alternativa.
Quando, a partir da década de
1960, a social-democracia abandonou a ideia de alternativa ao capitalismo, a
sua política passou a centrar-se na ideia de regulação e tributação do capitalismo
para permitir a paz social e garantir a justiça social possível através do
estado de bem-estar.
A existência do Bloco de
Leste fez com que o capitalismo aceitasse o compromisso. Findo o Bloco, não
havia mais razões para aceitar limitações tão drásticas à remuneração do
capital. A queda de Muro de Berlim não foi apenas o fim do comunismo. Foi
também o fim da social-democracia.
Em debate na Espanha, o
sr. falou de um movimento ainda embrionário em Portugal. O que ocorre?
Está em curso uma
reorganização das forças de esquerda que eventualmente só dará frutos daqui a
vários anos. No presente período eleitoral (eleições em 4 de outubro) serão
todas punidas (incluindo eventualmente o PS) com a possível exceção do Partido
Comunista Português, que tem um eleitorado leal e absorve como nenhum outro o
voto de protesto contra a injustiça social.
A punição da esquerda deve-se
a três fatores: o PS não se propõe realizar uma política muito diferente da
seguida pela coligação de direita no poder; a esquerda-à-esquerda está, por
agora, mais dividida que nunca; o governo e as instituições europeias conseguiram
convencer os portugueses de que o pior já passou e que a política de
austeridade deu certo.
Por agora, Portugal é um caso
de sucesso. Sobre o que virá depois das eleições nada se diz.
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