Blog de Eduardo Guimarães
A política brasileira é feita de alianças interesseiras
e traições consentidas – casamentos duradouros são raridade. Além do
comportamento lascivo dos participantes, o ambiente convida à promiscuidade.
O desenho institucional do sistema político brasileiro
é muito permissivo, pois a frouxidão da legislação sobre o estabelecimento e a
gestão dos partidos, aliada à fartura de recursos públicos para o seu
financiamento, estimula a proliferação de agremiações.
Criar um partido político no Brasil é extremamente
fácil. Basta arregimentar 101 pessoas, provenientes de 9 Estados diferentes,
escrever um programa e um estatuto jurídico, realizar uma assembleia e o resto
é burocracia. Para poder disputar eleições, é preciso uma lista de assinaturas
de pouco menos de 500 mil apoiadores; não há número mínimo de filiados.
Até recentemente, o registro de uma legenda no Tribunal
Superior Eleitoral dava direito automático à propaganda gratuita no rádio e na
televisão, além de uma cota mínima nos fundos partidário e eleitoral. Fundar um
partido, portanto, era um grande negócio.
Numa rara tentativa bem-sucedida de dificultar a
proliferação de agremiações políticas no Brasil, o Congresso Nacional aprovou
em 2017 a Emenda Constitucional nº 97. O objetivo era melhorar a
governabilidade no país, proibindo as coligações nas eleições proporcionais
(vereadores e deputados estaduais e federais) e garantindo o acesso à
propaganda eleitoral e ao fundo partidário apenas àqueles que tivessem um
patamar mínimo de votos.
A partir daí a vida dos partidos pequenos começou a se
complicar. Siglas com poucos votos ficaram impossibilitadas de vender seus
tempos no rádio e na TV e de pegar carona nas coligações com as legendas
maiores. Também secou a fonte do fundo partidário para quem não atingiu a
cláusula de barreira em 2018.
Os resultados da minirreforma política de 2017
começaram a aparecer. O PRP foi incorporado pelo Patriota, o PPL uniu-se ao
PCdoB e o PHS foi absorvido pelo Podemos. PSL e DEM negociaram uma fusão e o
União Brasil deve ser aprovado pelo TSE nesta semana.
O número de fusões e incorporações na política
brasileira poderia ser maior se o Congresso submetesse à cláusula de barreira
não apenas o fundo partidário (R$ 1 bilhão por ano), mas também o fundo
eleitoral (que neste ano será de R$ 4,9 bilhões ou R$ 5,7 bilhões).
Como o fundão ficou de fora da Emenda nº 97/2017, o
Unidade Popular, criado no fim de 2019, terá direito a R$ 3,5 milhões de recursos
públicos para gastar neste ano – nada mau para um partido ainda sem votos no
plano nacional. Para muitos partidos pequenos, portanto, ainda vale a pena
continuar em carreira solo, ainda mais com a perspectiva de afrouxamento dessas
regras no horizonte.
Num esforço de sobrevivência, as siglas nanicas
conseguiram aprovar no ano passado a criação das federações partidárias. Ao
permitir que dois ou mais partidos se aliem e atuem como se fossem um só nas
eleições, a nova lei é um jeitinho para contornar os efeitos do fim das
coligações e da cláusula de desempenho.
Caso seja declarada a constitucionalidade das
federações nesta semana, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal atuará a favor
do caos em Brasília, onde a existência de dezenas de partidos com representação
no Congresso torna praticamente ingovernável o país.
Confiantes na liberação do STF, os partidos se lançam
na dança do acasalamento. Estamos acompanhando as idas e vindas do namoro entre
PT, PSB, PCdoB e PV, buscando viabilizar o “match” entre Lula e Alckmin. O
Cidadania é cortejado por Doria (PSDB), Moro (Podemos) e Ciro (PDT). Moro já
piscou para o União Brasil, enquanto PSDB e MDB iniciaram um flerte.
Lula é um mestre da sedução. Não teve dificuldades em
obter o “sim” do PCdoB, o mais fiel companheiro do PT, de reconquistar o PV e,
apesar do charme feito pelo PSB, certamente a novela terá um final feliz. Rede
e Psol ainda não definiram se celebrarão sua união em papel passado, mas já
fazem parte do poliamor da esquerda lulista.
Líder das pesquisas, Lula também pode causar intrigas
nos casamentos alheios. No seu longo percurso até se eleger presidente pela
primeira vez, em 2002, foi conquistando corações no Centrão. No ano em que
entregou a faixa para Dilma, o PT celebrou 259 coligações, dezenas delas com
PL, PP, PTB e Republicanos – o núcleo que hoje apoia Bolsonaro. O MDB também
foi parceiro de primeira hora do Mensalão até o impeachment.
À medida que se aproxima a hora da verdade, aumentam as
chances de traições nos acordos costurados pelos concorrentes. Afinal, como
diria Tim Maia, “paixão antiga sempre mexe com a gente”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário