Por Josias de Souza – UOL
Brasília esteve mais surrealista do que o habitual nas
últimas horas. Atingiu-se o ápice da incongruência na cerimônia de anúncio de
um hipotético plano federal de vacinação contra a Covid, no Palácio do
Planalto. Surgiu em cena um presidente que fala em "união",
"entendimento" e "paz". Discursou um ministro da Saúde que
questiona a "ansiedade" e a "angústia" dos brasileiros
ávidos por vacinas. Ambos soaram inadequados. Jair Bolsonaro foi ofensivo.
Eduardo Pazuello, desrespeitoso.
A súbita conversão do presidente à vacina ofende a
inteligência alheia. No mesmo discurso em que fez pose de gestor respeitável,
Bolsonaro declarou que a pandemia o "afligiu desde o início" e que
"se algum de nós exagerou foi no afã de buscar solução." Faltou
explicar que aflições atormentavam o presidente quando ele afirmou que a maior
crise sanitária do século seria uma "gripezinha". E que solução
pretendia alcançar quando declarou que o Brasil precisa "deixar de ser um
país de maricas.”
A crítica do ministro da Saúde à "ansiedade"
da população desrespeita os mais de 180 mil cadáveres produzidos pela Covid e
seus familiares. "Somos os maiores fabricantes de vacina da América
Latina", disse Pazuello. "Pra quê essa ansiedade, essa
angústia?" O capitão do Planalto e o general da Saúde contraíram o
coronavírus. Nenhum dos dois teve de ralar por leitos de UTI e respiradores do
SUS. Bolsonaro teve a assistência ininterrupta dos médicos da Presidência. Pazuello
foi internado no hospital privado mais bem equipado de Brasília.
Nas últimas duas semanas, o brasileiro assistiu pela
tevê ao início da vacinação em massa na Inglaterra e nos Estados Unidos. No
Brasil, faltam seringas e vacinas. Sobra improvisação. A CoronaVac, chamada por
Bolsonaro de "vacina chinesa do Doria", voltou a ser tratada como
opção. Após prever que a imunização começaria em março, dezembro ou janeiro,
Pazuello sustenta que, se tudo correr como planejado por ele, as primeiras
doses de vacina podem ser aplicadas em fevereiro.
"Não vejo nada de errado", disse o general.
"Se tivesse visto, teria corrigido." Então, tá! Resta constatar que a
novela da vacina dispõe de novos personagens: um presidente pacificador e um
ministro perfeito, gestor de mostruário. Agora só falta convencer o brasileiro
a desempenhar nesse enredo o papel de bobo.
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