Mesmo testando positivo para
o Covid-19 Bolsonaro, sem máscara, conversa com garis ao saiu para dar uma
volta de moto no Alvorada em Brasília ( Foto: Adriano Machado/Reuters)
Infectado pelo coronavírus e cumprindo isolamento no
Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passeou de moto
dentro da propriedade nesta quinta-feira (23) e, sem máscara, conversou com
profissionais que fazem a limpeza na área externa da residência oficial.
O escritor e jornalista fernando gabeira fez uma artigo que explica a relação freudiana de bolsonaro com a máscara, cloroquina e covid-19.
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Fernando Gabeira: A política da negação
A máscara é uma imposição do coronavírus que ameaça
Bolsonaro com a impotência
Há anos que não se fala mais esta frase: Freud explica.
No entanto, infelizmente, em 1936, Freud contou numa carta a história que
explica a terrível passagem da pandemia de coronavírus pelo Brasil.
De acordo com a lenda, quando o rei Boabdil recebeu a
notícia de que a cidade de Alhambra, capital de seu reino, estava para ser
dominada pelo inimigo, ele queimou a carta e decapitou os mensageiros.
Freud afirma que, ao queimar a carta e decapitar os
mensageiros, o rei Boabdil negou uma realidade desagradável: a queda de sua
cidade. Um fator determinante no comportamento do rei era a necessidade de
combater um sentimento de impotência. Ao queimar a carta e decapitar os
mensageiros, ele tentava mostrar seu poder absoluto.
Quando o coronavírus chegou ao Brasil, Bolsonaro
afirmou que iria abalar a economia e arruinar o seu governo. O coronavírus
transfigurou-se numa gripezinha.
Numa live com o querido embaixador Marcos Azambuja e
Mary Del Priore, a historiadora me lembrou que o termo negacionista em história
surgiu quando, depois da Guerra, alguns intelectuais de extrema direita negaram
a existência dos campos de concentração e do Holocausto.
Uma das vantagens da quarentena é ficar perto dos
livros. Encontrei na estante um livro em que dois intelectuais americanos
revisam a história moderna dos EUA usando o conceito da negação.
Michael Milburn e Sheree Conrad, em “Políticas da
negação”, revivem episódios como a Tempestade no Deserto e o Massacre de My
Lai, em que morreram 400 vietnamitas.
Como estão no campo da psicologia, analisam também o
comportamento de figuras-chave na política americana, Ronald Reagan, por
exemplo, a partir de sua tendência a negar a realidade.
Não pesquisei os dados da infância de Bolsonaro, como
fizeram os americanos com seus políticos. Os biógrafos podem fazer isto no
futuro. O singular em Bolsonaro é que ele é muito expressivo e direto, não é
tão necessário assim o mergulho na infância.
Ele se apegou à economia porque via na sua crise o
declínio do próprio poder. Não era o único caminho. Se aceitasse a realidade do
coronavírus e se dispusesse a dar o melhor de sua energia para atenuar seu
impacto, estaria hoje em melhor condição.
Jacinda Ardern, na Nova Zelândia, aceitou a realidade e
tornou-se a maior líder do pais nos últimos 100 anos.
A negação do coronavírus por Bolsonaro é um dos
processos mais corrosivos na história contemporânea. Ele desmontou o Ministério
da Saúde, em plena pandemia, e o ocupou com militares.
A Ciência e a Medicina pareciam para ele como mediações
débeis e inadequadas, e de fato o são quando se quer substituir a realidade por
um desejo. Como o coronavírus não existia como perigo, ele participou de
manifestações, saudou as pessoas e circulou sem máscara.
Dizem os relatos que Bolsonaro considerava usar máscara
“coisa de viado”. É frequente a associação do poder com a masculinidade. A
máscara é uma imposição do coronavírus que o ameaça com a impotência e a
castração.
Aqui nem precisa do Freud para explicar. Sua filha Ana
Freud trabalhava com o tema e costuma citar o caso de um menino que, na
fantasia, tinha um leão que só gostava dele. Ele passeava com o leão entre as
pessoas e se divertia com o fato de ficarem assustadas. Não havia razão para
isso: afinal, o leão era inofensivo, desde que mantido sob controle.
Era a forma de o menino negar seus impulsos agressivos
contra o pai e, mais ainda, se proteger da ansiedade da castração diante de um
inimigo tão mais forte. É possível compreender aí como parece estranho para
Bolsonaro ter medo do coronavírus. Afinal é, na sua fantasia, apenas uma
gripezinha, uma chuva que acaba molhando a todos.
Essa profunda dissociação da realidade nos custou um
preço muito alto em vidas humanas e, ao contrário do que pensa Bolsonaro,
reduziu nossas chances de recuperação econômica.
A presença de militares no Ministério da Saúde para
fortalecer essa fantasia infantil de Bolsonaro equivale ao termo que usamos em
política: o Exército bate palmas para maluco dançar.
É um genocídio, como diz Gilmar? Ou não chega a ser um
genocídio, como diz a maioria? Em qualquer hipótese, digo eu, não há consolo.
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