domingo, 5 de abril de 2020

O falso jejum e a guerra entre deuses, por Bruno Reikdal Lima

O fundamento do rito depende de uma relação comunitária solidária, que quebre relações de exploração, violência e exclusão. Não é requerido sacrifícios ou penitências, e sim processos críticos do modo de vida de uma sociedade.

Por Bruno Reikdal Lima - GGN

Ontem, 2 de abril, o ocupante da cadeira da presidência da República anunciou em entrevista que junto de pastores pretende promover um jejum nacional como meio de enfrentamento da pandemia. Mais uma vez, o uso de rituais religiosos do grupo majoritário de apoio do bolsonarismo serve para esconder um poço de imoralidade com um bezerro sagrado. Constrói-se um ídolo e, em torno dele, uma aura de pureza pintada de verde e amarelo que justifica e legitima os sacrifícios exigidos pela verdadeira divindade cultuada: o deus Mercado. 

Nesse quadro, é fundamental uma discussão ocorrida nos anos de 1980 no Departamento Ecumênico de Investigações, sediado em San José, Costa Rica, no qual teólogos e cientistas sociais utilizaram a expressão “guerra entre deuses” para revelar o processo de crítica da religião do capital (ou do “capitalismo como religião”, na expressão de Walter Benjamin). O falso jejum requer a retomada de uma discussão teológica. E como afirmou certa vez Slavoj Zizek, ” não só toda política se baseia numa visão ‘teológica’ da realidade, como toda teologia é inerentemente política”.

No caso, o jejum “convocado” aparece como falso a partir de uma tomada de posição, que o acusa por não cumprir o papel comunitário do ritual religioso: prática de reflexão e arrependimento do povo e suas lideranças dos caminhos tomados. Assim era proposto o jejum na tradição semita: não como meio de fazer com que Deus se compadecesse e movesse sua mão, de modo que o jejum como sofrimento fosse o caminho sádico para que a divindade aceitasse cuidar de suas criaturas, mas como ritual de transformação das relações sociais até então dispostas.

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